Correio de Carajás

Bordadeiras rebatem críticas ao uniforme do Brasil: ‘Orgulho do trabalho’

Uniforme tem sido alvo de críticas nas redes sociais. Artes que estão estampadas na roupa foram feitas por 80 bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, no interior do RN.

Uniformes do Brasil para abertura do Brasil nos Jogos Olímpicos foram produzidos por bordadeiras — Foto: Marcel Merguizo/ge/ARQUIVO

As bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, pequena cidade no interior do Rio Grande do Norte, que foram responsáveis pelas artes que vão estar nos uniformes do Brasil na abertura das Olimpíadas nesta sexta-feira (26), defendem as peças que serão usadas pela delegação e também se dizem chateadas com as críticas que o uniforme tem recebido.

A coordenadora de Desenvolvimento Econômico e Artesanato do Município e presidente da Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas, Jailma Araújo, ressaltou a arte feita pelas bordadeiras. “Temos muito orgulho nosso trabalho”, resumiu.

Nas últimas semanas, várias postagens e comentários foram publicados nas redes sociais com críticas ao uniforme e com comparações com a vestimenta de delegações de outros países. Sugiram até modelos alternativos desenhados por estilistas para o Brasil. Nesta quarta (24), o presidente do COB, Paulo Wanderley, também rebateu as críticas e disse que “Não é Paris Fashion Week”.

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Para a bordadeira Alcilene Medeiros, de 44 anos, que participou do bordado das artes nas jaquetas da delegação, alguns comentários são pesados e “vão além da conta”. Ela disse que, pessoalmente, teria feito o modelo com algumas mudanças, mas acredita que também haja preconceito nas críticas diante do uniforme ter sido produzido no Nordeste.

“Não é só pela modelagem, acho que existe ali um pouquinho de preconceito por saberem que a roupa foi feita aqui no Nordeste. Pode até ser que não seja isso, mas a minha intuição diz que também é isso. Eu creio que se a roupa tivesse sido feita em outro lugar, por um estilista famoso e com essa mesma modelagem, a repercussão poderia ser diferente”, disse.

 

Alcilene relatou que as críticas têm afetado as bordadeiras e também as pessoas que admiram o trabalho. Apesar disso, disse que tem visto comentários que também valorizam os bordados.

“Todos ficam um pouquinho chateados em relação aos comentários, mas de qualquer forma a gente sabe que não é com o bordado esses comentários horrorosos”, disse.

“De toda forma a gente fica um pouquinho triste, porque isso prejudica também o nosso trabalho, nosso artesanato, nosso amor que foi colocado ali naquelas peças”.

A opinião é compartilhada pela bordadeira Valdineide Dantas, de 34 anos. “Me deixa triste de uma certa maneira, porque o trabalho desenvolvido pelo bordado foi feito com muito amor. Muita dedicação”, falou.

“Não falo só por mim, mas pelas outras bordadeiras que se empenharam vários meses bordando araras, tucanos e onças pra esse projeto”.

Para a bordadeira Alcilene Medeiros, apesar das críticas, a exposição do trabalho delas na abertura das Olimpíadas vai representar uma valorização.

“Eu tenho certeza que depois dessa abertura, depois que acabar essas Olimpíadas, que a gente não vai dar mais conta da repercussão, do tanto de encomendas que vão surgir”, disse.

“Isso é muito bom, muito gratificante. Estamos todas gratas por termos podido estar lá participando”.

Uniformes do Brasil levam artes de bordadeiras do RN

 

Bordadeiras de Timbaúba dos Batistas , cidade de pouco mais de 2,3 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte, foram as responsáveis por confeccionar as artes das roupas que serão utilizadas pelos atletas do Brasil na abertura dos Jogos Olimpícos de Paris, evento que ocorre nesta sexta-feira (26).

O trabalho foi feito nas jaquetas que serão usadas pela delegação, tendo sido bordadas imagens que representam a fauna brasileira, como tucanos, araras e onças.

Tudo foi feito de forma artesanal – peça por peça – pelas mãos das trabalhadoras da região Seridó do RN, polo desse tipo de atividade no estado. Os atletas vão usar as roupas em barcos que passarão pelo Rio Sena.

Esse, no entanto, não é o primeiro trabalho de relevância feito pelas bordadeiras, que já haviam confeccionado o vestido de casamento da primeira-dama Janja, em 2022, e a roupa que a socióloga usou na posse do terceiro mandato de Lula como presidente, em janeiro de 2023.

As bordadeiras visam ganhar mais visibilidade e romper novas barreiras ao mostrar a arte delas para vários países do mundo no evento.

“Fiquei muito feliz em pode participar de um trabalho tão importante e lindo, realizado por várias bordadeiras aqui de Timbaúba. Todas estamos muito agradecidas em pode levar nossa arte para o mundo”, comemorou a bordadeira Valdineide Dantas, de 34 anos, que participou da produção.

 

Segundo a Associação das Bordadeiras de Timbaúba dos Dantas, fundada em 1984, o trabalho foi feito por 80 trabalhadoras da cidade – que usaram lápis, agulha, goma e máquinas de costura. O trabalho inicialmente havia sido iniciado por 18 profissionais, mas aumentou devido à demanda.

O teste do uniforme foi feito em março deste ano, quando a atleta Bárbara Domingos, da ginástica rítmica, visitou a cidade e foi a primeira experimentar a roupa.

Mais de 2 mil peças em 5 meses

 

Foram, ao todo, mais de 2.484 peças confeccionadas e entregues em cerca de cinco meses – sendo o último lote em abril.

As bordadeiras de Timbaúba dos Batistas foram as responsáveis por reproduzir os desenhos – que já haviam sido criados pela Riachuelo, empresa fornecedora do uniforme – e depois bordá-los para que fossem enviados à fábrica, onde as artes foram aplicadas nas jaquetas.

Além do prazo curto, outro desafio para as bordadeiras foram os desenhos, segundo a coordenadora de Desenvolvimento Econômico e Artesanato do Município e presidente da Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas, Jailma Araújo.

“O nosso bordado tradicionalmente são rosas, flores, mais essa parte de cama, mesa e banho. A maior parte nunca tinha feito pássaro. Nós precisamos ensinar à maioria delas”, contou.

 

Em média, a criação de uma peça durava até 8 horas, segundo contou a bordadeira Valdineide Dantas.

A presidente da cooperativa, Jaílma Araújo, contou ainda que muitas das bordadeiras tem outras profissões nas quais trabalham durante meio período. Segundo ela, isso foi motivado também por crises pela qual a atividade passou.

Jailma Araújo bordando arte que será estampada em uniforme do Brasil na abertura das Olimpíadas — Foto: Reprodução/arquivo pessoal
Jailma Araújo bordando arte que será estampada em uniforme do Brasil na abertura das Olimpíadas — Foto: Reprodução/arquivo pessoal

“Tem aquela bordadeira que passa o dia inteiro em casa, que vive somente do bordado, que é a maioria. E tem aquelas que dividem, trabalham em outra coisa em um período e com o bordado no outro”, disse.

“Alguma bordadeiras passaram de 10 a 12 horas [com a demanda], de domingo a domingo. Quiseram mesmo se dedicar a produzir o máximo que conseguiam”.

 

Nos últimos anos, segundo ela, com o apoio do poder público na divulgação e comercialização, “as oportunidades foram aparecendo e o bordado voltou a ser valorizado”.

“Isso motivou as nossas bordadeiras a acreditarem que o bordado é a oportunidade de melhorar a nossa qualidade de vida”, disse.

‘Realização de um sonho’

 

Com o trabalho finalizado, o que as bordadeiras querem é desfrutar do momento. Elas vão se reunir em uma praça na cidade de Timbaúba dos Batistas no dia da abertura das Olimpíadas para acompanhar o resultado do trabalho.

“Vamos fazer uma festa no dia da abertura, todas unidas comemorando. Meu maior desejo é que nosso trabalho seja valorizado e que venham muitos outros trabalhos”, comemorou Valdineide Dantas.

 

A bordadeira Jailma Araújo disse que esse momento é “a realização de um sonho” e que aguarda ansiosamente pela abertura. “Todo artesão, todo artista tem o sonho de ver o seu trabalho reconhecido, sendo valorizado”, disse.

“E ter conquistado um trabalho que foi desafiador, pela quantidade e pela importância que tinha esse projeto…ver que foi finalizado, que conseguimos realizar isso, é motivo de muito orgulho pro nosso município, pras nossas bordadeiras e pro nosso estado. É muita felicidade, é emocionante”, completou.

Roupa bordada pelas bordadeiras de Timbaúba dos Batistas — Foto: Marcel Merguizo/ge/ARQUIVO
Roupa bordada pelas bordadeiras de Timbaúba dos Batistas — Foto: Marcel Merguizo/ge/ARQUIVO

Cidade vive do bordado

 

Valdineide Dantas aprendeu a costurar e bordar aos 11 anos de idade com a mãe dela, hoje com 55 anos, que também é bordadeira. A história dela é um exemplo de como a atividade é imprescindível na economia de Timbaúba dos Batistas e como atravessa gerações.

De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do RN (Sebrae-RN), um terço de trabalhadores da cidade está na atividade do bordado.

Valdineide Dantas foi uma das bordadeiras do interior do RN que trabalharam na produção — Foto: Cedida
Valdineide Dantas foi uma das bordadeiras do interior do RN que trabalharam na produção — Foto: Cedida

“Nossa cidade é muito pequena e a renda principal vêm do bordado. Esse projeto ajudou várias famílias. O bordado é minha única fonte de renda”, contou a bordadeira Valdineide Dantas.

Muitas delas, assim como Valdineide, trabalham com a atividade na própria casa. Ela contou que a maioria das peças confeccionadas para as Olimpíadas passou pelas mãos dela, que foi responsável por colocar o desenho dos animais no tecido para depois serem bordadas por outras colegas – e por ela mesma. A última etapa foi a aplicação nas jaquetas – passo feito na fábrica da Riachuelo.

A avaliação final ficou por conta da presidente da Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas, Jailma Araújo.

“Eu avaliava cuidadosamente os pontos e as cores. Todas as peças precisavam ficar exatamente iguais nas cores e pontos e principalmente a expressão facial o mais realista possível”, contou.

Além das jaquetas jeans com os animais bordados, os uniformes também são compostos por saia, calças e camisetas com as cores da bandeira do Brasil. Tudo feito em fábrica e com matéria-prima reciclável.

(Fonte:G1)