Desde 23 de março de 2020, o teletrabalho (ou trabalho remoto) é regulamentado para servidores do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA). A decisão, que a priori foi necessária devido às medidas sanitárias para combater a pandemia de covid-19, foi perpetuada para além desse período de restrição e até hoje segue firme como modalidade de trabalho em diversos cenários. O fenômeno causou um esvaziamento de advogados e partes nos corredores do Fórum da Comarca.
Em Marabá, o juiz Caio Marco Berardo, titular da Vara de Execução, Penal da Comarca, estava como diretor em exercício do Fórum local, além de participar de inúmeras comissões do TJPA, ligadas à gestão de tecnologia, principalmente no que diz respeito à pauta carcerária.
Em entrevista ao Correio de Carajás, o magistrado falou sobre como a conversão do trabalho presencial para o remoto afetou o cotidiano do fórum, s suas vantagens e benefícios e faz um balanço que relaciona o quantitativo de juízes e servidores com o número de processos movimentados na Comarca.
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Correio de Carajás – A gente percebe um esvaziamento histórico nos corredores do Fórum depois que as audiências passaram a ser online, a partir da pandemia. O que tem impactado para que esse esvaziamento aconteça?
Caio Marco Berardo – Essa foi uma consequência que a pandemia gerou para toda a sociedade, em especial ao Poder Judiciário, mas esse esvaziamento foi além do provocado pela pandemia. Aqui no Pará, podemos dizer que além das audiências online, tivemos o avanço na digitalização de todo o acervo processual, que anteriormente era físico e que nesse período, coincidentemente, passou a ser eletrônico. Hoje, nós não temos mais nenhum processo material no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) e, fazendo uma comparação, são poucos tribunais (no Brasil) que estão 100% digital.
Então, aliado à circunstância das audiências virtuais e telepresenciais, houve um esvaziamento geral do fórum. Não é só o fato de as pessoas não comparecerem para a audiência, os próprios advogados que vinham todos os dias para consultar os processos no balcão, deixaram de vir, porque bastava abrir o computador para acessar o processo da sua casa, do seu escritório, a hora que for.
Correio – A experiência parece que foi exitosa. Nesse contexto, qual balanço o senhor faz, lá da pandemia e como isso, de alguma forma, trouxe referências para os magistrados atualmente?
Caio Berardo – Isso gerou, consequentemente, uma adequação do funcionamento. No começo existe uma certa resistência, um certo desafinamento do funcionamento entre as instituições, pois muitos estão acostumados com aquela presença e aos poucos a coisa foi se acomodando, foi entrando no eixo.
Correio – O senhor tem ideia de quantos por cento das audiências estão sendo online? Ainda estamos tendo algumas presenciais, aqui no Fórum?
Caio Berardo – É um percentual grande, não temos os números exatos hoje. É bem grande, mas ainda há audiências presenciais. A legislação diz que a audiência vai ser online se as partes assim desejarem, do contrário ela vai ser presencial. O curioso é notar que praticamente ninguém se opõe à audiência online, muito pelo contrário. É muito mais cômodo, mais prático para os advogados, para as partes permanecerem no seu local para não sair da sua rotina. Então, naquelas vezes há um assoberbamento das audiências e a pessoa poderia ficar esperando um pouco, é melhor ela ficar aguardando em casa, ou no trabalho, se ocupando com outra coisa enquanto a audiência não começa.
Correio de Carajás – E quais as vantagens que esse formato de teletrabalho acarreta para o judiciário?
Caio Berardo – Nós vemos um aproveitamento melhor do tempo. Por exemplo, na parte criminal, se ganha muito porque era gasto tempo e dinheiro com o deslocamento do preso, além da própria segurança. Agora, o indivíduo permanece no local, tem a sala de vídeo lá no presídio e ele é só deslocado, não é retirado da penitenciária, você não precisa transportar o preso. Há uma série de vantagens.
Correio de Carajás – Muitos advogados da Comarca reclamavam do acesso ao Processo Judicial Eletrônico (PJE), porque é uma plataforma que às vezes trava. Já se observa uma melhora no PJE?
Caio Berardo – Eu tive a oportunidade de participar da implementação do PJE em todo o Estado e mais ainda na parte criminal. Houve o impacto da mudança. Realmente existe, tivemos alguns períodos de problemas muito frequentes, estruturais, que na sua maioria das vezes não é local, do TJPA, mas de ordem geral, porque o PJE é um sistema nacional gerenciado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Realmente, houve alguns períodos bem complicados, mas a gente notou uma melhoria muito grande nos últimos tempos. Temos percebido que quanto mais se investe, mais simples fica.
Correio de Carajás – Essa ferramenta é bem recente, mas como era antes, com processos físicos??
Caio Berardo – Eu trabalho no sistema de justiça há 36 anos, me lembro quando manuseava, como servidor, um processo físico, às vezes, naquela imensidão de processos, demorava para localizar um documento, ficava um longo tempo naquela pilha de petição enorme, para juntar. Hoje, mesmo que o PJE fique fora do ar dois, três dias, ainda é mais rápido do que acontecia antes. Não que possa ficar, muito pelo contrário, a gente tem que se adaptar. Mas então, é por todos esses percalços que eu vejo vantagem na digitalização.
Correio de Carajás – Com o menor fluxo de advogados e cidadãos nos corredores do fórum, os servidores passaram a ter mais tempo para se dedicar aos trâmites processuais.
Caio Berardo – De maneira ampla, nós podemos dizer que sim, sem dúvidas. Foram feitos levantamentos e a apreciação, por exemplo, de uma liminar, foi reduzida em cinco vezes. O que demorava dez dias para se analisar, passou para dois. Isso de forma geral, no Estado todo. É lógico que nós temos problemas pontuais, vamos dizer de Marabá, propriamente dito. Marabá, hoje, só perde em movimento processual para Belém e Ananindeua, no Estado. Porém, o número de juízes e de servidores, proporcionalmente, é bem menor. Muito embora tenha-se aumentado a produtividade de cada juiz, de cada servidor, não foi suficiente, ainda, para alcançar a progressão que teve no número de processos. A verdade é que o acesso à justiça aumentou muito.
Correio de Carajás – Sabemos que vocês trabalham com metas, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coloca para serem cumpridas. E agora que os juízes trabalham de casa, às vezes no fórum mesmo, eles têm passado mais tempo analisando processos. Como está sendo a gestão desse tempo?
Caio Berardo – A gente percebe que realmente há uma dedicação maior e eu falo por mim mesmo. Muitas vezes eu me pego, à noite, abrindo o tablet e dando uma olhada para ver como estão os processos, porque é a hora que você tem. Se não tivesse ali, ia ficar sem fazer nada, mas como você lembra, dá uma olhadinha no processo, vê o que tá na fila, o que dá para fazer. Para aqueles que se dedicam ao trabalho, é uma oportunidade a mais. Mas também é preocupante e tem que se gerenciar muito bem o tempo, porque nesse período se constatou, também, maiores adoecimentos por conta do excesso de trabalho.
Correio de Carajás – Em relação aos números, quantos juízes, servidores e processos nós temos aqui em Marabá?
Caio Berardo – São 11 juízes aqui em Marabá, sendo que um deles ainda é um juiz regional, que é o agrário. Ele não atua só para Marabá, ele fica responsável por mais de 25 municípios. Nós temos em torno de 150 a 200 servidores, que estão envolvidos direta e indiretamente com os processos. Só para ter uma ideia, Marabá tem hoje em torno de 280 mil habitantes, Santarém em torno de 310 mil. Fazendo uma comparação, temos um movimento maior de processos e nós contamos com 11 (juízes) e Santarém possui 16, tendo uma distribuição mais suave. Tivemos a visita da nossa presidente do TJPA, que se comprometeu a fazer esforços para conseguirmos instalar mais duas varas em Marabá, para podermos desafogar um pouco.
Correio de Carajás – Caso essas vagas sejam criadas, como isso vai beneficiar a nossa comarca?
Caio Berardo – Hoje as varas cíveis são as mais sobrecarregadas. Nós temos quatro, de uma maneira geral, só que uma delas faz toda a parte de fazenda pública, além de uma parte cível e comércio. Temos uma que faz a parte de infância e juventude, também considerada cível. Verdadeiramente fazenda, cível e comércio são duas varas, e hoje não temos vara de família. O nosso movimento já é suficiente para ter um juiz, uma equipe especializada em família, o que ajudaria muito. Essa vara (atual) seria transformada em vara de fazenda, porque ela faz a parte fazendária, mas ainda recebe o material cível em geral, o que a impossibilita de ser especializada realmente.
(Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)