A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 80 anos nesta segunda-feira (1º) em meio a questionamentos sobre sua capacidade de acompanhar as transformações do mercado de trabalho do século XXI.
O avanço tecnológico que resulta em inovações como o teletrabalho e os aplicativos de transporte de passageiros e entregas torna desafiadora a tarefa de abarcar as mais diferentes categorias de trabalho dentro de uma só regra de formalidade.
No primeiro trimestre de 2023, a taxa de informalidade chegou a 39% da população ocupada no Brasil. O desemprego ficou em 8,8%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Leia mais:Para Marcio Yoshida, professor do curso de Direito da FAAP, este cenário é incompatível com a CLT — “que ainda é aquela coisa quadradinha” — e por isso as normas precisam de flexibilizações.
“As relações sociais são mais fluidas, mais dinâmicas. E daí surgiu um palavrão: flexibilização do direito do trabalho. É um momento de adequação das nossas leis muito rígidas, para abraçar essas relações de trabalho que são mais fluidas”, explica.
Segundo Jean Menezes de Aguiar, advogado e professor de MBAs da FGV, tal adequação não depende de mudanças na CLT. O especialista indica que as novas relações podem ser compreendidas pela lei por meio da atuação do Poder Judiciário.
“A princípio, a CLT não precisa ser reformada para ser atualizada. Isso porque quem faz as atualizações são os juízes, que aplicam interpretações modernistas e progressistas, atualizantes, a textos às vezes muito antigos. A jurisprudência é a grande flexibilizadora”, indica.
Reforma Trabalhista e flexibilização da CLT
A CLT foi criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, e recebeu sua última alteração de alto impacto em 2017, quando foi aprovada a reforma trabalhista. O objetivo das mudanças promovidas durante a gestão de Michel Temer era flexibilizar normas, a fim de combater a informalidade e o desemprego.
Segundo Marcio Yoshida, naquele momento o mercado de trabalho brasileiro enfrentava dificuldades também pelo “peso” das normas trabalhistas. Ele destaca que as garantias da CLT não têm eficácia num cenário em que a maior parte das pessoas está afastada do mercado formal.
“Fizemos a reforma pois nossa CLT era tão perfeita que metade da população estava alijada do mercado formal — não tinha previdência, não tinha 13º, não tinha férias, nada. Esses direitos acabaram deixando o contrato de trabalho pesado. Contratar um empregado na formalidade ficou caro”, explica.
Entre outras coisas, a reforma permitiu: que acordos coletivos podem prevalecer em relação à legislação, a terceirização da atividade-fim, alterações na jornada, parcelamento de férias e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.
Jean Menezes de Aguiar aponta que a reforma atendeu a “um reclame social” pela flexibilização, mas que algumas alterações geraram “confusões”. Segundo ele, a permissão para terceirização da atividade-fim, por exemplo, contribuiu para a “pejotização” — que é ilegal.
Ao defender novas flexibilizações na CLT, Marcio Yoshida destaca que este movimento não retira direitos dos trabalhadores.
“O que ela [flexibilização] possibilita é que o trabalhador negocie alguma redução desses direitos, com assistência do sindicato, para a preservação do seu emprego”, aponta.
O especialista relembra que, com o prevalecimento do negociado sobre o legislado, o papel dos sindicatos é essencial para a compreensão de novas relações de trabalho dentro da formalidade.
Contrário à flexibilização da norma da CLT por meio da alteração do texto, o professor de MBAs da FGV explica que a lei atual já é ampla e atende a relações de trabalho diversas.
“Temos aproximadamente 20 formas de contratar pessoas hoje, dentro e fora da CLT, no plano legal. Então, a CLT ao meu ver cumpre o papel dela. O papel histórico dela é dar algum tipo de proteção ao polo mais fraco da relação jurídica trabalhista”, indica.
Papel do Judiciário e aplicativos
Um dos aspectos mais sensíveis na relação entre CLT e novo mercado de trabalho fica por conta dos aplicativos de transporte e entrega.
Jean Menezes de Aguiar aponta este como um exemplo do processo em que, mesmo sem a flexibilização da norma, o Judiciário interpreta a lei sob ares modernos e traz atualizações. Recentemente, tribunais reconheceram a relação de emprego entre motoristas e aplicativos.
“Qualquer contrato de trabalho não será válido, seja lá qual for, se o prestador de serviço ultimar os princípios reguladores da relação de emprego que estão no artigo 3º. Então qualquer pessoa que trabalhe sobre subordinação, controle de jornada, salário, será empregado, mesmo que o contrato diga outra coisa, seja MEI, PJ”, explica o professor.
“Quando acontece um acidente de motos com um rapaz que trabalha para aplicativos, ele entra na Justiça, e a Justiça tem reconhecido a responsabilidade das empresas, mesmo sem CLT. Então, veja, não há necessidade de ele ter carteira para que no momento de uma tragédia isso seja reconhecido pela Justiça”, completa.
Segundo o especialista, partindo deste pressuposto, uma ampliação da fiscalização das relações por parte do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e de outras instituições competentes poderiam ser decisivas a fim de compreender o novo mercado e combater a informalidade e o desemprego.
O professor da Faap destaca que a entrada dos aplicativos de entrega e transporte no mercado trouxeram, além da ampla oferta de postos de trabalho, a necessidade de regulação. Ele destaca, contudo, que deve haver limites a essa interferência, a fim de não inviabilizar o modelo de negócio.
“Há um sentimento de que é necessária a regulamentação — mesmo que não seja dentro da CLT, porque não é uma relação de emprego, mas sim de trabalho. Então se questiona até onde o Estado deve intervir nessa relação, em uma discussão complexa, com prós e contras”, avalia.
(Fonte: CNN Brasil)