Um estudo do Observatório do Clima, rede que reúne 162 organizações da sociedade civil, divulgado nesta quarta-feira (27) indica que as emissões brasileiras de metano cresceram 6% em quatro anos e chegaram a 21,1 milhões de toneladas em 2023
O dado representa o segundo maior nível da série histórica e coloca o Brasil como o quinto maior emissor mundial, atrás apenas de China, Estados Unidos, Índia e Rússia.
Ainda segundo o levantamento do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), três quartos das emissões do poluente, que é mais nocivo que o CO2 para o clima (entenda no VÍDEO acima) vêm da agropecuária, especialmente da pecuária bovina, que sozinha foi responsável por 14,5 milhões de toneladas, mais do que todos os gases de efeito estufa liberados pela Itália no mesmo ano
Leia mais:O país possui o segundo maior rebanho bovino do mundo e bateu recorde em 2023: foram 238,6 milhões de cabeças de gado, quase 20 milhões a mais que em 2020.
Segundo o OC, o relatório foi lançado como adendo à proposta de uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) que a rede apresentou em 2024 e que deve servir de base para as negociações climáticas nos próximos anos.
No mesmo ano, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) divulgou que o Brasil registrou a maior queda de emissões em 15 anos.
Em 2023, as emissões brutas de gases de efeito estufa do país foram de 2,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO₂e), calculadas pelo potencial de aquecimento global em 100 anos (GWP) do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do IPCC, o painel climático da ONU.
📌 ENTENDA: Essa medida em CO₂ equivalente soma os diferentes gases do efeito estufa de acordo com o quanto cada um consegue reter calor. O padrão da ONU compara o impacto de cada gás com o do dióxido de carbono e projeta esse efeito ao longo de 100 anos.
O número representa uma redução de 12% em relação a 2022, quando as emissões chegaram a 2,6 bilhões de toneladas. Para efeito de comparação, o total liberado equivale às emissões anuais de aproximadamente 540 milhões de carros.
Essa foi a maior queda percentual desde 2009, quando o SEEG registrou 1,77 GtCO₂e — o menor patamar da série histórica completa, iniciada em 1990.
A nova publicação também ocorre a menos de três meses da COP30, que será realizada em Belém, e segundo a rede busca pressionar o governo brasileiro a apresentar uma estratégia clara de redução do metano, gás que tem alto impacto no aquecimento global.
O metano (CH₄) é considerado inclusive o “segundo vilão” do clima. Ele é menos abundante que o dióxido de carbono (CO₂), mas é até 28 vezes mais potente no aquecimento do planeta quando comparado em um período de cem anos
Em 2021, durante a COP26 em Glasgow, o Brasil aderiu ao Compromisso Global do Metano, que prevê reduzir em 30% as emissões até 2030. Mas, até aqui, o país não apresentou uma estratégia concreta para alcançar essa meta.
Em 2022, outro relatório do Observatório do Clima já apontava que o Brasil poderia ir além: se ampliasse políticas contra o desmatamento, adotasse medidas no setor agropecuário e avançasse no manejo de resíduos, o país teria condições de cortar até 36% das emissões até 2030.
“O OC tem mostrado tecnicamente que, para liderar a ambição climática mundial, o Brasil precisa focar em soluções de regeneração florestal, recuperação de solo e adoção de energias renováveis. Ao mesmo tempo, terá de reduzir as emissões de metano, lidando com a magnitude da atividade pecuária, a precariedade da gestão de resíduos sólidos e a pobreza energética”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG.
Outros setores e desafios
Ainda segundo os dados do SEEG, o agronegócio continua sendo o grande responsável pelas emissões de metano no Brasil.
Só em 2023, concentrou 75,6% do total liberado para a atmosfera, o equivalente a 15,7 milhões de toneladas.
A pecuária sozinha responde por 98% desse volume. Bem atrás do agro, o setor de resíduos aparece como o segundo maior emissor de metano no país, com 3,1 milhões de toneladas no ano, quase tudo vindo de lixo orgânico despejado em aterros e lixões.
Em seguida, estão as mudanças de uso da terra e florestas (1,33 milhão de toneladas), puxadas principalmente pelas queimadas; depois o setor de energia (0,55 milhão), no qual mais da metade das emissões ainda vem da queima de lenha em residências; e, por último, os processos industriais e o uso de produtos (0,02 milhão).
No documento de adendo à proposta de NDC, o Observatório do Clima avalia ainda que o Brasil precisa acelerar medidas para conter o avanço do metano e aponta que cortes mais profundos poderiam trazer resultados rápidos.
Segundo a rede, reduzir em 45% as liberações até 2040 ajudaria a segurar o aquecimento global em 0,3 ºC.
Entre as alternativas, o estudo cita ganhos possíveis no setor agropecuário. Isso porque mesmo com a tendência de aumento do rebanho nos próximos anos, especialistas apontam que há espaço para reduzir emissões do poluente a partir de práticas já conhecidas.
Entre elas estão a melhoria da dieta dos animais, que reduz a fermentação no processo digestivo, e o encurtamento do tempo de abate, que diminui a quantidade de gases liberados por cada cabeça de gado ao longo da vida.
O uso de técnicas de melhoramento genético também é mencionado como forma de tornar a pecuária mais produtiva sem elevar, na mesma proporção, as emissões.
No setor de resíduos, o documento reforça a meta de eliminar todos os lixões até 2028, um compromisso já previsto em lei, mas que ainda não foi cumprido em grande parte dos municípios brasileiros.
Além do fechamento dessas áreas irregulares, a recomendação é ampliar a coleta seletiva e a reciclagem, além de aproveitar o biogás que hoje escapa dos aterros sanitários.
O gás, formado principalmente por metano, poderia ser capturado e usado para geração de energia, transformando um passivo ambiental em uma fonte alternativa.
Já em relação ao desmatamento, os pesquisadores destacam um ponto considerado crítico: o Inventário Brasileiro de Emissões, principal ferramenta oficial para contabilizar os gases do efeito estufa, não leva em conta as queimadas em vegetação nativa.
Com isso, parte importante das emissões pode estar ficando de fora das estatísticas oficiais, em um cenário no qual o fogo vem aumentando em biomas como Amazônia e Cerrado.
A inclusão desses dados, ainda segundo especialistas, seria fundamental para que o país tenha um retrato mais fiel do impacto das queimadas sobre o clima.
“Como só são contabilizadas as emissões por fogo associadas ao desmatamento, o estudo do SEEG mostra que essa lacuna precisa ser solucionada à medida que cresce a relevância do fogo como agente de degradação nos biomas brasileiros”, diz Bárbara Zimbres, pesquisadora do Ipam.