O trabalho de um grupo internacional de cientistas, detalhado na edição desta semana da revista Nature, reforça a hipótese de que podemos não estar sozinhos no Universo. Pela primeira vez na história, foi detectada a presença de fósforo, um componente essencial para a vida como conhecemos, em um oceano que não está na Terra. Há grande quantidade do elemento químico também em Encélado, uma das luas de Saturno.
“Esse ingrediente-chave pode ser abundante o suficiente para potencialmente sustentar a vida no oceano de Encélado. Essa é uma descoberta impressionante para a astrobiologia”, comemora, em nota, Christopher Glein, cientista planetário e geoquímico do Southwest Research Institute in San Antonio, Texas (EUA), e um dos autores do artigo.
O grupo composto por 10 pesquisadores chegou à conclusão inédita analisando dados coletados pela sonda Cassini, da agência espacial americana, a Nasa. A sonda começou a explorar Saturno, seus anéis e luas em 2004, até queimar na atmosfera do gigante gasoso em 2017. Durante a missão, capturou imagens e coletou amostras de partículas geladas lançadas de grandes fissuras presentes na crosta gelada, no polo sul de Encélado.
Leia mais:A pequena lua é conhecida por ter um oceano subterrâneo, de onde jorra água através de rachaduras como gêiseres. Cientistas já haviam detectado outros minerais e componentes orgânicos nos grãos de gelo ejetados, mas não fósforo. Em 2020, usando modelagem geoquímica, Glein e colegas previram que o elemento químico poderia ser abundante no oceano de Encélado.
Ao combinar as observações com experimentos análogos de laboratório, o grupo concluiu que o fósforo está prontamente disponível no local. “Encontramos concentrações de fosfato pelo menos 100 vezes maiores nas águas oceânicas formadoras de plumas da lua do que nos oceanos da Terra”, detalha Glein. “Usar um modelo para prever a presença de fosfato é uma coisa, mas encontrar evidências de fosfato é incrivelmente empolgante”, diz o cientista planetário.
Análises anteriores dos grãos de gelo da lua de Saturno revelaram concentrações de sódio, potássio, cloro e compostos contendo carbonato. Uma modelagem por computador, por sua vez, sugeriu que o oceano subterrâneo tem alcalinidade moderada — todos os fatores que favorecem as condições habitáveis. A descoberta publicada na última edição da revista Nature torna a condição para a vida ainda mais propícia.
O fósforo é um bloco de construção do DNA, que forma os cromossomos e carrega informações genéticas. Além disso, está presente nos ossos de mamíferos, nas membranas celulares, nas moléculas transportadoras de energia dos seres vivos, incluindo os plânctons que habitam os oceanos.
Mais estudos
Uma das descobertas mais significativas da ciência planetária nos últimos 25 anos é a de que são comuns, no Sistema Solar, oceanos sob uma camada superficial de gelo. Satélites gelados de planetas gigantes, como Europa, Titã e Encélado, e corpos mais distantes, como Plutão, têm essa formação. A Terra, onde há oceanos na superfície, deve estar dentro de uma estreita faixa de distância de suas estrelas hospedeiras para manter as temperaturas que suportam a água líquida nesses biomas aquáticos.
Esses oceanos interiores, por sua vez, podem ocorrer em uma gama muito maior de distâncias, expandindo enormemente o número de mundos habitáveis que provavelmente existirão em toda a galáxia. Dessa forma, Saturno pode ser apenas uma das possibilidades, avalia Linda Spilker, cientista do projeto Cassini no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. “Essa descoberta de fósforo no oceano subsuperficial de Encélado prepara o cenário para o potencial de habitabilidade para os outros mundos oceânicos gelados em todo o Sistema Solar.”
Spilker, que não faz parte do grupo de cientistas, acredita que o novo trabalho abre um extenso campo a ser explorado. “Agora que sabemos que muitos dos ingredientes para a vida estão por aí, a questão é: existe vida além da Terra, talvez em nosso Sistema Solar? Sinto que o legado duradouro da Cassini inspirará futuras missões que podem, eventualmente, responder a essa pergunta.” Glein antecipa uma nova investida: “O próximo passo é claro. Precisamos voltar a Encélado para ver se o oceano habitável é realmente habitado”.
Embora a equipe esteja entusiasmada com a descoberta, o cientista enfatiza que não foi detectada vida em uma das luas de Saturno e em qualquer outro lugar além da Terra. “Ter os ingredientes é necessário, mas eles podem não ser suficientes para um ambiente extraterrestre para hospedar a vida. Se a vida poderia ter se originado no oceano de Encélado permanece uma questão em aberto”.
(Fonte: Correio Braziliense)