Correio de Carajás

Cientistas da Unifesspa apresentam 9 sugestões para frear avanço da covid-19 na região

Na manhã desta sexta-feira (29), um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) publicou uma carta por meio da qual relatou a atual situação da pandemia causada pelo novo coronavírus em Marabá e região.

Mais de 100 cientistas assinam o documento, que apresenta forte preocupação com o avanço da covid-19 em uma área caracterizada por intenso deslocamento humano, 12 povos indígenas, comunidades quilombolas, 513 projetos de assentamento de trabalhadores rurais, vilas e vicinais, entre outros.

Na carta, os pesquisadores reconhecem as iniciativas e medidas adotadas pelo poder público no combate à disseminação do novo coronavírus, mas alertam para a letalidade da doença em Marabá e região, chamando a atenção para os riscos de um relaxamento das medidas de isolamento social.

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Além disso, os cientistas apresentam propostas para que poder público e a sociedade, unidos, enfrentem tão grave crise de saúde pública. Leia a carta na íntegra:

Desde o registro dos primeiros casos do novo Coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença COVID-19 em dezembro de 2019 e seu crescimento avassalador, governos, órgãos internacionais e instituições de pesquisa seguem basicamente procedimento similar: higienização, isolamento social e quarentena como formas de realizar a dita “gestão da crise”, termo que no atual horizonte político denota vínculos entre saúde pública, práticas econômicas e interesses políticos.

Na condição de cientistas com atividades de pesquisa nesta região demonstramos grande preocupação com o avanço da COVID-19 em área caracterizada por intenso deslocamento humano que percorre mais de 40 municípios, 12 povos indígenas, comunidades quilombolas, 513 projetos de assentamento de trabalhadores rurais, vilas e vicinais, dentre outros. A partir da observação de tal contexto territorial e diversidade socioeconômica testemunhamos com pesar o avanço vertiginoso do número de contaminados, contrariando o discurso corrente de que o anunciado “achatamento da curva” estaria em andamento.

Nos meses subsequentes, diversos pesquisadores e técnicos administrativos da UNIFESSPA criaram o “Painel Reflexão em Tempos de Crise” [https://acoescovid19.unifesspa.edu.br/], espaço institucional voltado para publicação de produções científicas sobre o tema da pandemia, bem como apresentação das pesquisas em espaço virtual, o que vem ocorrendo semanalmente no Instagram [@unifesspa_oficial]. Os fundamentos científicos desta Carta são o resultado dessa iniciativa.

Se, por um lado, são dignas de nota as iniciativas do poder público no combate à disseminação da COVID-19, por outro é fundamental sublinhar que as recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS e os protocolos científicos vêm se enfraquecendo em determinados municípios. O caso de Marabá é exemplar nesse sentido: no dia 18 de maio, data em que o poder público municipal informou que não iria aderir ao lockdown, foram registrados no Boletim Oficial Epidemiológico 326 casos. Em 25 de maio, 7 dias, portanto, após o anúncio, o Boletim Oficial Epidemiológico registrou 664 casos, ou seja, o número de casos havia dobrado.

A letalidade da COVID-19 em Marabá e em alguns municípios vizinhos (número de óbitos dividido por número de casos) é alta (10%), e não tem diminuído mesmo com a mudança na notificação do Boletim Epidemiológico na SESPA. Outro dado preocupante é que estudos da região indicam um aumento estatístico exponencial do número de casos e óbitos com diferenças significativas entre faixas etárias e sexo.

Ainda no dia 25 de maio, o poder público municipal anuncia por meio do decreto 049/2020 a “reabertura do comércio de Marabá” dos serviços “essenciais” e “não essenciais”.

Tal medida, ainda que recoberta de recomendações acerca do uso de máscara e distanciamento e amparada em outras ações, tais como a distribuição do “kit de medicamentos”, não encontra precedente que a torne eficaz em contextos de flagrante multiplicação de casos e ínfima quantidade de testes proporcionais ao conjunto da população.

Longe de uma problematização pueril, tais considerações são referendadas em pesquisas desenvolvidas na região e tem o objetivo de alertar sobre a proliferação implacável de casos e consequente infortúnio que se abaterá sobre a população do sul e sudeste do Pará. Infelizmente, nesses casos, os dados científicos, tomados em si, não podem ser alterados por inclinação política ou mesmo nossos melhores anseios e boas intenções em encerrar este momento tão doloroso.

No intento de somarmos contribuições às relevantes medidas do poder público na região, propomos o aprofundamento ou promoção das seguintes proposições elencadas abaixo:

1) Ampliação ou articulação do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus ou Comitê de Gestão de Crise ou outras formas institucionalizadas dos poderes públicos com demais setores da sociedade civil, fazendo transparecer as medidas científicas, razões sociais e legitimidade democrática que fundamentam as suas decisões;

2) Agregar por meio de parcerias as contribuições das múltiplas áreas científicas e tecnológicas das instituições de ensino superior no sul e sudeste paraense;

3) Promover a testagem massiva da população para pautar as ações de enfrentamento à COVID-19, pois sabemos que os testes são decisivos para a) melhorar a capacidade de previsão sobre a doença; b) ampliar a segurança para o retorno das atividades; c) ajudar no planejamento dos governos estaduais e municipais;

4) Que o poder público possa conscientizar determinados grupos sociais que interesses econômicos e volições contábeis não podem suplantar o bem coletivo;

5) Construir um calendário alternado das atividades comerciais e industriais na região, tendo como base dias da semana, horário de funcionamento e distinção entre serviço “essencial” e “não essencial”, suscetíveis à suspensão conforme aumento de casos. Estudos sociológicos e observações em outras realidades do planeta identificam que essa alternância tem se mostrado eficiente em detrimento da liberação conjunta de serviços “essenciais” e “não essenciais”;

6) Expansão do monitoramento domiciliar de 48 em 48 horas para pacientes com sintomas leves e diariamente para pacientes no grupo de risco, preconizado pelo Ministério da Saúde;

7) Construção do banco de dados completo para estudo epidemiológico e social do impacto da COVID-19 nos municípios, por núcleo, bairros e comunidades, a fim de direcionar ações específicas para distintos contextos sociais;

8) Ampliação das medidas e ações de educação em saúde para o enfretamento da COVID- 19, em parceria com a sociedade civil e instituições de ensino superior da região;

9) Consultar os epidemiologistas da região para que, voluntariamente, possam contribuir na vigilância epidemiológica da COVID-19 e síndromes gripais nos municípios e região;

Os pesquisadores subscritos nesta Carta recomendam que os poderes públicos no sul e sudeste paraense possam construir de forma equânime e democrática a manutenção de atividades econômicas para trabalhadores e trabalhadoras e a defesa dos direitos protetivos à vida. Pensamos que os protocolos científicos e análise racional de tais impactos são um pressuposto importante para não sucumbirmos à exposição dessa população a tragédias dessa envergadura.

A comunidade científica consignada reafirma o compromisso com a ampla e diversa sociedade regional e coloca-se à disposição para contribuir na construção de estratégias e ações para prevenir, monitorar e dirimir o impacto da COVID-19. (Fonte: Unifesspa)