Correio de Carajás

Atenção Básica é porta de entrada para o atendimento à Saúde Mental

Oscilação de humor, dores inexplicáveis, dificuldade para dormir, falta ou excesso de apetite, esquecimento ou desatenção são fatores comumente ignorados e arrastados adiante, sem muito cuidado ou atenção porque pouco se sabe sobre atendimento à saúde mental na rede pública. Normalmente, o primeiro pensamento quando surge um alerta da necessidade de atendimento psicológico é quanto isso pode custar. A partir disso, quando os casos não são considerados tão graves, é natural as pessoas sequer procurarem o tratamento.

O que pouca gente sabe, contudo, é que esse acolhimento é realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em Parauapebas, por exemplo, todas as unidades básicas de saúde da área urbana possuem equipes psicossociais, conforme explica o supervisor da Rede de Atenção Psicossocial, Wagner Dias Caldeira.

Wagner Caldeira explica como funciona a Rede de Atenção Psicossocial

“A atenção básica é a porta de entrada, inclusive para quem não sabe se está em crise. Se o familiar vê que a pessoa está com uma alteração de ansiedade, por exemplo, que dá tremores, taquicardia, e não sabe se vai ao posto, ao Caps (Centro de Atenção Psicossocial) ou se chama o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), deve procurar o posto de saúde. A Unidade Básica de Saúde é porta de entrada para tudo”, diz.

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O supervisor explica que as equipes atuando nestas unidades são formadas por psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, atendendo ao que preconiza o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), cuja portaria foi publicada em 2008 pelo Ministério da Saúde. Além disso, os médicos da atenção básica são capacitados para prescreverem a medicação adequada e encaminharem o atendimento ao profissional especializado, no caso o psiquiatra,  se houver exigência de maior atenção.

De 2016 até 2020 o atendimento em saúde mental nas unidades básicas teve considerável aumento. Os casos de uso de álcool aumentaram em 12,20% e os de outras drogas em 12,50% no período, embora o uso de outras drogas seja 38 vezes menor que o da bebida:  388 contra 14.810 em 2020. Caldeira pondera que os dados tratam de usuários e não necessariamente de pessoas que fazem uso problemático das substâncias.

O crescimento que mais chama a atenção, porém, é o de diagnósticos por problemas de saúde mental, de 76,72% entre 2016 e 2020, tendo aumentado de 67 atendimentos no primeiro ano contabilizado para 597 no ano passado.

Conforme o supervisor, que também é psicólogo, essa ampliação dos atendimentos foi percebida principalmente pela distribuição de mais equipes psicossociais e em decorrência da pandemia de coronavírus, que contribuiu para que o sofrimento mental se fizesse mais presente.

Caldeira informa que na atenção básica os casos mais comuns são transtornos ansiosos e depressivos em mulheres. “Quer dizer que a mulher sofre mais? Talvez não. É porque ela procura mais. Em relação aos homens, coincidentemente, o que aparece mais é uso de álcool e outras drogas. É a forma como a masculinidade e a feminilidade foram construídas. À mulher é permitido buscar a ajuda de uma amiga, de um psicólogo, de um pastor, etc.”, diz, informando que após a pandemia aumentaram os casos relacionados a estes dois transtornos, principalmente a ansiedade.

Já o homem, destaca, costuma procurar ajuda por questões relacionadas ao uso de álcool e outras drogas. “Para ele não é permitido, por conta da masculinidade, pedir ajuda. O homem também não conversa com o outro sobre as angústias, então parte para a bebida ou uso de outras drogas”, informa, acrescentando ser importante lembrar que a política de saúde mental é transversal e não lida apenas com pessoas apresentando transtorno mental.

“Pelo menos 3% dos usuários de álcool começam a apresentar problemas de uso prejudicial e essas pessoas precisam de tratamento, elas não podem ser excluídas. O uso do álcool é incentivado socialmente e é de baixo custo. É uma demanda que precisa ser mais incluída”, observa.

Caldeira lembra que outra parcela da população brasileira apresenta transtornos de persistência, considerados graves e que necessitam dos cuidados do Centro de Atenção Psicossocial, principalmente casos de esquizofrenia, paranoia, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade grave e borderline.

Há, também, a preocupação com a ideação suicida, o comportamento autolesivo e as tentativas de suicídio. “Temos atendido muitos casos dessa natureza, principalmente entre adolescentes. É a faixa que mais cresce, que mais tenta suicídio e onde o assunto muitas vezes é banalizado, entendido como drama da adolescente, mas são pessoas que precisam de cuidado, por mais banal que pareça, porque ali existe um sofrimento”, alerta.

AINDA HÁ PARA ONDE AVANÇAR

A Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), foi instituída em 2011 por portaria do Ministério da Saúde e articula os demais serviços já existentes, além de ter criado novos.

O psicólogo detalha que ela inclui, por exemplo, o Samu, a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento), os hospitais, pronto-socorro, CAPS e todas as unidades básicas de saúde. “As pessoas normalmente pensam que é só o CAPS ou serviços especializados, mas quando trabalhamos a perspectiva de rede trabalhamos todas as intensidades de sofrimento mental”, ilustra, esclarecendo que o sofrimento nem sempre é um transtorno.

“Se é leve, moderado, pode ser cuidado na atenção básica. Se passa a ficar grave, se começa a persistir, pode ser cuidado no CAPS. Se a pessoa está em crise, em surto, na via pública ou dentro de casa, pode ser acionado o Samu e vai para o pronto-socorro. Por fim, dependendo da situação, esse paciente pode ser internado nos leitos da clínica psicossocial”, resume, informando que o Hospital Geral de Parauapebas possui oito leitos dessa natureza.

Para o supervisor, o município está bem equipado em recursos humanos, mas ainda falta articulação no território. “Não é só com psicólogo, assistente social e médico que a gente faz saúde mental. A gente faz com a geração de emprego e renda, com moradia, com cultura, com literatura, tem a questão nutricional, então é o tudo. O transtorno mental é multifatorial”, defende.

Para melhorar esse cenário a partir da rede, adianta, a campanha a ser desenvolvida no Setembro Amarelo deste ano deve incluir ações junto às lideranças religiosas e aos cabeleireiros. “Os pastores, por exemplo, atendem muita gente com ideação suicida e com depressão. É bom que eles estejam minimamente instrumentalizados para fazerem a escuta dessas pessoas e as encaminharem para onde tem que encaminhar. Estamos querendo trabalhar com cabeleireiros porque eles escutam muito. A ideia é qualificar um pouco essas escutas para poderem encaminhar as pessoas para a rede, porque muita gente tem dúvidas”.

A possibilidade de  melhorar as políticas para as pessoas em sofrimento ou transtorno mental passa, também, pelo investimento público. Caldeira lembra que a manutenção do serviço em saúde mental é tripartite, ou seja, financiada pelas esferas federal, estadual e municipal. Em Parauapebas, entretanto, apenas duas delas estão cumprindo com o papel.

“Atualmente, o estado dá suporte técnico quando precisa, mas não tem entrado com nenhum aporte financeiro. Isso está sendo discutido agora para se colocar no orçamento do próximo ano. A União, especificamente, encaminha R$ 52 mil mensais para a manutenção do CAPS e aproximadamente R$ 40 mil para os leitos de internação psicossociais”. Nesse contexto, menos de R$ 100 mil mensais são aplicados pela União em recursos específicos. Parte dos serviços, contudo, são mantidos com o financiamento geral das unidades básicas de saúde e da assistência farmacêutica. O restante é coberto pela gestão municipal.

“Para melhorar esse cenário o estado precisa entrar com a parte dele e a gente precisaria usar menos remédio e menos médicos especialistas”, analisa o supervisor, afirmando que o psiquiatra, por exemplo, é necessário, mas não deveria ser empregado no atendimento a problemas simples, como uma insônia de dois ou três dias.

“Isso acaba criando uma demanda muito grande para médico especialista, que é caro. Por isso, estamos fazendo um trabalho com atenção básica para capacitar os médicos generalistas e estes cuidarem dos casos simples. Dessa forma, pretendemos usar menos remédios e temos que usar mais os recursos do território. Imagine termos projetos onde você insere pacientes com transtornos mentais severos e persistentes na zeladoria, no cuidado da cidade, ou fazendo alguma coisa que a Prefeitura possa comprar. Isso vai fazer bem para eles e pode ser muito mais barato que comprar remédios, que são caros”, finaliza. (Luciana Marschall)