Correio de Carajás

Brega paraense é reconhecido como patrimônio cultural e imaterial

Ritmo é sustento e inspiração para muitos paraenses, que veem reconhecimento como solidificação do trabalho. Lei sanciona reconhecimento no estado no Pará.

No Pará, um sinal incontestável de que uma música se tornou sucesso é quando ela ‘vira brega’. O ritmo foi destaque na abertura das Olimpíadas no Brasil e é referência da cultura e identidade paraense. Nascido nas periferias, o estilo brega carrega nas vertentes uma estética repleta de cores e sons vibrantes. Agora, ele é também reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do Pará e artistas consideram a conquista como a realização de um sonho coletivo.

O ‘ritmo brega’ foi declarado como Patrimônio Cultural e Imaterial do estado em projeto de lei, que será sancionado nesta quarta-feira (15) pelo governo estadual, em Belém. O ato que marca a sanção da lei reúne artistas que são parte da história e do cenário musical do brega no Pará, a partir das 18h, no Teatro Estação Gasômetro. A entrada é gratuita.

O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade no último dia 24 de agosto na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Segundo a autora, a deputada Ana Cunha (PSDB), a iniciativa visa não só reconhecer o ritmo em si, mas valorizar a cadeia cultural que envolve compositores, músicos, cantores, guitarristas e outros artistas que fazem do brega um instrumento para viver.

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Artistas comemoram reconhecimento

 

Para os artistas do estilo, além de realizar o sonho de que o estilo seja cada vez mais reconhecido como vertente solidificada na música brasileira, a lei sancionada solidifica o trabalho de gerações de músicos paraenses. Alguns deles falaram ao G1sobre o brega e da importância do reconhecimento para a música brasileira:

Parte de um momento muito importante para a cultura paraense, que foi participar, junto com a Gang do Eletro, da abertura das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, Keila Gentil vê que a lei de reconhecimento como patrimônio é uma grande vitória para os artistas que vivem do brega.

Levando a cultura do brega para além das fronteiras brasileiras, uma vez que o mundo inteiro estava olhando para o Brasil naquele momento.

“A gente fica muito realizado porque hoje não somos mais subjugados, colocados como sub-cultura, hoje nós somos cultura e reconhecidos por lei. Reconhecimento é o que sinto agora”, afirma Keila.

 

Para a cantora que contribuiu para popularizar no Pará o “treme”, movimento de tremer os ombros conforme a velocidade do tecnobrega, o título é fruto do trabalho de gerações.

‘Sonho que se sonha junto é realidade’

O reconhecimento do ritmo brega se traduz também em valorização para quem é parte da história e da estética brega paraense. O cantor Wanderley Andrade, que já atua há mais de 30 anos no mercado, afirma que atualmente vê o brega ocupando espaços nunca vistos antes.

“Hoje faço show em 17 países e fico emocionado em ver as pessoas cantando as minhas canções, no ritmo frenético do brega paraense. Sou privilegiado em fazer parte desse hall”, declara o cantor.

 

Para Wanderley, o reconhecimento do ritmo como patrimônio cultural e imaterial do Pará veio em um momento oportuno:

“Um sonho que se sonha junto é realidade”, diz o cantor.

 

‘Já era reconhecido pelo povo de fato e agora, é de direito’

Outro artista parte desse movimento cultural é o cantor e compositor Edilson Moreno. Com 24 anos de grandes sucessos, Edilson dedica o reconhecimento ao público.

“O brega não tem dono, era um tipo um patinho feio e o povo deu riqueza ao brega”, comenta Edilson.

 

O berço de Edilson foi na Música Popular Brasileira (MPB), mas ele se encantou, na década de 90, pela dança e passou a compor bregas. Após todos esses anos em cima dos palcos, ele acredita que a lei é a oficializa que o brega é paraense.

“O brega é patrimônio nosso, é aqui onde se faz brega. Não tem ninguém no planeta terra que dance brega, que toque brega como aqui, e o povo encanta, e tudo isso faz parte de gerações, marcando época, então é mais do que justo o reconhecimento. Ele já era reconhecido pelo povo de fato e agora, é de direito”, declara Moreno.

A cantora Manu Bahtidão, que há cerca de 15 anos incorporou o brega ao repertório, diz que o ritmo foi o grande responsável pela acolhida dela no Pará. Natural de Alagoas, a cantora conta que chegou em Belém e se encantou com o brega paraense, que é hoje um dos pilares da carreira da artista dentro e fora do estado.

“Eu fui abraçada pelo ritmo, pela cultura. O brega me fez crescer profissionalmente e me deu também o sustento da minha família. Lá fora sou conhecida como ‘a menina do batidão’, a menina que canta brega do Pará “, declarou a artista ao lembrar da relação com o ritmo.

Inspiração nas artes visuais

 

Obra 'Brega Story' explora, de forma fictícia, os bastidores do universo do brega de Belém do Pará. — Foto: Divulgação
Obra ‘Brega Story’ explora, de forma fictícia, os bastidores do universo do brega de Belém do Pará. — Foto: Divulgação

Por fazer parte do cenário urbano e das vivências cotidianas de quem mora no Pará, o brega é naturalmente fonte de inspiração para quem produz conteúdo na região. É o caso do quadrinista Gidalti Júnior, que nasceu em Minas Gerais, mas foi criado em Belém do Pará e tem a cultura nortista como fonte de inspiração e criatividade.

Gidalti, que foi vencedor do Prêmio Jabuti em 2017, lança nesta quarta-feira (15) a novela gráfica “Brega Story”, ambientada em Belém e criada a partir do conceito e da estética do brega.

O quadrinho conta uma história ambientada nos bastidores do universo do brega de Belém do Pará. O artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega, que é considerado um dos gêneros musicais mais expressivos do Brasil.

Para produzir ‘Brega Story’, Gidalti fez uma pesquisa gráfico-musical. O artista explora na história o contraste entre as manifestações culturais periféricas e o ‘mainstream’, ou seja, entre o erudito e o popular. O livro tem 320 páginas e é parcialmente colorido em aquarela.

“O brega tem toda uma questão de visualidade, do potencial gráfico que esse universo me permite explorar como artista. Então a combinação de cores, as luzes, os contrastes, as formas, todo esse universo que o brega nos apresenta no aspecto visual, é muito interessante”, explica Gidalti.

 

O artista afirma ter compromisso em trabalhar as questões do norte. Para ele, o mundo precisa conhecer a Amazônia para além dos estigmas sobre a região, ele pretende propagar a identidade da ‘Amazônia Metropolitana’, que pulsa essa dinâmica plural e frenética também presente no brega.

“É a realidade que eu conheço, é o mundo que me formou como pessoa, como autor, então eu sempre tento vincular a minha produção criativa, que é esse contexto de Belém, da Amazônia, ao de uma Amazônia metropolitana. Tento criar um registro iconográfico, um registro conceitual de toda essa estética brega”, afirma o artista.

 

História do brega

 

Artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega. — Foto: Divulgação
Artista buscou reproduzir a explosão de som, luzes e cores da estética do brega. — Foto: Divulgação

O Brega, em sua origem, é a designação para algo cafona e de “mau gosto”, e a música brega tinha esta conotação pela grande crítica especializada e por alguns artistas também. De cunho popular, as letras falavam de amor, de narrativas do cotidiano.

O guitarrista, compositor e pesquisador musical, Eduardo Barbosa, diz que fora do Pará, os cantores de bolero que faziam um contraponto à Bossa Nova, no final dos anos 50, eram os considerados bregas.

“Brega é a música da periferia, de excluídos, de artistas incríveis que por muitos anos foram tratados como nada só por cantarem brega”, diz.

 

Já no final dos anos 60, após o declínio da Jovem Guarda em 68, até meados dos anos 70, os artistas que insistiram no formato popularizado por Roberto Carlos – que agora ia em busca da “música romântica” – foram os “bregas” da vez.

O historiador José Leandro Nunes, nascido e criado na periferia de Belém, partiu de suas vivências e hoje pesquisa sobre o brega paraense e suas vertentes. Ele explica que o movimento brega aqui no Pará iniciou na década de 1980.

Aparelhagens contribuíram para difusão do brega no Pará. — Foto: Divulgação/ Marcelo Araújo
Aparelhagens contribuíram para difusão do brega no Pará. — Foto: Divulgação/ Marcelo Araújo

Os primeiros passos do brega no Pará foram dados por artistas como Teddy Max, Mauro Cotta, Juca Medalha, Frankito Lopes e Luiz Guilherme, explica o historiador. Hoje, a música produzida nessa época é uma das vertentes do brega, conhecida como ‘flashbrega’.

O brega paraense ganhou força e teve como influência ritmos caribenhos como cumbia, zouk e merengue. Ritmos locais como guitarrada e lambada também foram referências, e começou-se a ver o brega para além do termo pejorativo.

Leandro explica que as vertentes mais recentes do ritmo, como o tecnobrega, incorporaram elementos da música eletrônica como ‘eurodance’ e ‘house’, com uso de bases programadas e instrumentos virtuais e ‘não-orgânicos’, que são instrumentos feitos a partir de um computador.

Com isso, as “guitarradas”, segundo o pesquisador musical Eduardo Barbosa, passaram a ser mais presentes nos solos do brega, com “maior protagonismo”.

“Se torna eletrônico e sintético e já nos anos 2000, o tecnobrega explode e vai influenciar uma gama de artistas em diversos estados, principalmente no Nordeste, tal qual fez o boom do brega calypso no mesmo período”, complementa Barbosa.

 

O historiador explica que o brega ganhou força no Pará por meio das aparelhagens, responsáveis por movimentar o circuito bregueiro no estado. O ritmo também foi difundido quando passou a ser tocado em rádios, bares e também nas casas da periferia da cidade e com grande força nos interiores do paraenses.

Para Leandro, que nasceu e cresceu na periferia de Belém, o brega invadiu as casas e as festas da cidade de tal forma que se tornou parte da paisagem musical e do contexto urbano da capital.

“Culturalmente o brega se espalhou de forma natural e orgânica e hoje faz parte do cotidiano cultural de grande parte do povo paraense”, declara o historiador.

(Fonte: G1)