A Faixa de Gaza, palco da guerra que estourou entre Israel e Hamas em outubro de 2023, é alvo de conflitos há milênios.
O território, lar de mais de 2,3 milhões de palestinos, já tinha inúmeros problemas antes mesmo dos 15 meses de confronto e, agora, é dominado praticamente por ruínas.
Nesta terça-feira (4), a história de Gaza ganhou mais um capítulo controverso depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que os EUA iriam assumir o controle do território e que os palestinos deslocados pela guerra não deveriam voltar para suas casas.
Leia mais:Entenda a história da Faixa de Gaza e saiba mais sobre sua importância:
Onde fica e como é a vida em Gaza?
Lar de 2,3 milhões de pessoas, a Faixa de Gaza tem 362 km², uma área equivalente a um quarto da cidade de São Paulo.
Com 41 km de comprimento e até 10 km de largura, o território, que é limitado pelo Mar Mediterrâneo e faz fronteira com Israel ao norte e pelo Egito ao sul, tem uma das densidades populacionais mais altas do mundo.
Em média, existem mais de 5.700 pessoas por quilômetro quadrado em toda a Faixa, mas esse número sobe para mais de 9 mil na Cidade de Gaza, sede do governo do Hamas.
Antes mesmo do atual conflito com Israel, segundo dados da ONU, 80% da população já necessitava de ajuda internacional e pouco mais de 75% dela – cerca de 1,7 milhões de pessoas – é formada por refugiados registrados.
Gaza também tem uma das populações mais jovens do mundo, com quase 60% dos moradores com menos de 25 anos, de acordo com o Gabinete Central de Estatísticas Palestino.
Pobreza e restrições
A guerra decretada por Israel contra o Hamas após a invasão do grupo ao território israelense, que levou a mais de 1,2 mil mortes e ao sequestro de vários reféns, piorou bastante a situação da população de Gaza, que já não era boa.
Em 2022, a ONU afirmou que mais de 80% dos habitantes da região viviam na pobreza e que os níveis de desemprego por lá estavam entre os mais elevados do mundo: 45% em média, mas chegando aos 73,9% entre jovens de 19 a 29 anos com diplomas de ensino médio ou universitário.
Muitos dos desafios enfrentados pelos palestinos de Gaza são explicadas pelo controle intenso que Israel manteve na região mesmo após concordar deixá-la para fazer parte do Estado da Palestina, em 2005.
A situação ficou ainda pior depois que o Hamas assumiu o controle e, tanto o governo israelense quanto o Egito, impuseram bloqueios à circulação de mercadorias e pessoas dentro e fora de Gaza, alegando razões de segurança.
Mesmo antes do atual conflito, os cortes de energia eram uma ocorrência diária em Gaza. A maioria das famílias recebia eletricidade apenas 13 horas por dia, em média, de acordo com a ONU.
As restrições israelenses ao acesso a terras agrícolas e à pesca também criaram uma situação de insegurança alimentar no território, que não tem grandes recursos naturais,
A insegurança alimentar, que hoje atinge a totalidade dos palestinos que permanece no território, atingia 33% da população; 95% não tinham acesso à água potável.
Os agricultores da Faixa só podem plantar em áreas localizadas a até 100 metros da cerca de 60 km que separa Gaza do território israelense. Israel também impõe um limite de navegação no Mar Mediterrâneo, o que significa que os pescadores só podem pescar a uma certa distância da costa – atualmente entre 11 e 28 km.
A destruição por toda a Faixa de Gaza, que hoje chega a 69% de todas as estruturas, já era grande depois da guerra vivida por lá em 2014.
De acordo com a ONU, em janeiro de 2023, nove meses antes do início do novo confronto, das 13 mil casas destruídas em 2014, cerca de 2.200 ainda não tinham recebido financiamento para reconstrução e outras 72 mil que foram parcialmente danificadas não receberam qualquer assistência para reparação.
A assistência médica, que foi ainda mais prejudicada após bombardeios israelenses a vários hospitais de Gaza – as Forças de Defesa de Israel alegam que o Hamas usa as estruturas de saúde como escudo para suas operações – também já era precária.
Sobrecarregadas, as instalações de saúde pública, além de frequentemente afetadas por cortes de energia e escassez de suprimentos e equipamentos, não ofereciam muitos serviços e tratamentos especializados. Os pacientes que necessitavam de cuidados avançados tinham que obter aprovação da Autoridade Palestina e, depois, passes para serem transportados para hospitais fora do enclave.
De 2008 a 2022, segundo a OMS, mais de 70 mil ou um terço dos pedidos de autorização para transporte de pacientes foram adiados ou negados. Alguns pacientes também morreram enquanto aguardavam uma resposta.
História explica
Antes mesmo do embate entre palestinos e israelenses, a Faixa de Gaza já era alvo de disputas.
No livro “Gaza – Uma História”, o historiador Jean Pierre Filiu revela que o território já foi “contestado por faraós, persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, fatímidas, mamelucos, cruzados e otomanos”.
A Cidade de Gaza, por exemplo, chegou a ser ocupada por Napoleão em 1799, durante a batalha entre a França e o Império Otomano e a passagem do líder militar francês rendeu até um ponto turístico que existe até hoje: o Forte de Napoleão, localizado na Rua Al-Wahda, no centro da Cidade Velha.
A disputa entre Israel e Palestina, que se estende há décadas e já resultou em inúmeros enfrentamentos armados e mortes, começou em 1947, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs a criação de dois Estados, um judeu e um árabe, na Palestina, sob mandato britânico.
Com o plano não indo à frente e Israel sendo reconhecido como Estado em 1948, vários acordos já tentaram estabelecer a paz na região, mas nenhum deles teve sucesso.
A Faixa de Gaza, que originalmente era ocupada pelo Egito, foi capturada por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e foi ocupada por colonos israelenses até 2005, quando o país retirou suas tropas da região e a cedeu para fazer parte do Estado da Palestina.
Desde que a área está sob o controle do grupo Hamas, que expulsou as forças leais à Autoridade Palestina, que governava Gaza anteriormente, em 2007, os embates só pioraram. O grupo é denominado como terrorista pelos Estados Unidos, União Europeia e outras potências.
Os quilômetros de túneis que foram usados pelos extremistas para invadir Israel em 2023, inclusive, foram construídos pelo Hamas para driblar as restrições impostas pelo controle israelense e egípcio nas fronteiras e contrabandear coisas para dentro do território.
Futuro incerto
Apesar do cenário atual de destruição em Gaza e da vida precária que já viviam no território antes mesmo da guerra, os palestinos não desejam deixar suas casas.
Logo após o anúncio do novo acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas, um enorme ‘corredor humano’, com milhares de deslocados pelo conflito, foi registrado voltando para o norte do enclave.
Desde que os combates se intensificaram na guerra entre o Hamas e Israel, havia o temor de outra “Nakba” – catástrofe em árabe -, como é chamado o momento em que 700 mil palestinos foram desalojados de suas casas durante a guerra que culminou na criação de Israel em 1948 e tiveram que fugir para países árabes vizinhos, como Jordânia, Síria e Líbano.
Uma avaliação da ONU, divulgada no mês passado, afirma que a reconstrução da Faixa de Gaza após a ofensiva israelense pode levar até 21 anos e custar até US$ 1,2 bilhão.
Nesta terça-feira (4), ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o presidente americano, Donald Trump, afirmou que os Estados Unidos devem assumir o território, propôs reassentar os palestinos em outros lugares e falou em transformar o enclave costeiro em uma “Riviera do Oriente Médio”.
A visão de Gaza transformada em um resort de praia internacional sob o controle dos EUA, exposta por Trump, foi levantada por seu genro Jared Kushner, que descreveu Gaza como uma propriedade costeira “valiosa”, há um ano.
Mesmo com uma grande repercussão negativa e várias autoridades internacionais condenando a ideia, nesta quinta-feira (6), o presidente americano falou novamente sobre seu plano de que Washington tome o território e que os palestinos que vivem em Gaza sejam “reassentados em comunidades muito mais seguras e bonitas, com casas novas e modernas na região”.
(Fonte:G1)