Correio de Carajás

Bilionário, extravagante e colecionador de escândalos: quem foi Silvio Berlusconi

Silvio Berlusconi se tornou um dos personagens mais importantes da história recente da Itália/Foto: Reuters

Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro da Itália que enfrentou escândalos sexuais e acusações de corrupção, morreu aos 86 anos nesta segunda-feira (12/6).

O italiano faleceu no hospital San Raffaele, em Milão, segundo a imprensa local.

Em abril, ele foi internado por uma infecção pulmonar ligada a um caso não revelado de leucemia crônica.

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De personalidade extravagante, ele cativou boa parte do eleitorado italiano — e parte do público continuou a apoiá-lo apesar de acusações de corrupção.

Levado ao tribunal várias vezes, exibiu habilidade de escapar e ziguezaguear pelos tortuosos processos legais da Itália.

Na vida pessoal, gostava de se cercar de mulheres jovens e bonitas e protagonizou vários escândalos sexuais, que cedo ou tarde o afastaram de muitos de seus mais fervorosos apoiadores.

Mas, toda vez que parecia que sua carreira política havia terminado, Silvio Berlusconi conseguia confundir seus críticos e voltar à vida pública.

Ele nasceu em uma família de classe média em Milão em 29 de outubro de 1936.

Enquanto estudava direito na universidade, tocava contrabaixo em uma banda de estudantes e às vezes fazia bicos como cantor em cruzeiros.

Suas já evidentes habilidades empreendedoras, junto a um “charme natural”, foram usadas para vender uma série de produtos, desde aspiradores de pó até redações escritas por seus colegas.

Após se formar, em 1962, ele criou uma empresa de construção e criou um complexo urbanístico com 3,5 mil apartamentos nos arredores de Milão, conhecido como Milão 2.

A origem dos recursos para esse projeto enorme foi um mistério e investigações subsequentes o ligaram a um emaranhado de companhias offshore — empresas e contas bancárias abertas em territórios onde há menor tributação, para fins lícitos ou ilícitos.

Berlusconi chegou à mídia em 1973, quando fundou a Telemilano, um canal a cabo de TV criado inicialmente para passar em seus apartamentos.

Em quatro anos, ele comprou outros dois canais e começou a transmitir programas a partir de um estúdio central em Milão.

Em 1978, fundou uma empresa financeira, a Fininvest, e deu início a um programa impressionantemente rápido de aquisições e expansões.

Berlusconi com Bettino Craxi
Magnata persuadiu o primeiro-ministro Bettino Craxi a ignorar o crescimento de seus negócios de mídia/Foto: Reuters

Corrupção

 

Nada menos que 150 empresas ficaram sob o controle de Berlusconi, incluindo a maior editora da Itália, a Mondadori, e o jornal diário Il Giornale.

Ele também comprou uma série de canais locais de TV com o objetivo de desafiar o monopólio da televisão estatal italiana, a RAI.

Isso o colocou em conflito com a Justiça, o que, em 1984, levou ao status legal da RAI como a única cadeia de televisão nacional da Itália.

No entanto, Berlusconi usou suas relações com o primeiro-ministro socialista Bettino Craxi para persuadir o governo a mudar a lei e permitir que sua rede comercial continuasse no ar.

Em 1986, ele apelou à paixão nacional pelo futebol ao comprar um dos mais famosos clubes do país, o Milan, para acrescentar ao seu portfólio de negócios.

Berlusconi com jogadores do AC Milan
O clube de futebol AC Milan era apenas um de seus interesses comerciais/ Foto: Getty Images

Com esse histórico, ele se voltaria para a política cedo ou tarde. Sua chance surgiu em 1994, em meio a uma investigação judicial contra uma rede de corrupção política na Itália entre os anos 1980 e 1990.

As acusações destruíram a coalizão de centro-direita que dominava a Itália desde 1947, com muitos de seus membros mais importantes sendo apontados como suspeitos pelos investigadores.

Acreditava-se que a esquerda, que incluía os herdeiros do Partido Comunista Italiano, venceria as próximas eleições.

Luta pelo poder

 

Silvio Berlusconi
Governo de Berlusconi aprovou uma lei que deu a ele e a outras figuras públicas de destaque imunidade de acusações enquanto estivessem no cargo

Mas Berlusconi entrou em jogo formando um novo partido, o Forza Italia, com o objetivo de atrair os eleitores considerados mais moderados e, portanto, combater a esquerda.

Porém, seu novo apetite pela política foi visto mais como uma tentativa de evitar acusações de corrupção contra ele após vários de seus negócios serem envolvidos na investigação.

Ele negou as acusações. “Não preciso ser eleito em nome do poder. Eu tenho casas no mundo inteiro, barcos estupendos, belos aviões, uma esposa linda, uma família bonita. Eu estou fazendo um sacrifício.”

Quando enfim chegou ao poder, o governo de Berlusconi aprovou uma lei que deu a ele e a outras figuras públicas de destaque imunidade de acusações enquanto estivessem no cargo. Essa lei mais tarde foi derrubada pelo tribunal constitucional.

Uma imensa campanha publicitária nos vários canais de televisão de Berlusconi o levaram à vitória nas eleições de 1994. E ele foi escolhido primeiro-ministro e chefe de um governo de coalizão.

Mas isso não durou muito. Rivalidades entre os três partidos de coalizão, unidas ao indiciamento de Berlusconi por fraude fiscal por uma corte de Milão, levaram ao colapso do governo apenas sete meses depois.

No entanto, anos depois, em 2001, ele voltaria ao posto de primeiro-ministro como chefe de uma nova coalizão conhecida como Casa das Liberdades.

O principal mote dessa campanha eleitoral era a promessa de reformar a economia italiana, simplificar o sistema fiscal e aumentar as pensões.

No entanto, com a piora da economia global, o Produto Interno Bruto (PIB) italiano caiu, e Berlusconi não conseguiu cumprir suas promessas.

Em 2006, apesar de ter reescrito a lei eleitoral para beneficiar sua coalizão, ele foi derrotado por um grupo inclinado à esquerda comandado pelo político e economista Romano Prodi.

Humilhação política

 

O governo Prodi enfrentou dificuldades desde o começo e, menos de dois anos mais tarde, em abril de 2008, Berlusconi se tornaria primeiro-ministro da Itália de novo.

O Forza Italia foi desmantelado, e em seu lugar surgiu o Povo da Liberdade (Popolo della Liberta, ou PdL, em italiano), uma organização que, até então, era uma aliança fraca de partidos de direita até que virou um partido político formal em 2009.

No entanto, o novo grupo de Berlusconi começou a se fragmentar quase imediatamente com brigas entre o primeiro-ministro e Gianfranco Fini, presidente da Câmara dos Deputados.

Posto contra a parede, Berlusconi sobreviveu a uma votação para tirá-lo do poder em dezembro de 2010, mas continuou a perder apoio.

Mas o último golpe viria em maio de 2011, quando o PdL foi mal nas eleições locais. Além disso, Berlusconi perdeu o controle sobre Milão, sua base política e econômica, o que foi considerado uma humilhação.

Ele sobreviveu até outubro, mas a crescente crise financeira da Itália levou a uma votação de orçamento, quando perdeu sua maioria. No momento em que saiu a notícia de sua exoneração, as pessoas foram às ruas cantar o coro de Aleluia, de Handel Messiah.

Silvio Berlusconi em 2017
Empresário foi considerado eliminado da política várias vezes, mas sempre deu um jeito de voltar/ Foto: Reuters
 

Berlusconi foi, no entanto, subestimado. Em 2012, ele anunciou que concorreria ao cargo de primeiro-ministro novamente. E, nas eleições de 2013, conseguiu se recuperar de uma enorme desvantagem, e só não venceu por 1%.

Após um período complicado, quando o PdL apoiou o governo de Enrico Letta, o partido se dividiu. E Berlusconi o relançou com seu antigo nome, Forza Italia.

Ele foi a julgamento ao menos seis vezes por uma série de motivos, incluindo:

– Fraude

– Fraude fiscal

– Falsificação de contabilidade

– Tentativa de subornar um juiz

Alguns casos foram julgados, mas ou ele foi liberado ou suas acusações foram anuladas por recurso. Em outros processos, o caso expirou antes que a corte pudesse chegar a uma conclusão.

Sua sorte finalmente acabou quando ele foi condenado por fraude fiscal, em 2013. Sentenciado a quatro anos de prisão (pena convertida em um ano de serviços comunitários devido a idade avançada) e perdeu sua cadeira no Senado.

Ele também foi condenado a sete anos de prisão por fazer sexo com uma menor de idade, Karima El Mahroug, conhecida como Ruby, e por abuso de poder, embora tenha conseguido se livrar dessa última após recurso.

Banido de cargos públicos, envolvido em escândalos e enfrentando vários problemas de saúde, parecia que desta vez a carreira política de Berlusconi havia terminado. Mas o rei da política da Itália tinha outros planos.

Karima El Mahroug
Berlusconi foi condenado por manter relações sexuais com Karima El Mahroug, conhecida como Ruby, quando ela tinha apenas 17 anos/ Foto: Reuters

Perto das eleições em março de 2019, sua coalizão de centro-direita subiu nas pesquisas de opinião em meio do medo de italianos da imigração em massa e um aumento do populismo no país após uma rejeição crescente da União Europeia.

Por mais que estivesse impedido de concorrer ao cargo de primeiro-ministro, seu partido, Forza Italia, poderia ter poder para formar um governo de coalizão de centro-direita, o que poderia levá-lo de volta à política mais uma vez. Acabou, porém, ficando em segundo lugar.

Negócios e política

 

Berlusconi tinha uma personalidade extravagante e não mantinha discrição sobre seus encontros com mulheres nem sobre o uso de transplantes capilares e cirurgias plásticas para parecer mais jovem.

Também ficou notório seu senso de humor questionável, que rendeu uma série de famosas gafes, além de falas altamente criticadas.

Ele chegou a sugerir que um membro alemão do Parlamento Europeu daria um bom guarda de campo de concentração e, em outra ocasião, disse que Mussolini foi um bom líder.

Questionado posteriormente sobre essas falas, disse que foram apenas piadas. E acrescentou: “comunistas comem criancinhas”.

Seu envolvimento com quase todo aspecto da vida italiana é provavelmente o que mais irritou seus críticos, especialmente quando se trata de seu império midiático, que muitos dizem ter lhe dado injusta vantagem nas eleições que disputou.

Muitos italianos que votaram nele acreditaram que seu sucesso como empresário era uma evidência de suas capacidades, um motivo para ele liderar o país.

Berlusconi sempre refutou as acusações de seus oponentes de que sua prática de misturar negócios e política foi mais benéfica para ele pessoalmente do que para a Itália como um todo.

“Se ao cuidar do interesse de todos eu também cuido dos meus, você não pode falar de conflito de interesse.”

(Fonte:BBC News Brasil)