Correio de Carajás

“Cada pedrinha que coloco no manto é como uma oração”, diz Francisco Taveira

Francisco Taveira é o criador e guardião do manto que reveste Nossa Senhora de Nazaré. De suas mãos saem os mais valiosos mantos que emocionam o povo católico

O artesão mostra um dos mantos que o tocou profundamente ao produzi-lo

O momento mais esperado pelos fiéis e romeiros se aproxima: o Círio de Marabá, que chega à sua 44ª versão. É impossível falar dessa celebração sem lembrar da figura de Nossa Senhora de Nazaré, a homenageada e venerada do dia.

Sendo uma das peças mais simbólicas da devoção mariana, o manto carrega a profundidade da fé católica e o vínculo sagrado entre os devotos e a padroeira do Pará. Anualmente, a santa recebe um novo manto, cuidadosamente confeccionado, que embeleza a imagem e simboliza as preces e graças dos fiéis.

O Correio de Carajás conversou com Francisco Taveira, marabaense de 34 anos, que dá vida aos mantos usados pela ‘Senhora da Amazônia’ no Círio de Marabá. Desde 2013, ele vive uma missão que virou devoção.

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MUITO ALÉM DE UM BORDADO

Devoto de Nossa Senhora e marabaense, o artesão se dedica com amor à criação dos mantos, uma tarefa que abraçou de coração e que, ano após ano, toca profundamente sua vida e a de milhares de fiéis.

Taveira conta que sua jornada com os mantos começou de forma simples, confeccionando-os para peregrinações locais. Aos poucos, seu talento foi reconhecido, e em 2013, a diretoria do Círio o convidou a criar o manto oficial da procissão. “Foi uma emoção imensa e um grande desafio. Já fazia os mantos para as comunidades, mas criar o manto do Círio era algo muito maior. Não sabia se conseguiria, mas com fé e paciência, tudo se encaixou”, relembra ele, com brilho nos olhos, revelando que a confecção do manto é um processo longo e delicado.

Cada criação tem início ao começar o ano, após a escolha do tema, que faz referência à Campanha da Fraternidade. A partir disso, Francisco se aprofunda em pesquisas, estudando passagens bíblicas e símbolos para traduzir o tema em uma peça que inspire devoção. “Criar o manto vai além do desenho. Ele precisa transmitir a mensagem do Círio, e cada detalhe deve tocar as pessoas. Eu começo com rabiscos e, aos poucos, o manto ganha forma”, explica.

 

Os mantos vestidos por Nossa Senhora levam a história de cada Círio e as preces dos devotos

Por quatro meses, Francisco trabalha incansavelmente, especialmente durante as noites, quando a calma o conecta ainda mais com a fé. O processo envolve bordados minuciosos, pedras, lantejoulas e cristais, tudo feito à mão com amor e devoção. “Cada pedrinha que coloco é como uma oração. O trabalho é delicado e profundamente espiritual. Às vezes, enquanto bordo, coloco um canto de Nossa Senhora no celular, e parece que o manto ganha vida nas minhas mãos”, revela Taveira.

Quando o manto está pronto, Taveira descreve a apresentação como um momento mágico: “ver o manto na procissão, as pessoas tocando com devoção, emocionadas, é uma sensação indescritível. Nesse instante, todo o trabalho vale a pena. Cada apresentação é como se fosse a primeira”, diz.

UMA MEMÓRIA ESPECIAL

Entre os muitos mantos que confeccionou, Taveira guarda uma memória especial de um deles. “O manto de 2018, com o tema ‘Maria, Mãe Educadora do Amor’, era revestido de cristais transparentes e rendas delicadas. A imagem de Nossa Senhora amamentando o menino Jesus no centro do manto tocou profundamente a todos, inclusive a mim. Foi um momento de fé muito intenso”, recorda ele com carinho.

Para o Círio de 2024, Taveira revela uma surpresa: o manto deste ano traz uma cor alegre, que simboliza a fraternidade e a amizade, como pede o tema.

“É um trabalho que carrega muita emoção, e espero que toque o coração de todos, assim como tem tocado o meu durante sua confecção”, diz ele.

Francisco Taveira: “Cada pedrinha que coloco no manto é como uma oração”

A apresentação do manto está marcada para este sábado, dia 19, na Catedral da Marabá Pioneira, e Francisco estará lá, com o coração cheio de gratidão, pronto para entregar à cidade mais um símbolo de fé e esperança.

HISTÓRIA DO MANTO

A peça tem um significado que vai além da estética. Para os católicos, a beleza do manto representa a proteção e o acolhimento de Maria, mãe de Jesus, que envolve seus filhos em momentos de aflição e gratidão. Cada detalhe é pensado para traduzir o amor e o respeito à Nossa Senhora de Nazaré. Das cores aos bordados, tudo é feito para honrar a figura materna daquela que é considerada uma intercessora pelos católicos.

O ato de revestir a imagem da Virgem carrega profunda espiritualidade. Por meio desse gesto, os devotos reafirmam sua fé e renovam a esperança. Durante o Círio, o manto e a imagem peregrina se tornam o centro das atenções.

LEGIÃO DE MARIA

A relação entre os católicos e Nossa Senhora de Nazaré é marcada por inúmeras demonstrações de amor. Muitos devotos testemunham a intercessão da santa em momentos decisivos, como a cura de doenças, proteção em perigos e bênçãos familiares. Essa conexão se fortalece nas celebrações do Círio, em Marabá realizado no 3º domingo de outubro, quando a imagem, resplandecendo em seu manto, brilha entre a legião de devotos.

O MANTO E A BÍBLIA

Na Bíblia, os termos “manto”, “mantos” e “capa” aparecem cerca de cem vezes, segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em Gênesis, capítulo 9, versículos 20 a 23, o manto serve para cobrir a nudez e representa algo essencial para a proteção e preservação individual. Em João, capítulo 13, versículo 4, “Jesus tirou o manto e se pôs a servir aos seus discípulos”, simbolizando humildade e despojamento do orgulho.

As citações bíblicas elevam o manto como símbolo de virtude, valores, obediência e nobreza, engrandecendo a figura de Nossa Senhora como mulher pura e sem pecados.

(Milla Andrade)