O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral admitiu hoje (26), pela primeira vez oficialmente, o recebimento de propina ao longo de sua carreira política. Ele prestou depoimento nesta terça-feira perante o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal.
Perguntado por Bretas por que havia mudado de idéia, Cabral respondeu que a decisão foi fruto de reflexões feitas durante todo o tempo em que está preso. “Dois anos e três meses preso, conversando comigo e [com] minha consciência, tudo o que minha família tem passado. Em nome da minha família e da história, resolvi falar a verdade.”
Em seguida, Bretas perguntou sobre a Operação Fatura Exposta, que investigou o pagamento de propinas na área da saúde, incluindo o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na época dirigido pelo médico Sergio Côrtes, que foi secretário estadual de Saúde de 2007 a 2013, no governo de Cabral.
“Sérgio Côrtes [eu] conheci em 2004 no Senado. Em 2006, Côrtes era coordenador do Into. Antes de assumir, eu fiz a primeira ação grave para um chefe de Estado. Apresentei o [empresário] Arthur Soares. Ele havia me ajudado em campanhas em caixa 2. Eu disse ao Côrtes que íamos combinar uma propina: ‘3% para mim e 2% para você’. O Côrtes se sentiu muito à vontade para me introduzir [apresentar] o Miguel Iskin [empresário da área de equipamentos médicos, também condenado por corrupção].”
Grupo político
O juiz Marcelo Bretas pediu a Cabral que detalhasse como funcionava o grupo político em sua administração, e o ex- governador respondeu: “Tinha o Regis Fichtner, que cuidava da parte técnica. Ele é um homem rico hoje. O Carlos Miranda tinha uma promessa de eu dar US$ 7 milhões. O Fichtner era responsável pelo arcabouço jurídico. Recebia propinas, assim como o Côrtes.”
Ele citou ainda o então vice-governador e secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão, entre os que recebiam propinas.”Para o Pezão, eram cerca de R$ 150 mil por mês. O Eduardo Paes, como meu secretário de Esportes, jamais recebeu benefícios. Mas recebeu doações do Iskin e do Arthur Soares para sua campanha [à prefeitura do Rio de Janeiro].”
Segundo Cabral, a campanha de Pezão ao governo do estado custou R$ 400 milhões. Ao ser lembrado por Bretas de que, anteriormente, tinha negado esses fatos, Cabral declarou que havia faltado com a verdade: “Eu peço desculpas, porque eu menti.”
De acordo com Cabral, quase todos empresários que fazem doações eleitorais esperam receber algo em troca no futuro. “Raríssimos os empresários que deram dinheiro em campanhas eleitoral que não esperavam resultados. Todos esperam um retorno. É uma espécie de toma lá dá cá. Você me ajudou, e eu vou ajudá-lo”, explicou.
Caixa 2
Questionado por Bretas por que ele sempre havia dito que o dinheiro de propina era caixa 2, Cabral respondeu que era difícil admitir, dizer que havia roubado. “Dói muito. Hoje não me dói mais. A alguém que tem uma carreira política reconhecida pela população, dói muito [chegar aqui e dizer que roubou].”
Sobre a participação de sua esposa, a advogada Adriana Ancelmo, no esquema de pagamento de propina, o ex-governador negou: “Adriana tinha o escritório dela, e eu contaminei o escritório dela. Enganei minha esposa. E a prejudiquei.”
A mudança de postura de Cabral reflete a troca dos responsáveis por sua defesa, que era feita pelo advogado Rodrigo Roca, substituído recentemente por Marcio Delambert, com objetivo de diminuir o total das penas impostas a ele, que já chega a 200 anos de prisão.
Defesa de Côrtes
O advogado Gustavo Teixeira, que defende o ex-secretário Sérgio Côrtes, e seu cliente assistiram ao depoimento de Cabral. Ele disse que o depoimento do ex-governador nada acrescentou ao que Côrtes já havia admitido em juizo. Segundo o advogado, Côrtes já havia confessadoo o recebimento de propina, tendo inclusive feito a devolução de R$ 15 milhões à Justiça.
A reportagem ainda não conseguiu contato com a defesa dos demais citados por Cabral. (Agência Brasil)