Correio de Carajás

Bola no pé e sonhos no alto: conheça as 80 meninas de Marabá que brilham no futebol

Atualmente, o time de futebol feminino conta com 80 atletas e grande parte é indígena

Com os Jogos Olímpicos a todo vapor e a seleção feminina brasileira batalhando em campo, mesmo com a derrota de 1 a 0 para a Espanha, a força das mulheres no futebol – um território historicamente dominado pelos homens – é cada vez mais evidente.

Em Marabá, a cena não é diferente. O time feminino, composto por 80 garotas entre 10 e 18 anos, está mandando ver e mostrando que tem talento de sobra. Essas jovens, que fazem parte do programa da Estação Conhecimento, no São Félix, não economizam energia. Elas suam a camisa e transformam cada treino e jogo em um espetáculo, provando que o campo é tão delas quanto de qualquer um. É empoderamento puro e muita bola no pé, mostrando que a paixão pelo futebol é universal e que elas estão aqui para ficar.

Awynore revela a inspiração que sente ao ver mulheres competindo ao nível internacional

O Correio de Carajás esteve durante um dos treinos das jovens esta semana e, entre elas, Awynore Jakukreipeiti Pjekawere, da aldeia Kyikatêjê, revela seus sonhos e a origem de sua paixão pelo esporte com uma sensibilidade tocante.

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“Eu quero muito que meu sonho de me tornar uma jogadora profissional se realize”, compartilha com esperança. Ao refletir sobre como descobriu sua paixão pelo futebol, ela diz: “No começo, percebi que o futebol é algo que traz alegria para quem ama jogar. Minha mãe jogava, e eu a via com admiração. Foi aí que comecei a gostar do esporte e sonhei em seguir o mesmo caminho. Quero muito me tornar uma profissional e disputar grandes competições, como os Jogos Olímpicos.”

A jovem revela a inspiração que sente ao ver mulheres competindo ao nível internacional. “É emocionante ver tantas mulheres lutando em campeonatos ao redor do mundo. Isso me motiva a acreditar que também posso alcançar esse nível um dia. Sinto que todos nós temos a capacidade de chegar lá, e essa visão me dá forças para seguir em frente.”

Com um brilho nos olhos e um sorriso de esperança, ela expressa seu desejo profundo de transformar seu sonho em realidade e até quem sabe de encontrar seu lugar no cenário global do futebol.

LUGAR DE MULHER É…

Maria Alice Dias Miranda, de 14 anos, conta sobre se tornar jogadora de futebol e como sua paixão pelo esporte iniciou: “Eu comecei a jogar futebol quando minha irmã saiu para treinar e eu ficava em casa. Assistia os treinos dela e aquilo me deu vontade de jogar também. Fui experimentando, comecei a gostar e até hoje continuo “.

Maria Alice demonstra que, para ela, o futebol é mais do que um sonho

Sobre o cenário do time feminino em campo, ela expressa sua admiração pelas jogadoras que fazem história. “Eu gosto muito de assistir às Olimpíadas e me inspiro em jogadoras como a Marta. Admiro o que ela e outras atletas conquistaram. Para mim, todas elas são ótimas e merecem muito sucesso”, diz Maria Alice.

Ela também reflete sobre o papel das mulheres no futebol. “Eu acredito que o lugar da mulher é dentro do campo também. Algumas pessoas podem preferir outras atividades, mas o futebol é para todos, não só para os homens. Eu gosto muito de jogar e me sinto realizada quando estou em campo.”

Com um brilho de determinação, Maria Alice demonstra que, para ela, o futebol é mais do que um sonho—é uma paixão que a inspira e a motiva a seguir em frente, independente dos desafios.

DESCÊNDENCIA

“Eu cresci em uma família onde todos jogavam futebol—minhas tias, primas e primos. Desde pequena, eu os via jogando e isso despertou meu interesse. Comecei a gostar do futebol e a praticá-lo, pois além de ser divertido, é ótimo para a saúde”, conta Tuxerê da Silva Xankrati.

 

“Para mim, não importa se o futebol é masculino ou feminino”, diz Tuxerê

Ela também reflete sobre gênero no esporte. “Para mim, não importa se o futebol é masculino ou feminino. Qualquer um que queira jogar deve ter a chance. O esporte é para todos, e todos podem participar, independentemente de gênero.”

Sobre o futuro, Tuxerê  compartilha seus sonhos com sinceridade. “Se for da vontade de Deus, eu gostaria de seguir uma carreira no futebol. Mas sei que tudo depende dele. Por enquanto, estou me esforçando e, se surgir uma oportunidade, vou aproveitá-la. No fim, é tudo conforme a vontade de Deus.”

REPRESENTATIVIDADE

“Meu sonho é me tornar jogadora profissional de futebol. Me inspiro muito na Marta e na Formiguinha. Comecei a jogar futebol porque meu primo já jogava e eu queria seguir o exemplo dele”, conta Evelly Karine Dias Miranda, da aldeia Krijõhere.

Evelly Karine  explica que trabalhar o físico é importante e ajuda muito

Ela fala sobre a sua visão para o futuro: “Quero realizar meu sonho e me tornar uma jogadora profissional. É emocionante para mim, e eu sinto que é uma grande oportunidade. A jornada é difícil, mas para quem já sabe, fica mais fácil. Eu sou atacante e adoro jogar nessa posição. Me sinto realizada em campo.”

Evelly Karine também reflete sobre a importância da representatividade feminina no futebol. “Ver tantas mulheres jogando nas Olimpíadas, representando o Brasil e outros países, é inspirador. Elas estão mostrando que podem dar o sangue em campo e muitas vezes desempenham um papel incrível. Isso é muito importante para nós”, abre o coração.

Sobre seus treinos, Evelly descreve a experiência com realismo e motivação, diz que os treinos são bons, embora um pouco pesados. Ela explica que trabalhar o físico é importante e ajuda muito. Também aproveita para dizer que admira o talento de quem já está mais avançado, como sua irmã Maria Alice, que tem um grande potencial.

Ela também compartilha uma experiência significativa: “Fui chamada para jogar profissionalmente em uma peneira no Bom Jesus e recebi uma proposta para o Grêmio. Infelizmente, não consegui ir devido a questões financeiras. Mas, se Deus quiser, uma hora eu vou ter essa chance.”

DNA DO FUTEBOL

As irmãs gêmeas Pritikwyi Tototore Kateiokware e Kyxare Tototore Kateiokware, da aldeia Akrãtikatêjê, não somente dividem o DNA, elas também compartilham o amor pelo futebol. Ambas têm sonhos grandiosos no esporte e se inspiram em jogadores renomados, tanto masculinos quanto femininos, para seguir seus caminhos na modalidade.

As irmãs gêmeas Pritikwyi e¬ Kyxare relatam que começaram a jogar futebol aos nove anos em uma escolinha local

“Meu desejo de ser jogadora começou quando me inspirei no Messi. Eu o via jogando e ele se tornou uma grande referência para mim. Tento ser como ele em campo”, conta Pritikwyi. Sua irmã, diferentemente, cita Cristiano Ronaldo: “Eu me inspiro e adoro assistir aos jogos dele e sonho em jogar como ele um dia.”

Apesar de suas inspirações masculinas, as irmãs entendem a importância da representatividade feminina no futebol. “Quando entro em campo, sinto que posso fazer a diferença, assim como os grandes jogadores. Meu objetivo é ser uma jogadora profissional, marcar gols e levar vitórias para casa”, diz Kyxare

Pritikwyi também compartilha seus sentimentos: “Quando estou em campo, tento mostrar meu talento e contribuir para o time. Quero crescer na vida e alcançar o nível das jogadoras profissionais. Quem sabe um dia, me tornar uma jogadora de futebol de renome.”

As irmãs começaram a jogar futebol aos nove anos em uma escolinha local. Elas relatam que jogavam com as meninas mais velhas e isso as ajudou a melhorar suas habilidades. Recentemente, chegaram a participar de um torneio no estádio Zinho Oliveira, onde chegaram às semifinais.

Ambas se inspiram em grandes jogadoras como Marta e Formiga. “Elas são exemplos para nós. Todo dia, acredito que sou capaz de dar o meu melhor e ser tão boa quanto a Marta. Eu treino sozinha em casa, e me esforço para melhorar”, diz Kyxare, que acrescenta que ela e a irmã sempre treinam juntas, e isso as ajuda a evoluir.

FALA, TREINADORA!

Por trás desses talentos, há Ellen Belém. A professora de educação física, que atua há um ano e meio na Estação Conhecimento como treinadora das meninas, explica ao Correio de Carajás sua experiência sobre o desenvolvimento deste time. Formada em Educação Física, com licenciatura e bacharelado e pós-graduação em treinamento desportivo, a professora destaca que o trabalho realizado com as meninas é único na cidade, proporcionando uma mudança significativa na perspectiva de vida das alunas.

Professora Ellen Belém celebra as conquistas do time no campo e fora dele

“Aqui em Marabá, a vivência no futebol feminino sempre esteve integrada às escolinhas masculinas, mas o projeto foi bem aceito e as meninas têm se dedicado muito”, afirma.

Questionada sobre um dos momentos marcantes para si, ela não hesita em dizer que foi a convocação de uma das alunas para clubes fora da cidade, um acontecimento inesperado que surpreendeu a todos. Ellen acredita que o trabalho influenciará positivamente o aspecto social das meninas, tanto dentro quanto fora de casa. Algumas alunas já manifestam o desejo de seguir carreira no futebol ou até se tornarem professoras de Educação Física.

O time feminino cresceu rapidamente devido à procura das próprias meninas. Inicialmente, nove alunas já praticavam futebol na Estação. “Conversamos com elas sobre a formação de um time 100% feminino, apresentamos a proposta à coordenação, que rapidamente abraçou a ideia”, relata.

O interesse aumentou e logo havia mais de 30 meninas interessadas. Atualmente, o time conta com 80 atletas. Mas, nem mesmo durante as férias, algumas delas deixaram o campo de lado, 60 continuaram praticando no mês de julho.

Os treinos ocorrem dois dias por semana, com a possibilidade de treinos táticos adicionais às sextas-feiras. As alunas participam de competições internas e foram convidadas para amistosos. Para integrar o time, elas devem manter a participação escolar, pois a questão educacional também é valorizada no projeto.

ESTAÇÃO CONHECIMENTO

A Estação Conhecimento, mantida pela Fundação Vale, atua como um equipamento de transformação social em Marabá. De acordo com Audileide Oliveira, diretora da Estação, atualmente, a instituição atende 600 famílias, abrangendo 900 crianças e adolescentes que participam de diversas modalidades esportivas, como atletismo, futebol, esportes de areia e esportes de quadra. Todos os projetos da Estação Conhecimento são desenvolvidos com base na demanda local.

Audileide diz que a Estação atende 600 famílias, com 900 crianças e adolescentes

O projeto de futebol feminino surgiu a partir da demanda dos atendidos da Estação. “Inicialmente, um grupo de meninas que já participava de outras modalidades esportivas e treinava futebol com os meninos manifestou o desejo de formar um time feminino. A proposta foi bem recebida, e o grupo de 15 meninas cresceu para 80, com idades entre 10 e 18 anos. Dentre essas, 45 são indígenas”, relata.

O sucesso do projeto gerou interesse não apenas entre as residentes dos bairros próximos à Estação, mas também em outras áreas de Marabá, tornando a instituição a única na cidade a oferecer um time de futebol feminino. “A prática esportiva na Estação não apenas promove cidadania e habilidades esportivas, mas também oferece oportunidades para que as meninas desenvolvam seus talentos e aspirações de se tornarem futuras atletas”, garante Audileide.  (Thays Araujo)