Correio de Carajás

Caso Juliana Marins: especialistas listam possíveis erros antes e depois do acidente em vulcão na Indonésia

Montanhista caiu de um penhasco e foi encontrada morta três dias depois. Especialistas apontam falhas na condução, ausência de equipamentos obrigatórios e demora no resgate como fatores críticos.

Foto: Reprodução/ Instagram @ajulianamarins

A morte da brasileira Juliana Marins, de 26 anos, após cair de um penhasco no Monte Rinjani, na Indonésia, provocou comoção e levantou dúvidas sobre as condições de segurança em trilhas internacionais de alto risco.

Juliana desapareceu no sábado (21), após se separar do grupo de cinco turistas que subia a trilha junto. Seu corpo só foi localizado na terça-feira (24), a mais de 600 metros abaixo da trilha.

Especialistas em montanhismo, guias experientes e turistas que já estiveram no local apontam falhas graves que podem ter contribuído para a tragédia. Veja a seguir os principais pontos sob questionamento:

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Falta de exigência de equipamentos de segurança

 

Segundo pessoas que já fizeram a trilha do Monte Rinjani, o local não exige que os turistas levem itens básicos de segurança e proteção, como cobertor térmico, casaco ou luvas.

A triatleta, bióloga e escaladora Isabel Leone, que esteve no Monte Rinjani há dez anos, lembrou que no Brasil, provas em montanhas exigem esse tipo de equipamento.

“Não tem obrigação de equipamentos de emergência. Hoje você faz qualquer prova aqui em Itatiaia, você tem que levar cobertor, casaco, luva, gorro. Lá (na Indonésia) não, eles não exigem nada”, comentou Leone.

 

Juliana Marins, o grupo de turistas e o guia local (no primeiro plano) no início da trilha na Indonésia — Foto: Reprodução redes sociais
Juliana Marins, o grupo de turistas e o guia local (no primeiro plano) no início da trilha na Indonésia — Foto: Reprodução redes sociais

Abandono na trilha

 

Pessoas que estiveram junto a Juliana na trilha contam que ela se sentiu cansada no segundo dia de subida e pediu para descansar.

Contudo, o guia seguiu com os demais e só retornou minutos depois, segundo informações da família da brasileira. Ao Fantástico, o guia Ali Musthofa, de 20 anos, disse que ficou apenas três minutos à frente de Juliana e voltou para procurá-la ao estranhar a demora da brasileira.

Especialistas alertam que em trilhas de alto risco, o grupo deve andar junto o tempo todo, sob supervisão visual direta do guia.

“A atitude do guia de se separar de um ou outro participante está incorreta. Se começaram em grupo, precisam terminar em grupo. Todos precisam manter contato visual e orientação pela pessoa mais experiente do grupo, que no caso era o guia”, explicou a montanhista Aretha Duarte.

Silvio Neto, presidente da Associação Brasileira de Guias de Montanha e montanhista há mais de 25 anos, reforçou a necessidade de acompanhamento constante.

“O ideal é que ela não fique sozinha, sempre amparada. (…) O ideal é sempre manter o grupo junto. Mas a gente sabe que grupos mesmo pequenos são heterogêneos”, comentou Silvio.

Para montanhistas como Aretha Duarte, permitir que a trilheira ficasse sozinha foi uma falha grave. Mesmo com ritmos diferentes, cabe ao guia adaptar a caminhada ao mais lento e garantir a segurança de todos.

“Se não é possível todo mundo manter o ritmo mais forte, todos precisam seguir o ritmo do mais lento para seguirem juntos e em segurança”, completou Duarte.

Falta de preparo de guias

 

Relatos de quem já esteve lá apontam que muitos guias andam descalços, sem proteção térmica adequada, levando pouca água e comida. Essas informações levantam suspeita sobre a qualidade da formação dos guias locais. Segundo especialistas, isso mostra um despreparo estrutural da atividade turística na região.

“A precariedade dos guias lá é grande. Vários andando descalço. (…) Levando peso absurdo, pouca água, pouca comida”, disse Leone.

 

Guias na Indonésia andam descalços, sem proteção térmica adequada, levando pouca água e comida, dizem turistas. — Foto: Reprodução TV Globo
Guias na Indonésia andam descalços, sem proteção térmica adequada, levando pouca água e comida, dizem turistas. — Foto: Reprodução TV Globo

Terreno instável e clima extremo

 

O Monte Rinjani, com 3.721 metros de altitude, é conhecido por seus riscos. Desde 2020, o Parque Nacional do Monte Rinjani registrou 190 acidentes, com 9 mortos e 180 feridos, incluindo 44 estrangeiros.

A trilha para chegar ao topo da montanha passa por áreas íngremes com areia solta, pedras grandes e encostas perigosas. O clima muda rapidamente, com frio intenso, chuvas repentinas e baixa visibilidade.

“É muita chuva, frio intenso e condições bem traumáticas. O clima mudava muito rápido. Chovia, barraca arrastava. Ele cobra bastante de você”, contou Claudio Carneiro, cinegrafista que esteve no Monte Rinjani, para a gravação do Programa Planeta Extremo.

“Senti muito frio, meus dedos quase congelados, duros, e eu comecei a passar mal, aquela poeira, tinha que botar uma canga no nariz. E eu falei que não vou, não quero mais. Vou sentar aqui”, completou Isabel Leone.

 

A equipe do programa Planeta Extremo esteve no Monte Rinjani, com 3.721 metros de altitude. — Foto: Reprodução TV Globo
A equipe do programa Planeta Extremo esteve no Monte Rinjani, com 3.721 metros de altitude. — Foto: Reprodução TV Globo

Ao lembrar da sua experiência no local, Leone avaliou que ela poderia ter tido o mesmo destino de Juliana.

“É um lugar lindo, incrível, por isso atrai tanta gente. Só que esse passeio atrai gente sem experiência, como eu na época. Hoje eu vejo o risco que eu passei. Olho a história dela, me comoveu bastante e vejo o risco que eu passei”, disse.

Resgate lento e desorganizado

 

Embora um drone tenha localizado Juliana ainda no sábado, ela só foi alcançada por socorristas três dias depois. Especialistas apontam que o tempo perdido pode ter sido crucial para sua sobrevivência.

“O tempo realmente pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Se a equipe não tem condição de fazer o resgate imediato, é necessário acionar as autoridades locais, bombeiros, embaixada, seguro de viagem”, comentou Aretha Duarte.

 

Juliana chegou a ficar mais de 24 horas desaparecida no desfiladeiro. As buscas só foram concluídas no 4º dia de operação.

Equipe de resgate se prepara para continuar as buscas da brasileira — Foto: Reprodução TV Globo
Equipe de resgate se prepara para continuar as buscas da brasileira — Foto: Reprodução TV Globo

Segundo relatos, um dos principais problemas enfrentados pelas equipes de resgate no primeiro dia de busca foi a falta de cordas com comprimento suficiente para alcançar o local onde ela estava.

Nesse momento, Juliana estava a cerca de 300 metros da trilha e a corda que a equipe levou para o local tinha metade desse tamanho.

A falha de planejamento se agrava por conta da distância entre o ponto do resgate e a base da montanha, que era percorrida em cerca de 6 horas.

Informações desencontradas

 

Outro problema grave foi a confusão na divulgação de informações, o que deixava os familiares de Juliana mais desesperados.

Inicialmente, foi divulgado que Juliana havia recebido água e comida, mas a família e o embaixador brasileiro desmentiram a informação no dia seguinte. A comunicação foi considerada confusa e pouco transparente por todos que acompanhavam à distância.

Uso tardio e limitado de tecnologia

 

Drones foram usados, inclusive com câmera térmica, mas a operação não conseguiu localizá-la com precisão a tempo.

Muitas pessoas no Brasil questionaram nas redes sociais a falta de efetividade no uso da tecnologia. A situação levanta dúvidas sobre o preparo técnico das equipes locais de resgate.

Responsabilidade da agência contratada

 

Especialistas lembram que a empresa contratada por Juliana tinha responsabilidade civil sobre o acidente e deveria ter tomado providências rápidas, inclusive com suporte emergencial e acionamento de autoridades.

“Existe uma responsabilidade civil inerente à atividade. Era importante que a agência tivesse a responsabilidade pelas demandas referentes ao acidente, imediatamente, o quanto antes”, analisou Aretha.

 

“Ela contratou uma agência e um guia, ela estava com certeza considerando receber orientações e uma rede de apoio de pessoas experimentadas, suficientemente certificadas para que pudessem ofertar segurança”, comentou a montanhista profissional.

Equipes de resgate correm contra o tempo para resgatar a publicitária brasileira Juliana Marins, de 26 anos, que se acidentou durante uma trilha no monte Rinjani, na Indonésia — Foto: Arquivo pessoal
Equipes de resgate correm contra o tempo para resgatar a publicitária brasileira Juliana Marins, de 26 anos, que se acidentou durante uma trilha no monte Rinjani, na Indonésia — Foto: Arquivo pessoal

Obstáculos diplomáticos e logísticos

 

O pai de Juliana tentou viajar à Indonésia para acompanhar as buscas, mas enfrentou atrasos devido ao fechamento do espaço aéreo no Catar, por conta do conflito entre Israel, EUA e Irã.

O governo brasileiro prestou apoio, mas a distância dificultou a articulação rápida das ações para acelerar o resgate.

(Fonte:G1)