O atual chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (MDB), disse na última semana que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe terão pelo menos 10 mil cargos de livre nomeação para indicar no Executivo federal a partir de 1º de janeiro de 2019.
Dias antes, em meados de outubro, o ministro extraordinário da transição, Onyx Lorenzoni (DEM), afirmou que o novo governo pretendia cortar 25 mil cargos “no primeiro dia” da nova gestão.
Informações oficiais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), no entanto, apresentam outras cifras. Existem hoje 32.589 posições comissionadas no Executivo federal (contando instituições de ensino, autarquias etc.). Do total, 6.099 postos comissionados podem ser preenchidos por profissionais sem concurso público e são indicados diretamente pelo presidente.
Leia mais:Outras 26.490 vagas ou são exclusivas para servidores concursados, que passam a ter temporariamente salários e responsabilidades maiores, ou estão fora da administração federal direta e não são indicados diretamente pelo presidente da República. Há cargos que são indicados por reitores de universidades, dirigentes de fundações e presidentes de agências reguladoras, por exemplo.
Os números que envolvem esses cargos, usados historicamente como moeda de troca na negociação de apoio no Congresso, sofreram cortes com a reforma administrativa realizada no começo do governo de Michel Temer. Ao todo, 4.184 cargos e funções foram suprimidos, com uma economia anual estimada de R$ 193,5 milhões, segundo o Planejamento. Entre outras mudanças, Temer aumentou, por decreto, a proporção de cargos restritos a concursados.
Caso Bolsonaro decida também fazer cortes, poderá fazer isto por decreto, sem a necessidade de aprovação do Congresso. Já a criação de novos cargos passa pelo Congresso. Quanto aos servidores concursados, estes não podem ser simplesmente demitidos. Só podem ser excluídos depois de um processo administrativo disciplinar (PAD), caso cometam alguma irregularidade.
Nesta quarta-feira, o presidente eleito disse que pretende extinguir o Ministério do Trabalho – e alguns cargos da estrutura do ministério também seriam cortados.
Quais cargos Bolsonaro poderá ou não indicar?
O governo federal possui hoje 12.479 cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS). Destes, apenas uma parte (6.099) podem ser ocupados por pessoas não concursadas.
O presidente eleito e sua equipe também precisarão definir os ocupantes de 12.458 Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE). A diferença é que estas só podem ser ocupadas por servidores públicos efetivos, aprovados em concurso. São destinadas a servidores que desenvolvem algum projeto ou atividade de chefia, além de seu trabalho tradicional, e trazem um aumento para a remuneração de quem as recebe.
Por fim, existem hoje 84 ocupantes de Cargos de Natureza Especial (CNEs) – são os secretários dos ministérios, funcionários de alto nível que também podem ser nomeados e demitidos livremente. Como o novo governo já anunciou a intenção de fundir ministérios, é possível que o número de CNEs caia.
Há ainda cargos comissionados cuja ocupação não depende diretamente da vontade do novo governo (há pouco mais de 8 mil deles nas instituições federais de ensino e em agências reguladoras, entre outros).
Os cargos DAS estão divididos em seis níveis diferentes, e a remuneração vai de R$ 2.585,13 (DAS-1) até R$ 16.215,22 (DAS-6). Já as funções existem em oito níveis diferentes, de R$ 1.551,09 até R$ 5.955,97. As remunerações de todos os cargos podem ser consultadas aqui.
Também existem cargos comissionados no Judiciário e no Legislativo, não tratados acima – o chefe do Executivo não tem qualquer relação com eles.
A reportagem da BBC News Brasil questionou o Ministério do Planejamento sobre os gastos totais do governo com cargos e funções comissionadas, mas o último levantamento disponível diz respeito ao ano de 2017.
Ao longo do ano passado, os cargos comissionados (DAS, CNE etc) custaram aos cofres públicos cerca de R$ 312 milhões. Já as funções comissionadas consumiram outros R$ 206,1 milhões.
Afinal, o que faz um comissionado?
Eliseu Padilha foi, junto com Michel Temer, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016. Um dos trunfos do atual ministro da Casa Civil era conhecer em detalhes as áreas de interesse e os indicados políticos de cada um dos 513 deputados federais que votariam o afastamento da petista.
Ainda no governo Dilma, ele era um dos responsáveis por negociar a troca de cargos por apoio político do Congresso – em entrevista dada em julho de 2015, por exemplo, disse que iria distribuir 200 cargos para congressistas no mês seguinte.
O objetivo era “preservar as boas relações lá no Estado para que o painel (de resultados das votações) da Câmara consiga traduzir essa boa relação”, segundo disse Padilha, àquela altura ministro da antiga Secretaria de Aviação Civil (SAC) de Dilma.
No período, a equipe tinha menos de dez cargos comissionados para tocar um programa que atingiu 50 milhões de pessoas. As funções iam desde contatos com prefeitos (das cidades que recebiam os médicos) até responder aos questionamentos dos órgãos de controle (como a Controladoria-Geral da União, a CGU).
Comissionados são 5,1% dos profissionais da ativa
Cientista político e estudioso do tema dos cargos comissionados, Sérgio Praça, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que outros países também têm cargos desse tipo. “O que é específico do Brasil é a quantidade. É muito mais do que o que se observa em democracias desenvolvidas”, diz ele.
Segundo ele, dois dos principais objetivos dos cargos de confiança são a celeridade e a contratação de “pessoas com competências que não podem ser medidas em concursos públicos”.
“Vamos supor que eu pesquise sobre o Bolsa Família na academia e tenha um trabalho importante sobre isso. Se o governo for esperar abrir um concurso para que eu possa começar a trabalhar na área, é ruim, ineficiente. É desejável que eu possa ir para o cargo mais rapidamente, sem entraves”, afirma o pesquisador.
Os comissionados são uma fração pequena do total de servidores do Executivo. O país possui hoje 633.969 servidores na ativa, sem contar os do Banco Central (Bacen) e os da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
No caso do último órgão, a informação sobre o número de servidores é sigilosa. Já o Bacen não informa os números ao sistema Sigepe, do Planejamento.
Além do pessoal da ativa, estão na folha de pagamento do governo federal 401.955 aposentados e mais 240.351 pensionistas. Ativos, pensionistas e aposentados somam, portanto, 1,2 milhão de pessoas, mais que a população de Campinas (SP), 14ª cidade mais populosa do país, com 1,18 milhão de habitantes. Neste universo, os comissionados são apenas 2,5%.
A conta acima não considera os empregados de empresas públicas como Banco do Brasil e Petrobras – formalmente, estes não são servidores federais, e sim empregados públicos, celetistas.
Em 2017, o Executivo gastou R$ 292,4 bilhões com pessoal. É o terceiro maior gasto do Estado brasileiro: só fica atrás do pagamento de juros e amortização da dívida pública e dos benefícios previdenciários e sociais.