O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Karam El Hajjar, encaminhou ofício ao promotor Samuel Furtado Sobral no início desta semana informando acerca de deliberação favorável da entidade à abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em desfavor de duas conselheiras tutelares de Marabá: Maria Cirlene Sousa Nascimento e Andreza Lobato Carvalho.
O procedimento investiga se as duas negligenciaram funções e se isso pode ter resultado em adoção irregular de uma criança que nasceu em Marabá e acabou nas mãos de um casal residente em Volta Redonda, no Rio de Janeiro.
O PAD foi aberto após ser concluído Processo Administrativo Disciplinar de Sindicância, instaurado em fevereiro deste ano, em desfavor apenas da conselheira tutelar Maria Cirlene, a pedido do próprio Ministério Público do Estado do Pará após este receber informações sobre a entrega irregular da criança ao casal.
Leia mais:Conforme consta na sindicância, a entrega teria sido feita por uma avó do bebê, sem qualquer autorização judicial ou dos pais biológicos. Como não houve acompanhamento judicial da adoção, a entrega da criança foi feita sem ser observado o cadastro de adotantes da comarca de origem, no caso Marabá, e sem acompanhamento e preparação gradativa pela equipe interdisciplinar da Vara da Infância e Juventude, o que é obrigatório conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Durante o processo de sindicância, a comissão especial analisou provas colhidas nos autos de um processo que corre junto à 4ª Vara Cível e Empresarial, em segredo de justiça por se tratar de menor de 18 anos, além de oitivas de testemunhas.
Conforme os autos, em 17 de fevereiro de 2018 a mãe deu entrada no Hospital Materno Infantil, às 21h15, acompanhada pelo esposo e por outra mulher, identificada como Catia Rates do Nascimento. A mãe estava em trabalho de parto, mas no momento de ser feita a ficha na recepção não foi apresentada a documentação dela e sim o cartão SUS e o título de eleitor de Catia Rates.
Naquele momento, a recepcionista detectou falsidade ideológica e acionou Polícia Civil e Conselho Tutelar para acompanhar o caso e identificar quais as medidas de proteção poderiam ser aplicadas, pois já havia a suspeita de que estivessem tentando atribuir histórico falso à criança.
O primeiro atendimento foi feito por Andreza Lobato e depois repassado à Maria Cirlene. Após isso, o Conselho Tutelar verificou que os pais possivelmente estariam ameaçando o direito da criança, uma vez que constava nos arquivos do órgão atendimentos anteriores, com denúncias similares, sem que houvesse se concretizado adoção irregular e/ou vendas de outros filhos.
Familiares relataram que os pais eram usuários de drogas e moradores de rua. A conselheira Maria Cirlene relatou ter visitado a família três vezes, acompanhada por Andreza lobato, mas segundo o relatório, não ficou comprovado no processo o acompanhamento ou aconselhamento dos genitores e não foram apresentados até o momento relatórios destes atendimentos, tampouco atas de reunião do colegiado tratando desta pauta.
Nas visitas à familiares, o Conselho Tutelar descobriu que anteriormente outra criança do casal motivou denúncia ao Conselho Tutelar por abandono de incapaz, sendo que à época a genitora chegou a ser detida pela polícia e a criança passou para a guardar de familiares. Outra filha do casal também estava sendo criada por uma tia avó.
A defesa alegou que o Conselho Tutelar não tem atribuição para promover o afastamento de crianças ou adolescentes do convívio familiar e que tal medida, conforme o ECA, é de competência exclusiva da autoridade judiciária, dependendo de pedido do Ministério Público ou de quem tem legítimo interesse. “Assim sendo, o Conselho Tutelar entende que na época da realização do atendimento solicitou à autoridade judiciária o afastamento do convívio familiar para que a criança fosse entregue aos cuidados da tia avó”.
ENTENDIMENTO
A comissão especial alega ter identificado, neste caso, inobservância ao princípio do colegiado, sendo que medidas só podem ser aplicadas com deliberações colegiadas, além de não comprovação de que foram efetivados encaminhamentos previstos em lei e não encaminhamento da família para programas de atendimento de auxílio para oportunizar planejamento familiar.
“Considerando que o Conselho Tutelar tinha ciência que o casal era usuário de droga ilícita, não comprovou encaminhamento para programa de atendimento de tratamento de alcoólatras e toxicômanos”, diz o relatório.
A comissão considerou, ainda, não ter tido tempo hábil para localizar Catia Rates do Nascimento para esclarecer algumas indagações acerca da real intenção com a criança já no dia do parto, além de dirimir suspeitas sobre existência de uma possível quadrilha envolvida com tráfico de crianças. Ao fim da análise, os membros opinaram pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar tanto em desfavor da primeira conselheira apontada, Maria Cirlene, como também pela inclusão do nome da conselheira Andreza Lobato Carvalho.
Conselheiras tutelares se posicionam sobre o caso
Na tarde desta sexta-feira (14) as duas conselheiras conversaram com a equipe do Portal Correio e detalharam como ocorreu o atendimento à criança desde o dia em que o Conselho Tutelar foi acionado, ainda no HMI.
Conforme elas, após o atendimento, em 72 horas foram feitas todas as notificações obrigatórias neste caso, inclusive da Vara da Infância e Juventude, além de ser identificada uma tia da criança que teria interesse na guarda da menina.
“O Conselho tutelar fez o atendimento da mãe, procurou-se a família extensa e encontrou-se uma tia, a única que vive em Marabá. Entre o atendimento no HMI, notificações que foram feitas ao genitor e a essa tia, que demonstrou desde início interesse pela recém-nascida, e o Juizado da Infância e Juventude ser acionado foram 72 horas e toda a rede passou a ter conhecimento do caso”, afirmou Maria.
Ela acrescenta que todo o procedimento está documentado. “Está tudo documentado, desde o primeiro atendimento, as visitas domiciliares, notificações, providência da certidão de nascimento no nome dos genitores e o juizado acionado”.
A criança, explica, deixou o hospital com a mãe e o Conselho Tutelar chegou a realizar visitas na casa da família para acompanhar a criança e averiguou-se que tudo estava bem. Após isso, ressaltam, passaram-se meses aguardando a decisão judicial sobre se a criança deveria ir para a tia ou permanecer com a genitora, mas neste intervalo, de alguma forma a avó do bebê veio de Anápolis, no Goiás, para Marabá e retornou levando a criança. Após isso, acabou repassando a menina para o casal do Rio de Janeiro, que tentou regularizar a adoção naquele estado.
O Poder Judiciário o Rio de Janeiro, entretanto, estranhou a situação e solicitou aos órgãos competentes que investigassem a procedência da criança. Apenas a partir disso, o Conselho Tutelar da Nova Marabá soube que a menor não estava mais na cidade e com a mãe. “A partir disso foi acionada a rede para realização das visitas, saber as condições financeiras e psicológicas da tia, foi tudo favorável e a criança retornou do Rio de Janeiro, houve audiência e a tia ganhou a guarda desta criança”.
Para elas, o interesse do Ministério Público em provocar o CMDCA a abrir sindicância se deu para esclarecer os fatos, como a criança saiu de Marabá, sendo acompanhada pela rede, e acabou em Volta Redonda. “Todo mundo foi pego de surpresa, inclusive o próprio Conselho Tutelar. Só soubemos quando a promotoria de Marabá protocolou documento aqui solicitando diligências na casa da tia para saber se ela ainda tinha interesse”, finalizou Maria. (Luciana Marschall)