Correio de Carajás

Cientistas criam ‘simulador de voo’ do cérebro e revelam como ele aprende

Modelo computacional desenvolvido por pesquisadores da Universidade Tufts e do MIT simula circuitos neurais com realismo biológico e abre caminho para uma nova geração de tratamentos personalizados em saúde mental.

O tálamo ajuda o cérebro a perceber quando o contexto muda e a mudar de estratégia. — Foto: AdobeStock

Um grupo de neurocientistas da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, desenvolveu um modelo de computador que funciona como um “simulador de voo” para o cérebro.

A ferramenta, chamada CogLinks, permite observar como os circuitos neurais tomam decisõesaprendem com erros e se adaptam a mudanças — e o que acontece quando esse processo sai do curso, como ocorre em transtornos mentais.

O estudo, publicado em 16 de outubro na revista Nature Communications, mostra como o sistema ajuda a preencher uma lacuna histórica da neurociência: compreender como o cérebro transforma informações incertas em ações, algo essencial tanto para o aprendizado cotidiano quanto para o desenvolvimento de doenças psiquiátricas.

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“A incerteza está embutida na estrutura do cérebro. Imagine grupos de neurônios votando — alguns otimistas, outros pessimistas. Suas decisões refletem a média”, explica Michael Halassa, professor de neurociência em Tufts e um dos autores principais do estudo.

 

Quando esse equilíbrio se rompe, o cérebro pode supervalorizar coincidências ou se prender a padrões rígidos, levando a distorções cognitivas associadas à esquizofrenia, ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e ao TDAH.

Um cérebro virtual que aprende como o real

 

O CogLinks é um modelo computacional baseado em biologia real. Ele reproduz a arquitetura e as conexões dos neurônios e mostra, de forma transparente, como o cérebro “decide” diante de situações ambíguas.

Diferentemente da inteligência artificial convencional, que opera como uma “caixa-preta”, o CogLinks permite visualizar o processo de aprendizado e entender como os neurônios virtuais ajustam o comportamento quando as regras mudam.

Em uma das simulações, os pesquisadores enfraqueceram a ligação entre o córtex pré-frontal e o tálamo mediodorsal, regiões associadas ao raciocínio e à flexibilidade cognitiva. O resultado foi um padrão de aprendizado mais lento e automatizado, semelhante ao que ocorre em distúrbios como o TOC, em que o cérebro tem dificuldade de adaptar-se a novas informações.

“Esse caminho é essencial para a adaptabilidade. Quando ele falha, o pensamento se torna rígido”, resume Halassa.

 

Resultados confirmados em exames cerebrais

 

  • Para validar o modelo, a equipe conduziu um estudo de imagem cerebral (fMRI) em voluntários, em parceria com a Universidade Ruhr de Bochum, na Alemanha. Os participantes jogaram um jogo em que as regras mudavam de forma inesperada, exigindo ajustes rápidos de estratégia.
  • As imagens mostraram que o tálamo mediodorsal atuava como um “painel de controle” entre dois sistemas cerebrais: o planejamento flexível, guiado pelo córtex pré-frontal, e os hábitos automáticos, controlados pelo estriado. Essa função de coordenação confirmou as previsões do CogLinks.

 

“O tálamo ajuda o cérebro a perceber quando o contexto muda e a mudar de estratégia — é um interruptor entre o hábito e a flexibilidade”, explica Burkhard Pleger, coautor do estudo de fMRI.

 

Psiquiatria algorítmica e futuro dos tratamentos

 

Os pesquisadores acreditam que a nova abordagem inaugura o campo da “psiquiatria algorítmica”, em que modelos computacionais servem para mapear as causas biológicas de transtornos mentais e orientar tratamentos mais precisos.

“Uma das grandes questões em psiquiatria é como conectar o que sabemos sobre genética aos sintomas cognitivos”, afirma Mien Brabeeba Wang, doutoranda do MIT e coautora do estudo.

A equipe planeja usar o CogLinks para investigar como mutações genéticas associadas à esquizofrenia afetam os circuitos cerebrais e dificultam a flexibilidade do pensamento.

O trabalho foi apoiado por instituições como o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) e a Fundação Nacional de Ciências dos EUA, além de centros de pesquisa da China e da Alemanha.

Segundo Halassa, o objetivo é claro: unir biologia, computação e clínica para construir um mapa mais preciso da mente humana.

“Se entendermos como o cérebro se desvia, podemos aprender a realinhá-lo”, diz o neurocientista. “Isso pode transformar a maneira como tratamos doenças mentais.”

(Fonte:G1)

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