Correio de Carajás

A memória preservada em acervo

O filósofo anarquista Pierre-Joseph Proudhon disse certa vez que os jornais são os cemitérios das ideias. Só que não é de cemitérios que vamos tratar aqui, mas de memória. Mais especificamente, a memória do jornal Correio que sobrevive no único [e talvez] maior acervo histórico do interior do Pará, o da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM). Fundada em 1984, um ano depois do Correio, criado em 1983, a instituição guarda intacta exemplares do jornal desde sua primeira edição – ainda em preto e branco – datada do dia 15 de janeiro de 1983. Logo, quando a presente edição estiver circulando, já terão se passado 35 anos e quinze dias que a tiragem do primeiro exemplar do Correio chegou às bancas.

“Para além da pesquisa acadêmica e da memória que guarda, o Correio é uma legítima testemunha da história nesses 35 anos em que vem registrando os fatos relevantes que se passaram em todos os setores da sociedade, principalmente na política e economia, tanto de Marabá quanto das regiões sul e sudeste do estado”, declara George dos Anjos Ayres, responsável técnico pelo acervo histórico da Casa da Cultura.

De fato, pelas páginas do jornal fervilharam momentos políticos que marcaram a história recente do País, como a campanha das Diretas, entre 1983 e 1984. E, mais recentemente, a campanha do plebiscito que trouxe para o centro do debate geopolítico a possibilidade de redivisão do Pará em três estados: Carajás, Tapajós e Pará remanescente.

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George informa que o Arquivo Histórico de Marabá, batizado de “Manoel Domingues”, nasceu com um acervo de 545 documentos, entre manuscritos e impressos. Atualmente, o acervo conta com 20.264 distribuídos fisicamente em um espaço adequadamente climatizado, onde é preservado embalado.

“Só tiramos das embalagens e gavetas quando alguém procura para fazer consulta”, frisa, lembrando que é obrigatório o uso de luvas e máscaras antes do manuseio por qualquer pessoa. “Temos um cuidado extremo com a preservação de nosso arquivo porque são peças antigas e muito sensível à mãos nuas, por isso temos toda essa cautela”, reitera.

Além de servir de fonte para a pesquisa acadêmica, os exemplares do Correio também são muito procurados por alunos do ensino fundamental e médio das escolas da rede pública de Marabá. “Embora não seja nossa maior demanda, ao longo do ano recebemos a visita de muitos grupos de estudantes de escolas públicas, e numa certa medida, também de colégios particulares. Quase sempre, o jornal é a fonte de pesquisa mais procurada”, afirma George.

Carências

Por enquanto, as visitas ao acervo do arquivo histórico da Casa da Cultura só podem ser feitas pessoalmente, uma vez que a maioria do material disponível está em meio físico. “Só não pode levar [os documentos], a não ser que a pessoa ou instituição queira retirar um determinado volume para digitalizar, desde que compartilhe conosco o material digitalizado”, informa, revelando que o acervo do arquivo ainda não está disponível na internet.

“Este é um sonho que a nova gestão da Casa da Cultura tem como meta. Os recursos para isso são escassos, mas esse certamente é um de nossos maiores objetivos. Mesmo sem internet, caso o usuário queira, podemos enviar uma ou mais cópias digitalizadas do documento requerido por e-mail”, ressalta.

Ainda de acordo com George, parte do acervo do jornal Correio sob a curadoria do acervo já foi digitalizada. “Temos cópias digitalizadas de todas as edições do jornal, de 1983 a 1989, inclusive os primeiros exemplares do Correio. Vale registrar as mudanças em termos de diagramação e impressão pelas quais passou o jornal nesses 35 anos de vida, quando comparamos as edições mais antigas com as novas, como a tecnologia trouxe várias inovações que fazem do jornal, ainda hoje, um dos principais meios de comunicação”, conclui.

Pesquisa acadêmica enriquece visita ao acervo do jornal

Aluna de Ciências Sociais na Unifesspa, Mayara Vieira e um grupo de colegas do mesmo curso, se debruçaram sobre os arquivos do jornal Correio para pesquisar a respeito dos argumentos em defesa do SIM!, cuja bandeira foi hasteada pelos defensores da redivisão do estado e a consequente criação dos estados de Carajás e Tapajós; e do NÃO!, que saíram em defesa de que o Pará permanecesse como estado indivisível e que marcaram a campanha durante o plebiscito, realizado em novembro de 2011.

“Consultando os arquivos do jornal Correio e de outras fontes também. Percebemos que os lados fizeram oposição ferrenha e altamente antagônica um contra o outro. Por ter surgido aqui, é óbvio que o Correio tomou partido em favor da criação do Estado de Carajás. E embora o NÃO! tenha saído vencedor, ficou claro para nós que a consulta plebiscitária uniu ainda mais as duas regiões que pleiteavam a emancipação”, registra.

Também aluno no curso de Ciências Sociais da Unifesspa, Tiago Alan fez pesquisa em vários exemplares do Correio para a elaboração de um artigo acadêmico com um outro colega de faculdade. “Nosso tema trata do discurso da mídia em relação ao derrocamento do Pedral do Lourenço, em Itupiranga, entre os anos de 2012 a 2016. Essa fase de pesquisas nós já encerramos, falta agora entrevistar os moradores da região que serão diretamente impactados pela derrocagem do pedral”, relata.

O acadêmico diz que o trabalho ainda está em andamento, mas que o jornal, como fonte de pesquisa, respondeu a várias indagações sobre as questões políticas e sociais envolvidas na obra, que ainda não tem prazo definido para ocorrer. “Muitas vezes, os interesses políticos se sobrepõem aos interesses sociais. Ou seja, com o discurso de levar o desenvolvimento para determinada região se penaliza a cultura, os costumes e a próprio estilo de vida das populações historicamente marginalizadas”, pontua. 

A tese que virou livro sobre os ciclos de desenvolvimento

As páginas do Correio também serviram de inspiração para duas pesquisas de mestrado e doutorado produzidas para o Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), elaboradas pelo acadêmico José Jonas Almeida. A primeira, de mestrado, foi sobre a criação da Nova Marabá, que envolveu a questão das enchentes e as intervenções promovidas na cidade, na década de 1970, durante o período da ditadura militar.

“Já no trabalho de doutorado, estudamos a atividade da extração da castanha-do-pará no município e na Amazônia. O jornal teve grande importância, pois pudemos encontrar informações referentes às dificuldades no processo de implantação da Nova Marabá. Os problemas advindos da gestão do novo núcleo urbano, uma vez que o mesmo foi entregue à administração da Prefeitura em 1981, pela Sudam, sem estar concluído”, diz José Jonas.

Problemas de asfaltamento, calçamento, coleta de lixo e transporte também puderam ser verificados nas matérias do jornal, acrescenta o ex-acadêmico, hoje doutor. “As reportagens sobre as enchentes da época foram muito úteis e embasaram com propriedade a defesa que fizemos da nova ocupação territorial”, resume.

Em relação à pesquisa sobre a castanha-do-pará, Jonas conta que foram consultadas as matérias relacionados ao desmatamento, queimadas e o corte ilegal das castanheiras. “Sem dúvida, esse material nos ajudou no entendimento das condições que levaram ao declínio na produção da amêndoa, conhecida no mundo inteiro pelo nome de Brazil nut, a partir da década de 1980”, revela.

No tocante a implantação da Nova Marabá, Jonas diz que o foco, já naquela época, foram as enchentes e a percepção dos moradores sobre esse fenômeno, que até hoje continua atormentando a comunidade. “Um dos traços que destacamos, foi o fato dessas mesmas enchentes não serem vistas como empecilho para a ocupação das áreas ribeirinhas, sobretudo o bairro Cabelo Seco, situado na Velha Marabá”, destaca.

A tese de doutorado apresentada por José Jonas foi publicada pela Paco Editorial no ano passado na forma de livro, intitulado ‘A Castanha do Pará na Amazônia: entre o extrativismo e a domesticação’. “A obra está tendo excelente repercussão por tratar-se de um trabalho inédito a respeito do tema”, finaliza. 

(Adilson Poltronieri)

 

O filósofo anarquista Pierre-Joseph Proudhon disse certa vez que os jornais são os cemitérios das ideias. Só que não é de cemitérios que vamos tratar aqui, mas de memória. Mais especificamente, a memória do jornal Correio que sobrevive no único [e talvez] maior acervo histórico do interior do Pará, o da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM). Fundada em 1984, um ano depois do Correio, criado em 1983, a instituição guarda intacta exemplares do jornal desde sua primeira edição – ainda em preto e branco – datada do dia 15 de janeiro de 1983. Logo, quando a presente edição estiver circulando, já terão se passado 35 anos e quinze dias que a tiragem do primeiro exemplar do Correio chegou às bancas.

“Para além da pesquisa acadêmica e da memória que guarda, o Correio é uma legítima testemunha da história nesses 35 anos em que vem registrando os fatos relevantes que se passaram em todos os setores da sociedade, principalmente na política e economia, tanto de Marabá quanto das regiões sul e sudeste do estado”, declara George dos Anjos Ayres, responsável técnico pelo acervo histórico da Casa da Cultura.

De fato, pelas páginas do jornal fervilharam momentos políticos que marcaram a história recente do País, como a campanha das Diretas, entre 1983 e 1984. E, mais recentemente, a campanha do plebiscito que trouxe para o centro do debate geopolítico a possibilidade de redivisão do Pará em três estados: Carajás, Tapajós e Pará remanescente.

George informa que o Arquivo Histórico de Marabá, batizado de “Manoel Domingues”, nasceu com um acervo de 545 documentos, entre manuscritos e impressos. Atualmente, o acervo conta com 20.264 distribuídos fisicamente em um espaço adequadamente climatizado, onde é preservado embalado.

“Só tiramos das embalagens e gavetas quando alguém procura para fazer consulta”, frisa, lembrando que é obrigatório o uso de luvas e máscaras antes do manuseio por qualquer pessoa. “Temos um cuidado extremo com a preservação de nosso arquivo porque são peças antigas e muito sensível à mãos nuas, por isso temos toda essa cautela”, reitera.

Além de servir de fonte para a pesquisa acadêmica, os exemplares do Correio também são muito procurados por alunos do ensino fundamental e médio das escolas da rede pública de Marabá. “Embora não seja nossa maior demanda, ao longo do ano recebemos a visita de muitos grupos de estudantes de escolas públicas, e numa certa medida, também de colégios particulares. Quase sempre, o jornal é a fonte de pesquisa mais procurada”, afirma George.

Carências

Por enquanto, as visitas ao acervo do arquivo histórico da Casa da Cultura só podem ser feitas pessoalmente, uma vez que a maioria do material disponível está em meio físico. “Só não pode levar [os documentos], a não ser que a pessoa ou instituição queira retirar um determinado volume para digitalizar, desde que compartilhe conosco o material digitalizado”, informa, revelando que o acervo do arquivo ainda não está disponível na internet.

“Este é um sonho que a nova gestão da Casa da Cultura tem como meta. Os recursos para isso são escassos, mas esse certamente é um de nossos maiores objetivos. Mesmo sem internet, caso o usuário queira, podemos enviar uma ou mais cópias digitalizadas do documento requerido por e-mail”, ressalta.

Ainda de acordo com George, parte do acervo do jornal Correio sob a curadoria do acervo já foi digitalizada. “Temos cópias digitalizadas de todas as edições do jornal, de 1983 a 1989, inclusive os primeiros exemplares do Correio. Vale registrar as mudanças em termos de diagramação e impressão pelas quais passou o jornal nesses 35 anos de vida, quando comparamos as edições mais antigas com as novas, como a tecnologia trouxe várias inovações que fazem do jornal, ainda hoje, um dos principais meios de comunicação”, conclui.

Pesquisa acadêmica enriquece visita ao acervo do jornal

Aluna de Ciências Sociais na Unifesspa, Mayara Vieira e um grupo de colegas do mesmo curso, se debruçaram sobre os arquivos do jornal Correio para pesquisar a respeito dos argumentos em defesa do SIM!, cuja bandeira foi hasteada pelos defensores da redivisão do estado e a consequente criação dos estados de Carajás e Tapajós; e do NÃO!, que saíram em defesa de que o Pará permanecesse como estado indivisível e que marcaram a campanha durante o plebiscito, realizado em novembro de 2011.

“Consultando os arquivos do jornal Correio e de outras fontes também. Percebemos que os lados fizeram oposição ferrenha e altamente antagônica um contra o outro. Por ter surgido aqui, é óbvio que o Correio tomou partido em favor da criação do Estado de Carajás. E embora o NÃO! tenha saído vencedor, ficou claro para nós que a consulta plebiscitária uniu ainda mais as duas regiões que pleiteavam a emancipação”, registra.

Também aluno no curso de Ciências Sociais da Unifesspa, Tiago Alan fez pesquisa em vários exemplares do Correio para a elaboração de um artigo acadêmico com um outro colega de faculdade. “Nosso tema trata do discurso da mídia em relação ao derrocamento do Pedral do Lourenço, em Itupiranga, entre os anos de 2012 a 2016. Essa fase de pesquisas nós já encerramos, falta agora entrevistar os moradores da região que serão diretamente impactados pela derrocagem do pedral”, relata.

O acadêmico diz que o trabalho ainda está em andamento, mas que o jornal, como fonte de pesquisa, respondeu a várias indagações sobre as questões políticas e sociais envolvidas na obra, que ainda não tem prazo definido para ocorrer. “Muitas vezes, os interesses políticos se sobrepõem aos interesses sociais. Ou seja, com o discurso de levar o desenvolvimento para determinada região se penaliza a cultura, os costumes e a próprio estilo de vida das populações historicamente marginalizadas”, pontua. 

A tese que virou livro sobre os ciclos de desenvolvimento

As páginas do Correio também serviram de inspiração para duas pesquisas de mestrado e doutorado produzidas para o Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), elaboradas pelo acadêmico José Jonas Almeida. A primeira, de mestrado, foi sobre a criação da Nova Marabá, que envolveu a questão das enchentes e as intervenções promovidas na cidade, na década de 1970, durante o período da ditadura militar.

“Já no trabalho de doutorado, estudamos a atividade da extração da castanha-do-pará no município e na Amazônia. O jornal teve grande importância, pois pudemos encontrar informações referentes às dificuldades no processo de implantação da Nova Marabá. Os problemas advindos da gestão do novo núcleo urbano, uma vez que o mesmo foi entregue à administração da Prefeitura em 1981, pela Sudam, sem estar concluído”, diz José Jonas.

Problemas de asfaltamento, calçamento, coleta de lixo e transporte também puderam ser verificados nas matérias do jornal, acrescenta o ex-acadêmico, hoje doutor. “As reportagens sobre as enchentes da época foram muito úteis e embasaram com propriedade a defesa que fizemos da nova ocupação territorial”, resume.

Em relação à pesquisa sobre a castanha-do-pará, Jonas conta que foram consultadas as matérias relacionados ao desmatamento, queimadas e o corte ilegal das castanheiras. “Sem dúvida, esse material nos ajudou no entendimento das condições que levaram ao declínio na produção da amêndoa, conhecida no mundo inteiro pelo nome de Brazil nut, a partir da década de 1980”, revela.

No tocante a implantação da Nova Marabá, Jonas diz que o foco, já naquela época, foram as enchentes e a percepção dos moradores sobre esse fenômeno, que até hoje continua atormentando a comunidade. “Um dos traços que destacamos, foi o fato dessas mesmas enchentes não serem vistas como empecilho para a ocupação das áreas ribeirinhas, sobretudo o bairro Cabelo Seco, situado na Velha Marabá”, destaca.

A tese de doutorado apresentada por José Jonas foi publicada pela Paco Editorial no ano passado na forma de livro, intitulado ‘A Castanha do Pará na Amazônia: entre o extrativismo e a domesticação’. “A obra está tendo excelente repercussão por tratar-se de um trabalho inédito a respeito do tema”, finaliza. 

(Adilson Poltronieri)