Correio de Carajás

Bino inaugura exposição que une rio, luz e devoção no coração de Marabá

Exposição “Rios que rezam em mim”, de Bino Sousa, ocupa a Galeria Vitória Barros e propõe um encontro entre paisagem, espiritualidade e memória amazônica

Ulisses Pompeu
Por: Ieda Mendes, Vitória Barros, Bino Sousa, Natacha Barros e o professor Nathanael Marques
✏️ Atualizado em 12/12/2025 11h03

O que acontece quando o rio deixa de ser paisagem e passa a ser oração? Na nova exposição de Bino Sousa, a arte não pede pressa nem respostas prontas: convida o olhar a desacelerar, escutar o silêncio das águas e reconhecer, em cada traço, uma fé amazônica que corre mansa, mas profunda, dentro de quem se aproxima.

A Galeria de Arte Vitória Barros recebeu, na noite desta quinta-feira, dia 12 de dezembro, a vernissage da exposição “Rios que rezam em mim”, nova mostra individual do artista marabaense Bino Sousa. O evento reuniu dezenas de convidados, entre artistas, apreciadores das artes visuais, educadores e moradores da cidade que acompanham a trajetória do autor, reconhecido pelos murais espalhados por Marabá e pela forte identidade amazônida presente em sua obra.

A exposição apresenta trabalhos que dialogam diretamente com o rio e com o sagrado, dois eixos simbólicos que atravessam a produção recente de Bino. Em textos e imagens, o artista propõe uma experiência sensorial e contemplativa, na qual paisagem, memória, espiritualidade e cotidiano amazônico se entrelaçam de forma orgânica.

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Na concepção da mostra, Bino parte de uma reflexão pessoal sobre pertencimento e território. Ele destaca que ser amazônida, em seu modo de fazer arte, é aprender com o tempo do lugar, acompanhando o que o território ensina devagar. Segundo o artista, a luz do amanhecer refletida nas águas, que se espalha pelo dia e atravessa a mata, não é lembrança, mas orientação, manifestando-se nos traços como se a própria paisagem guiasse a mão que desenha. Essa luz, descrita por ele como um branco intenso e vibrante, aparece como elemento central nas composições.

A própria artista Vitória Barros, amiga de Bino Sousa, enalteceu a exposição do colega e disse que ele tem uma inspiração amazônica surpreendente, que faz uma excelente ligação entre a natureza e as pessoas. “Sim, o sagrado não poderia faltar, porque de alguma forma as pessoas sempre se voltam à fé, como ocorre com os ribeirinhos”, disse ela.

As cores barrentas utilizadas nas obras carregam experiências vividas na região. Algumas surgem com firmeza, outras com serenidade, sempre a partir do contato com a vida amazônica. O artista afirma que não busca representar, mas sentir, evocando desde a vibração das festividades do interior até a tranquilidade do entardecer, além de brilhos que remetem a uma fé cotidiana, discreta e profundamente enraizada na cultura regional.
O traço, por sua vez, segue o ritmo do andar do rio. Cada linha encontra seu tempo natural, refletindo um processo de criação sem pressa, sensível e atento, fruto de um olhar formado pela observação constante do entorno. Vida e espiritualidade aparecem entrelaçadas, não como discursos separados, mas como forças que correm juntas, como correnteza.

 

Entre os visitantes da vernissage estava a professora Alice Carmo Freitas, de 37 anos, que levou a filha de 12 para conhecer a exposição. Admiradoras do trabalho de Bino nos murais da cidade, as duas fizeram questão de prestigiar a nova mostra. “A gente vê a arte do Bino no dia a dia, nos muros, nas ruas, e já sente algo diferente. Aqui, dentro da galeria, é como se esse sentimento ganhasse mais profundidade. Minha filha ficou impressionada com as cores e com a sensação de calma que as obras passam. É bonito ver como ele transforma o rio e a fé em algo que toca a gente por dentro”, comentou Alice.

Ao se aproximar das obras, o público é convidado a um encontro gradual, quase de acolhimento. Para o artista, quando esse encontro acontece, a obra segue seu próprio caminho, encontrando lugar onde fizer sentido, como uma embarcação que reconhece seu destino. Ao final, permanece um sentimento que ele considera precioso: algumas criações continuam sua travessia para além da exposição, entrando na vida de quem as recebe com a suavidade de um banzeiro sereno, levando consigo fragmentos da memória que o formou como artista.

A exposição “Rios que rezam em mim” reafirma Bino Sousa como um dos principais nomes da arte contemporânea produzida em Marabá, ao mesmo tempo em que convida o público a uma experiência de escuta sensível do território, da fé e da própria Amazônia.