Trazendo nas mãos um copo de café com seu nome escrito em versão abrasileirada – ‘Zaque’ -, Zachary Levi entrou na sala com um grande sorriso no rosto. “Oi, muito prazer”, disse ele em um português impecável, confessando ter se atrasado uns minutinhos por não conseguir parar de comer os pães de queijo. “Já comi uns 20 só essa manhã e poderia comer sem parar!”, disse, mostrando a simpatia que cativou os fãs em sua primeira visita ao país.
Alçado ao estrelato no seriado ‘Chuck’, no qual interpretava o personagem título, um nerd que se torna acidentalmente espião, o ator veio ao Brasil para divulgar o filme Shazam durante a CCXP. O longa conta a história do garoto Billy Batson (interpretado por Asher Angel), um órfão que foi presenteado por um mago com o poder de tornar-se um super-herói ao dizer a palavra “Shazam!”, adquirindo as habilidades de diferentes heróis da mitologia – a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, o vigor de Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio.
Dar vida a esse personagem, segundo Levi, foi um sonho realizado, já que ele não é um novato quando se trata do universo dos super-heróis, tendo interpretado o herói asgardiano Fandral nos filmes Thor: Mundo Sombrio e Thor: Ragnarok, além de ter dado voz ao anti-herói Flynn Ryder, do desenho Enrolados.
Fã de HQs e assumidamente nerd, comanda desde 2011 a Nerd Machine uma companhia multimídia que tem como intuito ser um hub de conteúdo para esse público, e promove todos os anos na San Diego Comic Con o painel Nerd HQ, trazendo convidados, que ele mesmo entrevista, para falar ao público da convenção.
Falante e brincalhão, na conversa Zachary deu conselhos sobre como lidar com os haters, falou sobre sua transição entre os universos Marvel e DC e comentou a preparação para viver seu mais novo personagem, que considera o papel mais alinhado ao seu jeito ‘criança’ de ser. Confira abaixo.
Como foi essa transição de Marvel, onde você interpretou o personagem Fandral nos filmes “Thor: Dark World” e “Thor: Ragnarok”, para DC, onde você é a estrela de “Shazam”? Sendo um grande fã de super-heróis, como é para você ter feito parte desses dois universos?
Zachary Levi – Foi incrível! Quer dizer, não foi incrível morrer em Thor, tipo, foi tão sem cerimônia, eu não consegui nem falar nada na cena. Mas foi uma grande honra ter feito parte do universo da Marvel, algo que eu pensei que nem fosse acontecer, pois fui escalado para o primeiro filme pelo Kenneth Branagh e na época eu fazia o seriado Chuck, e eles não permitiram que eu fosse gravar o filme e aí tive que desistir e logo pensei ‘Bom, não vai mais acontecer de novo’. Mas o Josh Dallas, que entrou no meu lugar, estava gravando Once Upon A Time e também não foi liberado para as gravações, então a Marvel voltou a me procurar e então perguntaram se eu poderia voltar e achei tudo muito doido, porque não imaginava que pudesse acontecer novamente comigo. Então se você ama algo, deixe livre.. (risos) Enfim, isso foi bem legal mas infelizmente não tivemos muito o que fazer no segundo filme. Eu queria muito ter tido a oportunidade de fazer mais, mas ainda assim foi muito bom ter feito parte disso.
Mas o que é ainda mais legal é estar agora no universo DC e ter o meu próprio super-herói, o nome do filme, ter uma capa.. (risos) Eu não poderia ter sonhado com um papel mais certo pra mim, pois eu sou mesmo uma criançona na vida real e agora pude interpretar uma, com super-poderes, o que é muito divertido. (risos) E sendo um grande fã de quadrinhos, tudo isso é incrível, pois eu os lia quando era criança, sigo lendo agora que sou adulto, jogando videogame, e fico muito grato que o que antes era considerado algo de nicho ou meio nerd agora é considerado cultura pop. Todo mundo sabe quem é o Iron Man, o que é algo muito louco se você parar pra pensar, porque todas essas pessoas que costumavam evitar a mim e aos meus amigos porque gostávamos de X Men agora são grandes fãs, e eu considero isso algo muito bom.
Se você for pensar, o Shazam sempre foi meio obscuro, pois mesmo pessoas que gostam de quadrinhos não costumam conhecer o personagem tão bem e infelizmente isso aconteceu devido à estranha jornada pela qual esse personagem passou; ele começou como Capitão Marvel, mas agora temos uma outra Capitã Marvel totalmente diferente, porque a DC perdeu os direitos de uso do nome para a Marvel, então era uma história meio triste que ninguém conhecia direito, mas agora o filme foi feito.. e eu sinceramente não acredito no tempo que levaram pra fazer esse filme, porque é o mais simples e icônico, é o sonho de toda criança.. Quando éramos pequenos todos nós ficávamos correndo, brincando de faz de conta, fingindo que o chão era lava, e acreditando que era só dizer a palavra certa e você poderia ser um super-herói. E é exatamente o que esse filme é. Então fico muito empolgado que todos esses filmes de super-heróis acostumaram as pessoas a pensar que é um universo legal e agora virá o Shazam e será o maior e melhor de todos! (risos)
Billy é um adolescente num corpo de adulto. Você aprendeu algo que não sabia sobre os adolescentes?
ZL – Aprendi a fazer o flossin’ (risos) É como eu disse antes, eu sempre fui meio criança, então eu não sei se cheguei a me desprender totalmente da minha adolescência.. Graças a Deus a acne pelo menos foi embora (risos).. Mas não sei se aprendi algo novo sobre os adolescentes, porque no fundo acho que as coisas não mudaram muito quando falamos sobre os adolescentes, porque por mais que a tecnologia tenha mudado, a sociedade definitivamente tenha mudado e agora temos redes sociais – e sou muito grato por não existir o Instagram quando eu era adolescente, porque naquela época eu odiaria a minha vida se ficasse comparando constantemente com a dos outros, como eu faço agora que sou adulto, tipo, fico vendo a vida de todo mundo e pensando ‘poxa como a minha vida é um saco’. Aliás, por que fazemos isso com nós mesmos?!
Mas nem mesmo uma nova gíria ou algo do tipo?
ZL – Acho que as gírias são meio que universais agora, porque os adolescentes estão usando gírias do hip hop, e ainda assim acho que o hip hop meio que norteia o que as pessoas falam, tipo a expressão “woke”; coisas assim tornam-se parte do que falamos no dia a dia, mas não necessariamente são coisa de adolescente, são meio que algo que é de todos. Eu só tento ter o mais reativo e emotivo que eu posso ser, porque os adolescentes não pensam muito eles são mais assim. Foi nisso que eu foquei.
E como você se preparou fisicamente para viver esse personagem? Teve que entrar em alguma dieta, fazer algo específico pra ficar mais forte? E você também postou no Instagram sobre ter que tingir o cabelo, não?!
ZL – Eu frequentei a academia 5 a 6 dias por semana durante quase um ano e meio, comendo de 3 a 4 mil calorias por dia, mas não as calorias divertidas, tipo sorvete, pizza ou pão de queijo (risos), mas coisas leves e chatas como frango e brócolis. E você tem que comer muito disso, tipo, eu poderia comer um pote de Haagen Dazs e conseguir atingir as 3 mil calorias dessa forma, mas na verdade eu tive que comer muito frango com brócolis pra chegar lá. No entanto eu estou mais forte e mais saudável do que jamais estive, e sou grato por isso, por ter me tornado um novo homem.
Sobre tingir meu cabelo, bem, aos 38 anos os cabelos brancos já começam a surgir, e tudo bem, porque faz parte de se tornar mais velho, mas não dá muito pra ser um super herói e ter cabelo grisalho porque, bem, não funciona dessa forma (risos) e o Shazam sempre teve esse cabelo preto clássico, por isso eu tive que tingir meu cabelo e ainda pude pôr a culpa em alguém, falando que não era por minha causa, que era para um trabalho.
Você gostava de ler quadrinhos quando era criança?
ZL – Ah sim, eu era muito fã de X Men, X Force, enfim, todos os X! (risos) Eu adorava o Rob Liefeld e o Jim Lee, eles eram meus artistas favoritos e acontece que na época eram eles que faziam todos os quadrinhos dos X Men e X Force, então foram os artistas que me cativaram, antes de qualquer coisa, e também eu acho que eu conhecia um pouco mais sobre o universo Marvel. E eu sempre gostei dos mutantes porque adorava a ideia de que eles eram pessoas normais que simplesmente acordaram um dia e seus genes sofreram uma mutação. Até hoje eu fico torcendo pra acordar e meus genes terem sofrido uma mutação (risos) tipo eu acordar flutuando no meu quarto e pensar “Finalmente consegui! Posso voar!” (risos) embora eu prefira teletransporte, mas acho que podemos conversar melhor sobre isso num outro momento (risos) Então eu adorava isso, me identificava, porque cada um deles tinha alguma habilidade diferente e eles trabalhavam juntos como uma equipe, e eu sempre gostei dessa coisa de trabalho em equipe, então comecei lendo cada vez mais sobre isso e depois conforme fui crescendo fui lendo graphic novels… e na hora de pesquisar para o papel do Shazam eu me dei conta do quanto esse personagem é surpreendente e icônico e fui adentrando cada vez mais e me dando conta, tipo, “tem toda uma história por trás da construção desse personagem”, e desde então eu tenho lido cada vez mais sobre ele para poder ser ele.
No trailer podemos ver diversas referências a outros personagens do universo DC. Como o filme apresenta o personagem Shazam para aqueles que não são necessariamente fãs dos quadrinhos e que conhecem apenas os filmes?
ZL – Acho que uma das coisas mais legais do filme é que você não precisa necessariamente conhecer o personagem ou o universo DC porque é algo simples e icônico, é a história de um garoto de 14 anos, órfão, com coração puro, que apenas está tentando encontrar a família dele e é levado para esse reino mágico onde um mago fala “Diga o meu nome e você se transformará em um super-herói”. É algo que qualquer um pode entender. Você não precisa ter um conhecimento aprofundado, aliás, nem precisa gostar de quadrinhos e coisas do tipo, porque é algo muito simples, que fala com o garoto em todos nós. Então acho que é dessa forma que se apresenta.
E em relação a como ele se encaixa com o resto do universo DC, acho que esse é o mais consciente de todos os filmes, porque ele se passa agora depois de muitos desses filmes terem ocorrido, e nesse universo tudo o que vimos acontecer nos outros filmes de fato aconteceu. O Superman existe, Batman existe, Aquaman e Mulher Maravilha existem, o Cyborg e o Flash, e todos eles se juntaram em uma batalha pra salvar o mundo, isso realmente aconteceu. Então é muito legal ver o personagem do Freddie usando uma camiseta do Batman, porque no mundo que vivemos um garoto usa a camiseta dele porque viu os filmes e leu os quadrinhos, já no filme ele usa a camiseta porque existe de fato um cara chamado Batman e também camisetas com a estampa dele, aparentemente (risos) então é muito legal poder acenar para tudo isso e ainda assim estar no nosso próprio mundo.
O que você faria se você fosse ainda um adolescente, acordasse um dia e tivesse os poderes do Shazam? O filme trará na história um senso de responsabilidade para o garoto, já que quando se tem super-poderes você não necessariamente tem alguém pra te treinar ou ensinar a se responsável?
ZL – Tipo o tio Ben, no Spider-Man (risos) “com grandes poderes vem grandes responsabilidades” (risos) Até o Tobey Maguire naquele primeiro filme do Spider-Man disse Shazam quando estava tentando usar seus poderes (risos) Acho que eu me divertiria tanto se tivesse 14 anos e descobrisse que tenho poderes! (risos) Antes de mais nada, eu estaria voando por aí, porque se você descobre que você pode voar você simplesmente vai voar, mesmo que eu ficasse entediado, acho que se alguém me perguntasse onde eu estou indo eu certamente responderia “não sei, mas irei voando até lá” (risos) E claro que tem a super força e a super velocidade, então acho que eu ficaria zoando o tempo todo. Nós fazemos um pouco isso no filme, porque em boa parte do filme o Billy está aprendendo a usar seus poderes pela primeira vez, e tem meio que um Tio Ben, que é o Freddie, que adora quadrinhos e é meio que um expert nisso, porque ele estuda todos esses super-heróis, tem um encantamento por eles e sabe tudo a respeito, enquanto o Billy não é do tipo que sabe, ele é um órfão que está mais preocupado em encontrar sua família. Então o Freddie se torna esse Tio Ben, esse Yoda, ensinando a ele o que ele deve fazer. Mas tem muita responsabilidade que é aprendida ao longo do filme, porque o Billy se dá conta que, claro, dá pra se divertir bastante com isso, mas que ao mesmo tempo ele foi escolhido por um motivo.
Alguns fãs mais intensos podem não reagir bem diante de tantas mudanças, como por exemplo o fato de Shazam ser um filme mais alegre do que o mundo sombrio que a DC costuma retratar. Você já teve uma experiência negativa com a fandom?
ZL – Claro, e acho que não é algo que se limita a fãs do universo DC, acho que qualquer fã pode ser assim. Mas eu penso da seguinte forma, vivemos num mundo onde existe tanto conteúdo disponível, tantos filmes, tantos programas de TV, e também tantos fãs. Tem tantas pessoas que são tão apaixonadas por isso tudo, e isso é maravilhoso, é a única coisa que nos possibilita continuar fazendo o que fazemos, porque as pessoas compram ingressos e assistem os programas de TV, e eu sou tão grato por cada um dos fãs que apoiam a minha carreira. O que vem junto com essa paixão é o fato de que muitas dessas pessoas encontram identificação com esses conteúdos todos, e o que acontece quando alguém, seja um ator, produtor, estúdio, diretor, começa a fazer algo com esse material que essa pessoa acha que não deveria ser feito ou que ela não gosta, psicologicamente o que acontece é que essas pessoas começam a levar isso muito para o lado pessoal, porque está ferrando com a identidade deles, e isso acaba desenvolvendo neles medo e ressentimento, o que leva ao ódio, e é daí que vem essa toxicidade: de pessoas que se sentem sem voz e impotentes em sua vida e vão online, escondidos atrás de seus avatares, porque não se sentem à vontade o suficiente pra mostrar seu verdadeiro nome, rosto ou opiniões, e todo mundo que não exibe sua real identidade online já está com medo se está despejando todo esse ódio. Então, sim, tem diversas pessoas que já fizeram todo tipo de comentário malicioso pelo Instagram, Twitter, mas eu tento nunca desumanizar ninguém.
Acho que parte do problema hoje no mundo é que nos vemos diante de tantas discussões e debates, em diferentes lados, e acaba sendo mais fácil olhar para o lado oposto ao nosso e começar a desumanizá-lo, pensar ‘Nossa, que monstro! Como é possível que essa pessoa pense dessa forma ou se sinta dessa forma?!’, mas, na verdade, eles tiveram um outro aprendizado, eles sentem algo diferente em relação àquilo, e eles podem estar errados, mas a única forma de talvez tentar trazê-los pra perto, e eu espero conseguir fazer isso com muitos fãs que possivelmente não gostem do que estamos fazendo com o Shazam, que está aí há bastante tempo, com muitas interpretações, e tem muitos fãs mais intensos que até hoje acham que deveríamos chamar o Shazam pelo nome Capitão Marvel, por exemplo, e eu tento lembrá-los dizendo algo como ‘gente, não sei o que dizer a vocês, mas tem uma Carol Danvers alí e ela é claramente a Capitã Marvel agora, então será que não podemos desapegar disso?!’ e eles vão seguir insistindo, mas não vou ficar bravo com eles por isso, pelo contrário, vou abraçá-los e convidá-los para uma conversa, para tentarmos olhar juntos para o que estamos fazendo de legal e vamos tentar trabalhar juntos, aceitando esse novo universo.
Se você puder encarar o ódio com amor, olhar essa toxicidade e não levar para o lado pessoal, porque isso também é parte do problema, né, quando alguém está alí odiando você é muito difícil não levar isso pro lado pessoal, mas você tem que saber que isso não tem nada a ver com você, então eu penso ‘legal, vamos deixar essa opinião aqui e vamos dar as mãos e enfrentar isso’, quanto mais fizermos isso e tirarmos um tempo pra conversar e nos posicionar, como criadores de filmes, ‘é, realmente fizemos isso e poderíamos ter feito diferente, mas quem sabe poderemos fazer melhor da próxima vez’. Eu amo ir a convenções, por milhares de motivos, mas principalmente porque eu acredito que os fãs são a força vital da arte, e acredito que, mais do que tudo, eles só querem ser percebidos e dizer ‘investi tanto tempo e dinheiro nos seus filmes e programas de TV’, tipo, o tempo que as pessoas investem comigo e que eu nem sei, assistindo episódios de Chuck diversas vezes ou Thor ou Enrolados ou quando forem ver “Shazam”, o que quer que seja, e eles sentem que me conhecem, quer dizer, eles passaram muito tempo me vendo e ouvindo minha voz e eu vou conhecê-los por apenas 30 segundos, mas mesmo em tão pouco tempo quero poder olhar nos olhos deles e falar ‘eu te noto e eu valorizo você’.
(Vogue)