Um ano e quatro meses após ser levada recém-nascida para Portugal, vítima de tráfico internacional de pessoas, uma bebê de Valinhos (SP) voltou ao Brasil nesta segunda-feira (24) em uma operação coordenada entre a Polícia Federal (PF) e a Polícia Judiciária Portuguesa.
A investigação apontou que a mãe da menina, provavelmente de Marabá (PA), teve a bebê na Santa Casa de Valinhos e foi embora da cidade. O empresário apontado como responsável pelo esquema registrou a criança e pediu a guarda unilateral para tirá-la do país, em novembro de 2023.
A menina foi encontrada em dezembro de 2023 com o marido do suspeito, na cidade de Valongo, na região metropolitana de Porto, em Portugal. Desde então, a menina ficou sob cuidados de uma família acolhedora no país europeu.
Leia mais:Segundo decisão da Justiça, a bebê será entregue aos cuidados de uma instituição de Valinhos que promove o acolhimento familiar.
Policiais foram buscar a bebê
Para repatriar o bebê, policiais federais brasileiras permaneceram alguns dias com contato e cuidados com o bebê em Portugal juntamente com a família acolhedora portuguesa.
Segundo a PF, a medida garantiu uma “forma digna e humanizada para a mudança de país para um bebê que já compreende e reconhece pessoas e lugares.”
“Em atenção à dignidade e ao bem-estar do bebê, a Família Acolhedora em Portugal já está em contato com a Família Acolhedora no Brasil, para compartilhar informações essenciais e garantir uma transição acolhedora e cuidadosa. O vínculo criado durante esse período será respeitado, e as famílias continuarão em comunicação, mantendo um elo que visa o melhor interesse da criança”, destaca o comunicado da PF.
Batizada de Pérola, a operação foi concluída nesta segunda-feira (24) com a repatriação da menina.
Durante o período em que a bebê esteve em Portugal, autoridades do país europeu precisaram confirmar que efetivamente ela não se tratava de criança portuguesa, pois os registros haviam sido falsificados quanto a sua nacionalidade e naturalidade.
O processo para repatriar a criança cumpriu o que determina o Protocolo de Palermo, marco internacional que consolida e orienta a estratégia global de prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas
‘Não é pai das crianças’
De acordo com o Ministério Público, o empresário português não estava no Brasil quando as crianças que ele alega ser pai foram concebidas.
A promotora Aline Moraes ressaltou que a investigação da Polícia Federal (PF) apontou que as mães dos bebês alvo do esquema tampouco deixaram o país, já que não tinham passaporte.
“Por isso estamos afirmando que ele não é o pai, e que o registro das crianças se deu de forma falsa”, afirmou Aline.
Equipe desconfiou
O caso de tráfico internacional de bebês investigado pela Polícia Federal de Campinas (SP) foi denunciado ao Ministério Público (MP) por uma pessoa que teve contato com funcionários e médicos do hospital onde as crianças nasceram.
A promotora destacou como “corretíssima” a ação dos funcionários da Santa Casa, que gerou a comunicação do fato por uma terceira pessoa.
“Enquanto a mãe teve alta e deixou o hospital com a criança internada, deixando Valinhos, ela e o português compareciam ao hospital, às vezes somente ela, para verificar a criança, em visitas diárias de cerca de 10 minutos”, relata a promotora.
Documentos falsos
A representante do MP também afirmou sobre a ilegalidade da documentação, só restando apurar se foram apresentados documentos falsos em dois locais (Valinhos e Itatiba), ou em um deles. “Não há como ter domicílio nas duas cidades no prazo de um mês. Esse fato gerou bastante dúvida”.
Nesse ponto, um escritório de advogacia em Itatiba (SP) é alvo de investigações. Para a promotora, essa divergência de domicílios aponta que as advogadas, que entraram com ações de guarda tanto em Valinhos como na comarca em que atuam, teriam “pleno conhecimento” de que se tratavam de endereços falsos.
Bebê encontrada
A Polícia Judiciária de Portugal, em parceria com a Polícia Federal, localizou a bebê de 38 dias nascida em Valinhos (SP) que foi levada para Portugal, no dia 16 de novembro de 2023, vítima de tráfico humano.
Segundo a polícia portuguesa, a bebê estava com o marido dele na cidade de Valongo, na região metropolitana de Porto.
“A recém-nascida, vinda para Portugal , foi localizada pela Polícia Judiciária em boas condições de saúde, na companhia do cônjuge, tendo sido entregue em casa de acolhimento”.
O que se sabe do caso
- A mãe da menina é, provavelmente, de Marabá (PA) e, após ter a bebê na Santa Casa de Valinhos, foi embora da cidade.
- O empresário registrou a menina e outro bebê como filhos, mas pediu a guarda unilateral (requisito para sair do país sem autorização das mães) em duas cidades diferentes (Valinhos e Itatiba) usando dois endereços diferentes.
- Uma brasileira, que se disse secretária de Márcio, é suspeita de ajudar o português com documentos falsos e na comunicação entre ele e as mães.
Cronologia do português no Brasil
- 24/10/2023: Marcio chega ao Brasil pelo aeroporto de Guarulhos alegando visita a negócios
- 28/10/2023: Nasce a primeira bebê, uma menina, e é registrada como filha de Marcio
- 30/10/2023: Marcio pede à Justiça a guarda unilateral da primeira bebê
- 01/11/2023: Passaporte da primeira bebê é emitido
- 15/11/2023: Justiça concede ao Marcio a guarda unilateral da primeira bebê
- 16/11/2023: Marcio deixa o Brasil com destino a Portugal levando a primeira bebê
- 21/11/2023: Nasce o segundo bebê, um menino, também registrado como filho de Marcio
- 23/11/2023: Marcio volta ao Brasil alegando novamente visita a negócios
- 24/11/2023: Marcio pede à Justiça a guarda unilateral do segundo bebê
- 30/11/2023: Promotoria de Valinhos comunica a PF sobre a suspeita envolvendo Marcio
- 30/11/2023: Polícia Federal inicia a investigação por suspeita de tráfico internacional
- 01/12/2023: Polícia Federal pede à Justiça Federal os mandados judiciais contra Marcio e os outros investigados
- 04/12/2023: Polícia Federal prende Marcio antes que ele conseguisse fugir com o segundo bebê e cumpre outros quatro mandados judiciais em Valinhos e Itatiba contra a suposta secretária do português e as advogadas dele
O g1 tenta encontrar a defesa do empresário, mas, até a última atualização da PF, ainda não tinha conseguido contato.
Empresário alegou que bebês seriam adotados
Em depoimento informal à PF, durante a prisão, Marcio Mendes Rocha afirmou que é casado com um homem e que os bebês seriam adotados por ele.
A delegada responsável pelo caso, no entanto, reforçou que, ao se colocar de forma fraudulenta como pai e retirar a criança do país, o crime de tráfico já está configurado.
“O que temos de imediato é que ele efetivamente já traficou uma criança, já levou uma criança irregularmente para Portugal e estava tentando levar outra. Ele claramente violou regras e cometeu crimes gravíssimos”, afirmou Beraquet Costa.
“Eles desconfiaram porque houve o nascimento de uma menina em outubro, de uma mãe e um pai de nacionalidade portuguesa, e cerca de 30 dias depois, essa mesma pessoa retornou com outra mãe, que teve um filho dele. Além disso, eram pessoas que não tinham qualquer relação com a cidade, não moravam ali, e isso causou dúvidas acerca da paternidade e indícios de que poderia ser criminoso”, destacou.
Aline Moraes ainda detalhou que o comportamento do português, e de uma intermediária, que ora se apresentou como irmã e depois como secretária do empresário, causou estranheza na equipe. A investigação ainda vai apurar seu papel no esquema.
(Fonte:G1)