Uma bolacha recheada pode “custar” cerca de 40 minutos de vida saudável. Uma banana pode somar mais de 8 minutos. Comer peixe de água doce? Quase 17 minutos a mais. São essas estimativas que um novo estudo elaborado por pesquisadores de nutrição da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista “International Journal of Environmental Research and Public Health“, colocam para reflexão dos brasileiros.
A pesquisa aplicou pela primeira vez no país o chamado Índice Nutricional de Saúde (HENI, na sigla em inglês), uma métrica desenvolvida por cientistas americanos que estima, com base em dados epidemiológicos, quantos minutos de vida saudável são ganhos ou perdidos a cada porção de alimento.
O estudo se concentrou na análise dos 33 alimentos que mais contribuem para a ingestão energética dos brasileiros e que estão dentro da lista dos 1.141 listados na Pesquisa Nacional de Alimentação (INA 2017–2018). A metodologia da pesquisa também levou em conta somente pessoas acima de 10 anos ao usar como base a Pesquisa de Orçamentos Familiares.
Leia mais:Segundo os autores, os dados não significam que toda refeição desequilibrada tira minutos da vida e tampouco que comer uma bolacha hoje representa risco imediato. O dado reflete o desequilíbrio geral do padrão alimentar atual e reforça a importância de substituições mais saudáveis no dia a dia.
A média nacional foi negativa: −5,89 minutos por alimento. Ou seja, se considerarmos as porções mais frequentes na dieta brasileira, o saldo geral tende a ser de prejuízo à saúde.
O que é o HENI?
O HENI (Índice Nutricional de Saúde) é uma ferramenta que resume o efeito de um alimento sobre a saúde. Para isso, considera 15 componentes ligados ao risco de doenças, com base em estudos do Global Burden of Disease.
Entre os fatores considerados estão o consumo excessivo de carnes processadas, sódio, gorduras trans e bebidas adoçadas. Do outro lado, há os componentes benéficos, como fibras, frutas, vegetais, leguminosas, ômega-3 de peixe e leite.
Com base nesse conjunto de dados e no nível de consumo no Brasil, o estudo calcula o impacto de uma porção média de cada alimento. O resultado é expresso em minutos de vida saudável ganhos (valor positivo) ou perdidos (valor negativo).
Uma analogia possível seria com uma balança de saúde:
- Cada alimento pesa para um lado — alguns aumentam os minutos de vida saudável (como feijão ou banana), outros retiram minutos (como carnes processadas e bolachas recheadas).
- O saldo geral da sua dieta é o que realmente conta.
- Comer bolacha ocasionalmente, dentro de um padrão alimentar saudável e variado, não representa um risco relevante isoladamente.
- O risco aumenta quando o padrão alimentar é dominado por alimentos com HENI negativo — é o conjunto que importa.
O que essa conta não é
Os autores alertam que os valores não devem ser interpretados como uma conta direta e cumulativa. Comer um alimento com HENI negativo não significa, por si só, que a pessoa estará mais próxima da morte. O índice indica o impacto médio populacional estimado de cada porção, considerando um cenário onde apenas aquele alimento muda, com o restante da dieta constante.
Ou seja, é o saldo geral da alimentação que define os efeitos reais sobre a saúde.
Alimentos com pior pontuação HENI (maiores perdas de vida saudável por porção)
- Biscoito recheado: −39,69 minutos
- Carne suína: −36,09 minutos
- Margarina: −24,76 minutos
- Carne bovina: −21,86 minutos
- Empanado de frango: −17,88 minutos
- Presunto: −15,71 minutos
- Refrigerante com açúcar: −12,75 minutos
- Pizza de mussarela: −11,61 minutos
- Cachorro-quente: −10,63 minutos
Alimentos com melhor pontuação HENI (ganhos de vida saudável por porção)
- Peixe de água doce: +17,22 minutos
- Banana: +8,08 minutos
- Feijão: +6,53 minutos
- Suco natural de fruta: +5,69 minutos
- Arroz integral: +4,71 minutos
- Azeite de oliva: +3,34 minutos
- Aveia: +2,78 minutos
- Tomate: +2,65 minutos
- Castanha-do-pará: +2,34 minutos
Como usar essas informações na prática
De acordo com os autores do estudo, o principal uso do HENI é indicar direções de substituição: trocar parte dos alimentos com impacto negativo por outros com valor positivo. Pequenas mudanças no cotidiano têm potencial de melhorar o saldo geral da dieta.
Não se trata de demonizar alimentos, observam os pesquisadores, mas sim de informar o consumidor com base em evidências robustas. O problema não é consumir um item isoladamente, mas sim quando ele ocupa espaço recorrente e substitui opções protetoras.
Diferenças regionais também importam
Para entender melhor os padrões alimentares do país, os pesquisadores agruparam os estados em quatro grandes regiões com características comuns, chamadas de clusters. Esses agrupamentos foram definidos com base em um índice que mede a sustentabilidade dos sistemas alimentares em aspectos nutricionais, sociais, econômicos e ambientais.
Olhando para as regiões analisadas, os clusters Cinturão Agrícola e Pólo Econômico Central, compostos pelos estados do AC, RO, MT, MS, GO, TO e RS, SC, PR, SP, MG, RJ e ES respectivamente se mostraram ter o maior consumo do biscoito recheado.
Embora alimentos como arroz, feijão e carne bovina apareçam em todos os clusters, há diferenças relevantes. Em algumas regiões, alimentos ultraprocessados têm peso maior; em outras, pratos locais como carne seca ou açaí com granola se destacam. Essas diferenças podem influenciar tanto o impacto sobre a saúde quanto as oportunidades para mudanças de comportamento alimentar.
Outra característica que chamou a atenção foi o que os pesquisadores chamaram de monotonia alimentar, que é a repetição de um número limitado de alimentos, o que reduz a diversidade nutricional e o potencial benefício à saúde.
“Observamos que a base da dieta nacional é pouco variada e há consumo reduzido de alimentos nativos e da sociobiodiversidade, como pequi, taioba ou açaí puro, sendo observado apenas alguns alimentos regionais como cuscuz, feijão de corda, açaí com granola e tapioca”, explica Marhya Júlia Leite, nutricionista da USP e uma das autoras do estudo.
Impactos ambientais também foram avaliados
Além do efeito sobre a saúde, o estudo estimou o impacto ambiental dos alimentos, considerando dois indicadores principais: emissões de gases de efeito estufa (em quilos de CO2 equivalente) e consumo de água (em litros).
Os resultados confirmam que alimentos de origem animal têm os maiores impactos ambientais. Um prato com carne bovina pode emitir mais de 21 kg de CO2eq por porção. Já a pizza de mussarela, além de perder minutos de vida, também é campeã em consumo de água: mais de 300 litros por porção.
Segundo os autores, avaliar conjuntamente os impactos à saúde e ao meio ambiente permite promover escolhas alimentares mais sustentáveis e saudáveis ao mesmo tempo.
(Fonte:G1)