Correio de Carajás

Brasil pode ser condenado por morte em Marabá

Crime ocorreu há 40 anos e julgamento será na próxima semana na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Nos dias 22 e 23 de março de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), irá julgar o estado brasileiro por morosidade e impunidade na sentença dada há 21 anos referente ao assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta, morto com três tiros nas costas no dia 18 de julho de 1982, em Marabá, no sudeste do Pará.

Gabriel era defensor dos direitos dos trabalhadores rurais e humanos e, conforme o advogado Rafael Pimenta, irmão da vítima, a importância desse julgamento é a corte examinar pela primeira vez a possibilidade de condenação do estado brasileiro por não garantir a segurança e a vida de um advogado, defensor dos direitos humanos, que o procurou para dizer que estava sendo ameaçado de morte há 1 ano.

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que serão ouvidos, na audiência, vítimas, testemunhas, peritos e a defesa. A AGU também apresenta as alegações na corte, por intermédio do Departamento de Assuntos Internacionais e com participação de representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

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Segundo o irmão de Gabriel, a morosidade de 21 anos para a Justiça sentenciar o caso “é uma atitude intencional de fazer que o processo nunca chegasse ao final”. No ano do crime, diz, a voz do latifúndio era forte e violenta. “Mas hoje vivemos em um estado democrático. O mandante do crime que matou meu irmão se escondeu em uma fazenda na Bahia e nunca apareceu no processo, ou seja, o processo terminou sem uma punição dos culpados”, analisou.

Rafael afirma que a família deseja medidas de reparação e de não repetição, como, por exemplo, que escolas de Juiz de Fora, onde ele era nascido, e de Marabá, onde foi morto, sejam batizadas com o nome de Gabriel Sales Pimenta; que uma escola que leva o nome do mandante do crime seja trocada pelo nome de Gabriel; e a criação de legislação específica para a proteção dos defensores dos direitos humanos.

Gabriel Sales Pimenta foi assassinado por atuar no contexto do “Polígono dos Castanhais”, uma área pública estadual de quase 1 milhão de hectares no sudeste do Pará, considerada, à época, a maior reserva de castanha no Brasil.

O advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará, José Batista Afonso, que representa a família, explica que em 1980 os fazendeiros e madeireiros Manoel Cardoso Neto, conhecido como “Nelito”, e José Pereira da Nóbrega, o “Marinheiro”, adquiriram o domínio útil de 2 imóveis rurais pertencentes ao estado na região, ainda sem demarcação.

No entanto, o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), órgão federal responsável pela execução da política fundiária na região, estabeleceu a existência de uma área de 1.201 hectares, dentro da propriedade, considerada devoluta. O espaço foi arrecadado e incorporado ao patrimônio da União.

Após isso, afirma, os dois fazendeiros iniciaram uma campanha de ações violentas contra os posseiros assentados pelo Getat e 160 famílias foram retiradas das terras por uma ação de reintegração de posse. Em 1981, Gabriel Sales Pimenta chegou em Marabá, aos 26 anos, contratado pela Diocese de Marabá, e passou a atuar juridicamente na defesa dos posseiros, conquistando o retorno das famílias para o local e deixando revoltados os fazendeiros.

Em seguida, ele passou a receber ameaças de morte. “As ameaças contra Gabriel Pimenta eram cada vez mais objetivas e concretas. Várias pessoas visualizaram ‘pistoleiros’ de ‘Nelito’ e ‘Marinheiro’ rondando a casa do advogado e fazendo ações de reconhecimento nos locais que Gabriel mais frequentava”, diz Batista.

No dia 18 de julho de 1982, aproximadamente às 22h30, Gabriel Sales Pimenta foi assassinado em via pública pelo pistoleiro Crescêncio Oliveira de Souza. Conforme consta no processo, Marinheiro conduzia o carro que levou o homem ao local e ambos estavam acompanhados de mais um envolvido, identificado como Antônio Vieira de Araújo, o Ouriçado.

O inquérito policial indiciou Manoel Cardoso Neto, “Nelito”, José Pereira da Nóbrega, “Marinheiro”, e Crescêncio Oliveira de Souza. Antônio Vieira foi assassinado durante as investigações. Anos depois, Crescêncio e Marinheiro também foram mortos e ninguém jamais foi preso pelo crime.

Em 2007 foi ingressada perante à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Pará uma representação pedindo investigações contra os magistrados que atuaram na sentença, que tramitou por mais de 20 anos e resultou na prescrição do caso, mas o pedido foi indeferido e arquivado. No mesmo ano, os advogados da CPT apresentaram denúncia perante o Conselho Nacional de Justiça, alegando demora no andamento do processo, o que também foi indeferido em 2008. Por fim, o caso foi parar na corte internacional. (Com informações de G1/MG)