Correio de Carajás

Boi estreante e junina do Grupo B surpreendem na 2ª noite de festejo

Boi Tribo Diamante Negro encantou o público, apesar de não concorrer este ano ao título de campeão (Fotos: Ulisses Pompeu)

A força do campo e o grito pela luta contra a intolerância religiosa foram as pegadas deixadas por dois grupos juninos que se apresentaram na arena do 37º Festejo Junino de Marabá, em sua segunda noite de festa.

Na noite cálida de domingo, 23, ambos os grupos demonstraram que possuem duas coisas em comum: a euforia genuína de estar na arena e o bailado entusiasmado das coreografias.

De um lado o boi bumbá “Tribo Diamante Nego”, formado por jovens de bairros periféricos do núcleo Cidade Nova, do outro, a junina do grupo B “Coração de Estudante”, composta por moradores da zona rural do município. Quem assistiu as apresentações foi surpreendido por exibições empolgantes, capazes de arrepiar e arrancar aplausos do público.

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Outros seis grupos juninos abrilhantaram a primeira noite de apresentações com suas cores, musicalidade e dramatização. O primeiro da noite foi formado por anciãos marabaenses que vivem no Cipiar, os quais exibiram todo o charme da terceira idade.

As quadrilhas infantis “Luar do Sertão” e “Coração Mirim” levaram a fofura e empolgação dos pequenos para a arena. Os “mini humanos” mostraram que têm tanta resistência quanto os adultos, ao se apresentarem durante 20 minutos.

As adultas “Coração Junino” (grupo B), “Gigantes do Norte” e “Sereia da Noite” (ambas grupo A) adentraram o palco junino ansiando mostrar para o público todo o seu potencial. Os jurados terão a grande responsabilidade de avaliar qual, dentre todas as competidoras, foi a melhor do concurso.

Mas avaliações técnicas à parte, é inegável que o “sazón” da noite deu sabor a dois determinados grupos.

Diamante escondido nas ruas do Jardim União

Não faltou tempero para o grupo “Tribo Diamante Negro, que estreou na arena trazendo elementos novos para mística do boi bumbá sob o tema “O grito de um povo guerreiro: minha fé, meu axé”.

Ao contrário de outros grupos, ele não contou a tradicional história do boi, mas optou por exaltar uma lenda tipicamente paraense, a do boto, encenando na arena o jogo de sedução entre o ser encantado e sua amante.

Este ano, o grupo não entrou na disputa do concurso, mas sua estreia, tão rica em cultura e expressão, é um prelúdio do potencial que o “Tribo Diamante Negro” pode atingir na competição do próximo ano.

Samara deseja vida longa ao grupo que ela criou (Foto: Ulisses Pompeu)

Samara Silva, 30 anos, cabeleireira e fundadora do grupo, explica para a reportagem que a ideia para a fundação do “Tribo” surgiu da vontade de expandir o conhecimento e incluir jovens e adolescentes.

“Eu acho que a gente tem coragem acima de tudo, porque para trabalhar um tema muito criticado na sociedade tem que ter muita bravura. Eu como uma pessoa negra, umbandista, quis muito agregar esse tema em 2024, para falar um pouco sobre intolerância religiosa, que o nosso povo sofre tanto”, expressa com lágrimas de orgulho nos olhos.

Marcos Souza, coreógrafo, representou de maneira exímia três personagens: pajé, Caboclo e boto (Foto: Ulisses Pompeu)

Marcos Souza, de 20 anos, foi o responsável por levar para a arena a magia da sedução da figura mítica do boto, cuja lenda encanta e apavora – na mesma medida – mulheres amazônidas.

Mas antes de vestir o terno e o chapéu do boto, ele incorporou o velho pajé e o caboclo. Marcos, que também é um dos coreógrafos do grupo, surpreendeu os espectadores com sua arrebatadora expressão corporal.

Mesmo sem os tradicionais tambores e cantores, responsáveis por entoar as marujadas de guerra, o “Tribo Diamante Negro” deixou sua marca na arena e promete voltar ainda mais surpreendente em 2025.

O êxodo da Vila Santa Fé à cidade

A junina “Coração de Estudante”, oriunda da Vila Santa Fé, região do Rio Preto, pode está no grupo B este ano, mas sua performance na arena foi digna de grupo A. Ano passado, foi vice, mas é forte candidata a subir de degrau.

Do grupo B, mas com potencial de grupo A, a Coração de Estudante levou a força do campo para a arena (Foto: Ulisses Pompeu)

Composta por pares de jovens, adultos e até crianças, a junina foi certeira ao exibir uma coreografia que revive memórias afetivas de infância no público.

O grupo integra a Liga Cultural de Marabá desde 2015, e coreografou seus pares com passos tradicionais. A quadrilha “raiz” embalou a grande roda, o caminho da roça e o caracol, com uma animação ímpar e coreografia que rendeu aplausos exultantes de sua torcida.

A marcadora ressalta a discrepância de recursos oferecidos aos grupos A e B (Foto: Ulisses Pompeu)

“A gente entende que fica em desvantagem quando a torcida não vem e esse ano nós fizemos o trabalho de trazer esse público para nos prestigiar”, conta Wanessa Fortaleza Espíndola, professora e marcatriz da junina. Ela também assume o título de primeira mulher a puxar uma quadrilha no certame.

Confiante e orgulhosa, ela explica que os dois casais que roubaram a cena na apresentação são crianças que entraram na junina para compor a quantidade de pares exigida pela Liga. Apesar de pequenos, os brincantes das duplas resistiram à maratona dançante até o fim, mais animados que muitos dos adultos, inclusive.

O potencial da “Coração de Estudante” de ocupar um lugar no grupo A é inegável e, questionada sobre a dificuldade em galgar essa subida, Wanessa desabafa que falta investimento em políticas públicas para os grupos do campo.

Em meio aos casais adultos, dois pares de crianças se destacaram na apresentação (Foto: Ulisses Pompeu)

“Os recursos para o grupo B, principalmente nós que somos da zona rural, é bem inferior com relação ao recurso do grupo A. E no nível mais alto, eles têm bailarinos e nós, estudantes”.

Basta espiar o regulamento do concurso para visualizar a discrepância na premiação. A diferença de valores é de R$ 1.560, uma vez que a vencedora do grupo A recebe R$ 4.400 e a do grupo B, apenas R$ 2.840.

O valor de ambas as premiações já é ínfimo e para uma junina que vem de uma vila que fica a 75 quilômetros de Marabá, (parte deles sendo estrada de chão), a quantia de R$ 1.560 faria toda a diferença na preparação para a disputa.

Pares a menos, comprometimento a mais

Ainda que a estreante “Coração Mirim” tenha entrado na arena com um déficit de quatro casais de crianças, sua determinação de cumprir com o compromisso firmado foi suficiente para arrancar aplausos estrondosos da plateia.

A perseverança dos seis pares da Coração Mirim levantou aplausos do público (Foto: Ulisses Pompeu)

A reportagem do Correio conversou com a marcadora Kalita Vitória dos Santos Morais, de apenas 16 anos, para entender o motivo da redução de brincantes e ela explicou que foram os pais dos pequenos os responsáveis por retirá-los da brincadeira.

A junina foi avisada do desfalque apenas quatro dias antes da apresentação, tempo curto para uma substituição. Apesar do imprevisto, a “Coração Mirim” tomou a brava decisão de honrar o compromisso e se colocar diante de centenas de marabaenses na noite de domingo. Para os pequenos que ali estavam, o que importava era a diversão.

Kalita, responsável por conduzir os seis pares de crianças pela arena junina, assumiu a responsabilidade minutos antes da apresentação e foi enfática ao dar o recado: “Esse ano a gente só quer brincar, ano que vem a gente vem para competir”. (Luciana Araújo)