Correio de Carajás

Comitê Gestor da Internet tem membros eleitos e não é órgão federal de censura

Política
Diferentemente do que diz publicação viral no X, professor aposentado da UFRJ que fez comentário polêmico em foto de filha de Roberto Justus não é mais integrante do comitê.
Marcos Dantas, o professor que sugeriu colocar a filha do empresário Roberto Justus na guilhotina, não é membro do Conselho Gestor da Internet (CGI), tampouco o órgão pertence ao governo federal. O CGI foi criado em 3 de setembro de 2003 por um decreto no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas tem entre seus membros integrantes eleitos, além de representantes governamentais. A alegação enganosa aparece em um post viral no X, que repercute uma publicação do docente em uma foto da filha de cinco anos de Justus usando uma bolsa de R$ 14 mil.

No post viral, o autor compartilha um print do perfil do docente no programa de pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) e alega que o professor integra “o Comitê Gestor da Internet do governo federal”. Na sequência, outras pessoas comentam a publicação no X afirmando que o comitê é uma espécie de “gabinete da censura” e que os membros que o compõem vão “regulamentar a internet”. Isso não é verdade.

O decreto que instituiu o CGI, ainda em vigor com seu texto original, descreve as atribuições do comitê. Entre suas funções estão: a definição de diretrizes estratégicas para o uso e desenvolvimento da internet; representar o Brasil em fóruns técnicos nacionais e internacionais; estabelecer procedimentos administrativos alinhados a padrões internacionais, podendo firmar acordos e convênios; realizar estudos e recomendar normas e padrões técnicos e operacionais voltados à segurança e uso adequado da rede.

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Os membros são eleitos por um colégio eleitoral formado por cada um dos setores com representação e a participação do governo se dá pela presença de representantes de órgãos públicos entre os membros. São 21 integrantes, sendo nove do setor governamental, quatro do setor empresarial, quatro do terceiro setor, três da comunidade científica e tecnológica e um com notório saber em assuntos da internet.

A última eleição ocorreu em 2023 e os representantes têm um mandato de três anos, iniciado em 2024. O nome de Marcos Dantas não aparece entre os atuais membros do comitê. Ele teve cinco mandatos, sendo um representando o Ministério das Comunicações (entre 2003 e 2004) e outros quatro como membro da comunidade científica e tecnológica. Ele foi eleito pela última vez em 2020 e permaneceu como membro até agosto de 2023. Essas informações, assim como o fato de Dantas estar aposentado desde 2022, não aparecem no perfil do docente no site da universidade.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O post que viralizou alcançou mais de 103 mil visualizações e é uma resposta a outra publicação sobre os comentários a respeito da filha de Roberto Justus, que somava 2 milhões de visualizações até 8 de julho. O perfil não tem um nome próprio, mas o autor diz trabalhar com “marketing e vendas para clínicas”. Embora o perfil seja verificado pelo X, ele tem poucos seguidores (255) e as publicações não têm necessariamente ligação com o trabalho do autor.

As postagens não são frequentes e os assuntos são variados: há comentários sobre a trilha no vulcão Rinjani, na Indonésia, onde a brasileira Juliana Marins morreu após sofrer uma queda, sobre esportes, conflito no Oriente Médio, entre outros. Mas há, também, críticas à esquerda, incluindo o presidente Lula, o ministro da Fazenda Fernando Haddad e o deputado federal André Janones (Avante-MG).

A reportagem não conseguiu contato com o autor porque o perfil não permite o envio de mensagens diretas por usuários que não tenham contas verificadas. Já o perfil no LinkedIn não tem e-mail para contato.

Por que as pessoas podem ter acreditado

É plausível que as pessoas acreditem no conteúdo porque ele usa informações parcialmente corretas: a informação de que o professor Marcos Dantas integra o Comitê Gestor da Internet saiu de uma fonte oficial, o site da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma visita ao site do próprio Comitê, contudo, mostra que o professor não integra mais o grupo, embora tenha sido membro até 2023.

Após a repercussão negativa do comentário, a universidade emitiu uma nota repudiando o conteúdo da publicação, informando que o professor se aposentou em 2022 e que “as postagens publicadas pelo mesmo em suas redes sociais digitais expressam suas opiniões pessoais”. Até o início da tarde de 8 de julho de 2025, contudo, o perfil não dizia que ele estava aposentado e mantinha a informação de que ele integra o CGI.

A publicação engana ao afirmar que o comitê pertence ao governo federal. Essa compreensão equivocada fica clara por conta dos demais comentários no post: há pessoas afirmando que o órgão é um “gabinete da censura” e que vai regulamentar as redes sociais, o que não é verdade.

Quem são os integrantes do CGI?

Cada um dos 21 integrantes titulares do CGI têm direito a um suplente, sempre do mesmo setor. O poder público tem direito a nove integrantes, que são representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (que coordena o comitê), a Casa Civil da Presidência da República, os Ministérios das Comunicações, da Defesa, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços, do Planejamento, Orçamento e Gestão, além da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Atualmente, os representantes governamentais são:

  • Renata Vicentini Mielli (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações);
  • Pedro Helena Pontual Machado (Casa Civil);
  • Hermano Barros Tercius (Comunicações);
  • José Roberto de Moraes Rêgo Paiva Fernandes Júnior (Defesa);
  • Cristiane Vianna Rauen (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e serviços, antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior);
  • Luanna Sant’Anna Roncaratti (Gestão e Inovação em Serviços Públicos);
  • Alexandre Reis Siqueira Freire (Anatel);
  • Débora Peres Menezes (CNPq);
  • Cláudio Furtado, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti).

O engenheiro eletricista Demi Getschko é o representante com notório saber em assunto de internet. Os quatro representantes do setor empresarial são Cristiano Reis Lobato Flôres (provedores de acesso e conteúdo da internet), Marcos Adolfo Ribeiro Ferrari (provedores de infraestrutura de telecomunicações), Henrique Faulhaber Barbosa (indústria de bens de informática, de bens de telecomunicações e de software) e Nivaldo Cleto (setor empresarial usuário).

O terceiro setor tem quatro titulares: Percival Henriques de Souza Neto, Beatriz Costa Barbosa e Bianca Kremer. São mais três representantes da comunidade científica e tecnológica: Rafael Almeida Evangelista, Marcelo Fornazin e Lisandro Zambenedetti Granville. Há, ainda, um secretário executivo: Hartmut Richard Glaser.

Qual a atuação do comitê em relação às redes sociais?

No ano em que o decreto foi instituído, 2003, as redes sociais estavam em uma fase inicial de desenvolvimento. Algumas plataformas já ganhavam destaque e influenciavam pessoas, mas o boom só ocorreu nos anos subsequentes.

O texto do ato normativo não prevê a atuação do CGI em relação às redes sociais. Contudo, nos dias de hoje, o órgão promove discussões sobre o tema. Em maio, o comitê lançou uma consulta aberta visando a construção coletiva de “princípios para a regulação de plataformas de redes sociais digitais”. O texto é composto por 10 princípios, e até o dia 13 de julho o debate ficará aberto para participação da sociedade. Na plataforma em que lança uma proposta preliminar de princípios para a regulação de redes sociais, o CGI reforça que propor o diálogo com a comunidade faz parte da atribuição de “estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no país”.

Os princípios propostos pelo CGI para a regulação de plataformas de Redes Sociais falam sobre: soberania e segurança nacional; liberdade de expressão, privacidade e direitos humanos; autodeterminação informacional; integridade da informação; inovação e desenvolvimento social; transparência e prestação de contas; interoperabilidade e portabilidade; prevenção de danos e responsabilidade; proporcionalidade regulatória; ambiente regulatório e governança multissetorial.

O que disseram a UFRJ e o professor?

O comentário do professor Marcos Dantas que motivou a publicação viral investigada foi feito no X após um outro usuário repostar a notícia de que Vicky, a filha de 5 anos do empresário Roberto Justus com a influenciadora Ana Paula Siebert, havia posado para uma foto usando uma bolsa de grife avaliada em R$ 14 mil. Dantas respondeu com as palavras “Só guilhotina…”. O comentário logo viralizou e provocou uma resposta do empresário e da esposa.

O perfil do professor ainda está ativo no X, mas ele tornou as publicações privadas. Antes disso, segundo publicou a revista Veja, ele afirmou que o comentário tratava-se de uma “metáfora” e pediu desculpas diretamente a Justus: “Se por obra desses incontroláveis fatores próprios da internet, o post lhe chegou a conhecimento e causou-lhe tantas e compreensíveis preocupações, peço sinceramente que me desculpe”.

Em nota publicada no Instagram, a UFRJ repudiou o comentário e disse que o conteúdo expressava opiniões pessoais do autor, que se aposentou em 2022. No Currículo Lattes de Dantas consta que a aposentadoria ocorreu em 30 de outubro daquele ano. Lá, ele também aparece como ex-secretário nacional de Educação à Distância do Ministério da Educação, entre 2004 e 2005, e como subsecretário da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério das Comunicações, entre 2003 e 2004.

Procurado pelo Comprova, Marcos Dantas respondeu que é aposentado, que não integra mais o comitê desde 2023 e acrescentou que o CGI não é um órgão do governo, embora tenha representantes do governo. Sobre o comentário a respeito da filha de Justus, tratou como “lamentável episódio” e compartilhou um post no próprio X em que fala sobre o assunto: “Era pra ser, e continua sendo, uma simples metáfora, aliás volta e meia empregada por alguém no X (ex-Twitter).  Uma referência simbólica a um evento dramático, mesmo trágico, que marcou para sempre a história da humanidade: a Revolução Francesa. Qual a causa dessa revolução? Uma realidade de profunda desigualdade social, alimentando o radicalismo político”.

Fontes que consultamos: O Comprova acessou a página da pós-graduação em Comunicação da UFRJ e o currículo Lattes para confirmar as informações sobre Marcos Dantas. Também pesquisou sobre o Comitê Gestor da Internet no Google e acessou o site do Planalto para ler o Decreto nº 4.829 na íntegra. Informações adicionais sobre o perfil de Marcos Dantas, e a repercussão de sua fala sobre a família Justus, foram encontradas em reportagens da imprensa profissional.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou que comentários em redes sociais simulam censura e a atribuem enganosamente a Alexandre de Moraes. Também foi provado que o monitoramento de redes sociais e de notícias pelo TSE não significa ‘terceirização da censura’, como foi expresso em posts.

Notas da comunidade: Não há notas da comunidade associadas à postagem verificada pelo Comprova no X.

AtualizaçãoEsta verificação foi atualizada em 8 de julho, às 23h, para incorporar a resposta de Marcos Dantas, recebida após a publicação.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.