Correio de Carajás

Carta aberta às (minhas) crianças da Folha 33

Jornalista do Correio escreve carta-crônica de Ano Novo

Convocamos, para este especial de Ano Novo, alguns membros de nosso time de jornalistas para nos ajudar a olhar o mundo com outros olhos. Que nos contassem de coisas que vimos, ouvimos e sentimos, dos temas espinhosos que estiveram em reportagens e manchetes, mas agora estão sendo mostrados por outro olhar, escritos por outras vivências. Com sua literatura, com o seu modo de contar uma história, com seu jeito de escrever. Cartas com palavras para desatar não só um nó, mas vários atados durante este ano.

Foi a maneira que encontramos para que, nesta nova promessa de ciclo novo, todos nós pudéssemos nos transformar e encontrar uma certa “cura” pela palavra.

No princípio de todas as coisas, a palavra.

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O poder das palavras não está nelas mesmas, como dizia Rubem Braga, mas no jeito como as lemos. Pois também desejamos que assim seja feita esta sua leitura. Que esta carta chegue até você para ser lida de corpo inteiro. Mesmo que esteja longe de Marabá.

 

Carta Ana Mangas

 

Meus meninos, conhecer e conviver com vocês mudou a minha vida para sempre. Meu olhar ficou mais atento, meu coração se expandiu, meu abraço se tornou mais acolhedor e o meu amor transbordou numa imensidão do infinito.

Pode parecer clichê, mas o meu trabalho com vocês foi muito além de simplesmente ser uma evangelizadora infantil do Centro Espírita Casa do Caminho. Foi mais que trabalho. Percebi que precisava ter essa responsabilidade social, amor ao próximo e cuidado com vocês. Precisei olhar por cima do muro e ver o que estava do lado de fora da minha casa.

Certamente vocês não lerão essa carta. Aliás, alguns de vocês, mesmo já tendo a faixa etária de 13, 14 anos, nem aprenderam a ler ainda.

Eu falo de vocês com brilhos nos olhos. Gostaria que todos os meus amigos conhecessem cada um. E não é porque vocês são carinhosos e educados. Muito pelo contrário. Porque são o reflexo da nossa sociedade e da triste realidade do Brasil.

Vocês, apesar da doçura no olhar, ainda têm dificuldade em receber carinho. Eu entendo. A agressividade, violência e o medo andam de mãos dadas com vocês. É a realidade.

E vocês sabem, mais do que eu, o tamanho da desigualdade, injustiça e escassez que enfrentam diariamente.

Ah, meus meninos, como vocês me ensinaram sobre a vida. Na verdade, nunca parei de aprender nessa convivência. Tolice minha achar que eu era superior e que o papel de ensinar era meu. Vocês me ensinam desde o primeiro dia que nos vimos.

A verdade é que todo mundo deveria conhecer você Adriano, ou você Carlos, e vocês, Bruno e Marcelo.

Torço para que vocês se tornem homens de bem. Torço para que os 30 minutos que passamos juntos todos os sábados consigam fazer a diferença nas outras 23 horas e 30 minutos de seus dias. Torço para que coloquem em prática os ensinamentos de Jesus Cristo que a tia tanto fala na Casa do Caminho. Torço para que sejam menos violentos e agressivos. Torço para que possam ter o que comer todos os dias e nunca mais reclamar de fome. Torço para que as pessoas parem de ter medo de vocês.

Torço para que as pessoas melhorem, e assim, consequentemente, o mundo de vocês vai ser tornar melhor.

Aliás, esse é o meu maior desejo: um mundo melhor pra vocês, meus meninos. Queria ter a magia de poder realizar todos os sonhos de vocês – e nem estou falando de sonho material.

No fundo, eu sei que muitos só querem atenção e afeto.

A tia Ana vai continuar falando de vocês por onde for. Vou continuar pedindo para que os meus amigos me ajudem no Dia das Crianças com uma bola, um caderno ou um boné, pra presentear vocês. E mais que isso, a tia Ana vai insistir para que todos conhecem vocês, sabem por quê? Porque vocês são capazes de mudar um coração e transformar o mundo.

Com carinho,

Ana Mangas