Enquanto a maioria das mulheres de Marabá ganhava presentes pela data comemorativa na manhã desta quarta-feira (8), a Articulação Feminista do município fazia um ato político na entrada no Ministério Público Estadual (MPPA) e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para cobrar os encaminhamentos de denúncias realizadas no passado relacionadas à violência obstétrica no Hospital Materno Infantil (HMI), a única maternidade pública de Marabá.
Heidiane Moreno, integrante do coletivo que engloba mulheres da zona urbana e rural, com várias associações, sindicatos, movimentos camponeses, classe discente e advogadas, esteve presente e explicou que a razão da reunião em frente ao órgão é a busca por respostas e mudanças acerca da violência obstétrica em Marabá.
Os manifestantes cobraram, além da pertinência de casos de mortes de mães e recém nascidos na maternidade municipal e outras formas de violência com essas mesmas pessoas não somente na unidade de saúde, mas também em outras casas de saúde da cidade.
Leia mais:Segundo ela, o intuito de fazer essa espécie de protesto em frente ao órgão ministerial no Dia Internacional da Mulher é reafirmar essas cobranças e pressionar o Ministério Público acerca deste assunto que atinge muitas famílias marabaenses, principalmente aquelas mulheres que, devido a suas condições econômicas, não conseguem optar por outro local para parir seus filhos que não seja o HMI.
“Nós queremos que o hospital cumpra com suas diretrizes e com as recomendações da rede cegonha, garantindo o direito de acompanhante à gestante, atendimento humanizado, possibilitando a sensibilidade e tranquilidade que cabe a qualquer mulher prestes a dar à luz. Que ela possa ter um momento que não seja visto e lembrado como traumático”, pontua.
O coletivo entende que a estrutura atual do Materno Infantil não comporta o fluxo de partos existentes, uma vez que também atende a outros municípios vizinhos que fazem parte da região de Carajás. No entanto, espera poder contar com o apoio do Estado, tendo em vista o suporte obrigatório.
Heidiane ressaltou que os presentes se concentraram ali em nome de todas as mulheres que precisarão ser atendidas pelo HMI. Além disso, ela frisa que acredita ser possível que uma marabaense possa ter um parto sem violência no município.
Um ofício foi entregue a uma promotora de Justiça e o coletivo espera que haja uma reunião aberta com os movimentos sociais, envolvendo MPPA, SMS, direção do HMI e outros hospitais, para um feedback de que providências estão sendo tomadas a respeito do grande número de complicações e mortes levantado na maternidade do município.
ATO POLÍTICO
Rosemaire Bezerra, mulher, mãe, educadora, socióloga de formação e também integrante da Articulação, reforça que o ato simbólico visa lembrar nesta data específica que é mais um dia de luta e resistência. Se faz necessário lembrar que a consideração e o respeito pela mulher têm que ser cotidianos, por isso a data é vista pela articulista como política.
“Até que se tenha uma condição de equidade na sociedade, onde homens e mulheres sejam socialmente iguais, embora humanamente diferente, será preciso lutar, lutar para que se mude situações como a da violência obstétrica que ocorre contra a mulher”, explica Rosemaire.
Para ela, nascer em uma condição de violência é um desrespeito grave para com a vida. Parir é uma questão emocionalmente importante e sensível para a mulher e as famílias. As violações para o movimento têm a ver com essa situação de saúde pública, a não responsabilização e a não apuração dos fatos. “Qual é a apuração feita do ponto de vista administrativo e criminal em relação a essas mortes?”, questiona, dizendo que é o ato representa um apelo da sociedade de Marabá na totalidade.
Rosemaire ressalta que não é de hoje que o HMI é uma pauta polêmica, mas que possui um histórico de denúncias, e, ainda assim, as providências ficam no âmbito das recomendações e solicitações. Ela levanta também que as mulheres grávidas têm medo de parir no Materno Infantil, usando sua própria história como exemplo.
Mãe de duas crianças, ela assume ter chorado ao saber que teria que ter um parto na unidade de saúde, pelo tormento de sequelas e de uma possível morte dela ou de seu filho. E observa, também, que não há intenção de criar um clima de terror com o levantamento da pauta, todo mundo tem direito a sua defesa, de apresentar sua reação e o desejo de uma política pública estruturada que garanta um parto decente e digno.
NÚMEROS
De 2019 até o momento houve 48 denúncias de famílias que procuraram o MP a respeito dessas violações. Ela acusa também que há 100% de arquivamento dos casos, que seja impossível que apenas o poder público estar certo e todos esses casos tenham sido inevitáveis, considerando a quantidade de mulheres que tenham levado à mídia seus casos de violência, abuso e as péssimas condições às quais foram submetidas no hospital.
MAIS UMA VÍTIMA, MAIS UMA PERDA
Entre os presentes também estava Jamila da Conceição, de 26 anos, que estaria comemorando os três meses de vida de seu filho no último dia 5, se não fosse o pesadelo que viveu no HMI em dezembro do ano passado quando, segundo ela, entrou em trabalho de parto e, mesmo sem condições de dar à luz sem uma cesariana, foi forçada ao “normal”, situação em que tudo deu errado.
“Eu comecei a sentir dores no dia 4, retornei no seguinte a pedido do médico e nessa data sofri vários tipos de violências, além do pior: a perda do meu filho, que foi tão esperado”, ela garante que o médico e o enfermeiro não lhe deram a devida atenção. Mais do que isso, recebeu um tratamento inadequado, fazendo com que ficasse inchada por uma semana após o ocorrido.
Jamila conta que durante a gestação fez todos os exames e tudo indicava que a criança estava saudável, bem como ela mesma. Isso gera ainda mais indignação por parte da quase mãe, que se preparou por longos nove meses para segurar seu bebê no colo, mas saiu da maternidade para casa com dores, lesões e uma dor incapaz de ser curada: “Não vai passar nunca”. (Thays Araujo)