Atualização 23 de agosto de 2023 por Redação
Cientistas descobriram um novo antibiótico com grande potencial de ação e cujo efeito dificulta que os patógenos desenvolvam resistência a ele. A substância, chamada clovibactin, demonstrou ser capaz de combater bactérias prejudiciais aos humanos, inclusive aquelas que não são tratáveis com outras drogas do tipo. Segundo a equipe, trata-se de um grande avanço porque a criação desse tipo de remédio é demorada, e, geralmente, surgem opções parecidas com as já disponíveis. O trabalho foi compartilhado por um grupo internacional de pesquisadores na edição desta terça-feira (22/08) da revista Cell.
Os autores do artigo também enfatizam que a resistência antimicrobiana é um grande problema para a saúde humana. Um relatório da Organização Mundial da Saúde divulgado em dezembro mostra que mais de 50% das infecções bacterianas que podem levar à morte estão se tornando resistentes aos tratamentos disponíveis. Além disso, a agência das Nações Unidas estima que, em 2050, cerca de 10 milhões de pessoas vão morrer em decorrência das superbactérias.
Leia mais:
Segundo Markus Weingarth, pesquisador do Departamento de Química da Universidade de Utrecht, entre os patógenos bacterianos resistentes que sucubem ao clovibactin, estão o Staphylococcus aureus, responsável por pneumonias e endocardites, e o Mycobacterium tuberculosis, que causa tuberculose. “Precisamos urgentemente de novos antibióticos para combater os micro-organismos que se tornam cada vez mais resistentes à maioria dos medicamentos usados clinicamente”, afirma, em nota. “O clovibactin parece ser uma perspectiva promissora para o desenvolvimento de antibióticos com uma longa vida clínica.”
José David Urbaez, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, sublinha que a resistência bacteriana é um processo natural, mas de difícil enfrentamento. “Bactérias têm enorme eficiência para desenvolver mecanismos que as protegem. Portanto, a criação de antibióticos é um desafio enorme, porque temos que correr atrás de descobrir mecanismos novos de resistência e sermos capazes de criar moléculas que consigam atacar esses micro-organismos. Isso é gravíssimo. E nessa corrida, estamos muito atrasados em relação às bactérias”, avalia.
“Matéria escura”
A descoberta do remédio foi feita por pesquisadores da Universidade Northeastern, nos EUA, e da Universidade de Bonn, na Alemanha, em parceria com a NovoBiotic Pharmaceuticals, uma empresa estadunidense em estágio inicial. Antes disso, a mesma equipe havia desenvolvido um dispositivo capaz de cultivar bactérias que, anteriormente, não podiam ser criadas em laboratório, um fenômeno chamado de “matéria escura bacteriana”.
De acordo com o artigo, essas bactérias representam cerca de 99% de todas as existentes. Como não era possível o cultivo em laboratório, não se podia explorar novos antibióticos a partir delas. Através do uso de um dispositivo, chamado iCHip, os pesquisadores americanos encontraram o clovibactin em uma bactéria isolada de um solo arenoso na Carolina do Norte, chamada E. terrae ssp. Carolina. Em testes, a substância foi utilizada, com sucesso, no tratamento de camundongos infectados pela superbactéria Staphylococcus aureus.
O ensaio também mostra que o medicamento tem um mecanismo incomum no combate aos micro-organismos. Ele não ataca apenas uma, mas três moléculas essenciais para a construção da parede celular da bactéria, estrutura que a protege da ação de antibióticos. “O mecanismo de ataque de múltiplos alvos bloqueia, simultaneamente, a síntese da parede celular bacteriana em diferentes posições. Isso melhora a atividade do medicamento e aumenta substancialmente sua eficiência contra o desenvolvimento de resistência”, explica, em nota, Tanja Schneider, pesquisadora da Universidade Bonn e coautora da pesquisa.
“Isso é importante porque, quanto mais mecanismos de eliminação um antibiótico utiliza, menos provável é o surgimento de resistência antimicrobiana”, completa Weingarth. Segundo o pesquisador, não foram encontradas resistências até o momento. Urbaez também destaca esse diferencial do clovibactin. “A busca por novos mecanismos de ação é incansável, e as bactérias têm uma capacidade quase infinita de desenvolver resistência. Esse novo antimicrobiano ainda é experimental, mas, diferentemente de outros, tem um mecanismo de ação em vários pontos. É importante esse tipo de proposta.”
Mais estudos
Nos testes, o antibiótico mostrou outra característica importante. Ao se ligar às moléculas que são seu alvo, ele se organiza em grandes fibrilas — estruturas alongadas, finas e geralmente fibrosas — na superfície das membranas bacterianas. Esses arranjos são estáveis por um longo tempo, garantindo que as estruturas-alvo permaneçam sequestradas pelo tempo necessário para matar as bactérias.
De acordo com Weingarth, a equipe trabalha, agora, para descobrir contra quais patógenos o clovibactin terá mais efeito. “As micobactérias, como a conhecida Mycobacterium tuberculosis, causam problemas de saúde porque têm uma camada externa muito grossa e especial que as protege dos antibióticos. Estamos tentando entender como podemos atingir essa camada usando antibióticos”, explica.
Palavra de especialista: Uso deve ser racional
“É importante as pessoas entenderem que os antibióticos só devem ser utilizados quando realmente há indicação. Nós temos bactérias no nosso organismo, no intestino, na pele e em vários outros locais. Quando utilizamos o remédio, ele mata aquelas bactérias que queremos que morra e várias outras também. Isso gera uma seleção, que pode fazer com que as bactérias com mecanismo de resistência específicos se tornem dominantes. Conforme surgem novas classes de antimicrobianos e quanto mais eles são utilizados, a resistência vai aumentando se não forem administrados de forma racional.”
André Bon, infectologista do Hospital Brasília.
(Fonte: Correio Braziliense)