Em 5 de setembro de 1850, Dom Pedro II, nos termos da Lei nº 582, criou a Província do Amazonas. Atualmente, nesta data, é celebrado o ‘Dia da Amazônia’.
Com mais de 6 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia é a região que abriga a maior diversidade de espécies do mundo. Para além de ser responsável pelo equilíbrio ambiental do Brasil, ela também influencia a dinâmica climática de todo o mundo, servindo, inclusive, como um ‘resfriador’ do planeta.
O CORREIO entrevistou Keid Nolan Silva Sousa, biólogo e professor titular da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Com doutorado em biologia de água doce e pesca interior, ele aprofundou discussões sobre as problemáticas ambientais que cercam o bioma amazônico no sul e sudeste do Pará.
Leia mais:Sendo a maior floresta tropical do mundo, a Floresta Amazônica abriga diversos ecossistemas, como as várzeas (florestas alagadas) e as savanas, além de um complexo sistema hidrográfico que está encaixado entre três regiões geológicas bem definidas: ‘Escudo Brasileiro’, ‘Escudo das Guianas’ e ‘Cordilheira dos Andes’.
“A gente entende um bioma como sendo um lugar que tem características próprias”, explica Keid. O município de Marabá está localizado na borda oriental deste bioma e muito próximo de um outro, o cerrado, sendo considerada uma região de transição.
“Ora, a gente vê plantas e animais que caracterizam a Amazônia, ora a gente vê plantas e animais que caracterizam o cerrado. Então nós estamos aqui em uma região de transição do bioma amazônico. Quando a gente vai entrando mais para o interior da Amazônia, aí as características vão ficando muito mais fortes”.
Quanto mais próximo do Rio Araguaia (que demarca a fronteira entre Pará e Tocantins), mais as diferenças entre os biomas ficam visíveis. Enquanto a vegetação amazônica é composta por uma flora com espécies de grande porte, no cerrado ela é mais rasteira e baixa.
Ao passo que essa particularidade reflete em uma circunvizinhança rica em biodiversidade, ela também a torna sensível para determinadas problemáticas, como é o caso das mudanças climáticas.
IMPACTOS
Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) atribuiu uma nova definição para o aumento da temperatura global: a ebulição da terra. Sobre isso, um estudo do observatório europeu Copernicus constatou que o último mês de julho foi o mais quente registrado na história da Terra.
A temperatura média global foi de 16,95°C em julho de 2023, número 0,72°C acima da média de 1990-2020 para o mesmo mês e 0,33°C mais quente que o recorde anterior, de julho de 2019. Foi essa pesquisa que motivou o uso do novo termo.
Sobre isso, Keid Nolan explica que a tendência é que regiões de transição (como a do sudeste do Pará) sejam mais sensíveis a essas mudanças.
“Imagina o que acontece dentro da Amazônia. Lá tem florestas que conseguem ter um equilíbrio (de temperatura) muito mais rápido do que na borda, que é onde as coisas estão acontecendo com mais intensidade”.
Ele complementa elucidando que um grau de variação de temperatura, nessa região de interseção, tem uma ampla diferença em relação a essa mesma alteração dentro da floresta. “É um espaço muito mais vulnerável”.
Quando se fala em temperatura, Keid assevera que esse ambiente fica climaticamente parecido com uma região de cerrado, sequela do processo de transformação que sucedeu nesse lugar.
Ao passo que cidades são erguidas sobre as florestas, às alterações nesse ecossistema são notadas. Indo além das mudanças climáticas, da mesma maneira, as que são estruturais resultam em um grande impacto. “Quando você opta por construir uma cidade, substituindo a floresta, você tem um preço cobrado à custa do desenvolvimento que a gente está pregando, e a sociedade está pagando uma conta muito alta”.
Questões sociais e problemas socioambientais em larga escala são outros impactos elencados pelo biólogo. Além disso, quanto mais a população amazônica cresce, maior a necessidade de as cidades serem mais estruturadas, afirma Keid.
É o caso de Marabá, cidade com 110 anos e que segue com problemas de abastecimento de água potável e saneamento básico. Um exemplo disso é que após a forte chuva que caiu na noite de sexta-feira, 1º, diversos bairros da cidade ficaram sem o abastecimento da Cosanpa.
Para o professor, esse tipo de situação precisa ser estudada com mais cuidado e é fundamental que soluções sejam implementadas com mais rapidez.
“Para além disso, a gente tem poluição, contaminação de rios, desmatamentos. Todos esses são vetores que ao serem implementados dentro de um ecossistema, geram um custo a se pagar, por conta do desenvolvimento”.
HIDROGRAFIA AMAZÔNICA DO SUDESTE DO PARÁ
É no sopé dos Andes que o Rio Amazonas escorre como um filete de água e vai crescendo ao longo do caminho percorrido. Nessa trajetória, outros rios vão nutrindo suas águas, como o Tapajós e o Xingu.
Daqueles que alimentam o sudeste paraense, apenas um nasce na região amazônica. Com águas que brotam da nascente na Serra da Seringa, no município de Água Azul do Norte, o Rio Itacaiunas desemboca na margem esquerda do Rio Tocantins, em Marabá. Este último se une ao Rio Araguaia, na altura da região conhecida como ‘Bico do Papagaio’, que fica localizada entre os estados do Tocantins, Maranhão e Pará.
“São rios que trazem água para nós, com origens diferentes e que têm uma importância tanto biológica, ecológica, quanto social muito grande e que estão hoje, nesse momento de mudança climática, sofrendo muito”, afirma Keid Nolan.
O processo de escassez hídrica, de perda de corpos d’água, é acelerado conforme as mudanças vão acontecendo. O professor explica que, com as altas temperaturas, os igarapés que alimentam esses rios podem sofrer o processo de evaporação da água, o que pode resultar na seca dessas fontes.
Mas este não é o único problema.
Em termos de temperatura, os rios amazônicos variam, em geral, de 25 a 29 graus, detalha Keid. “Em situações muito extremas, como é o caso que a gente está vivendo agora, elas podem aumentar muito e com isso causar situações muito sérias”.
Quando essa medida se intensifica e a água fica quente em baixas profundidades, o oxigênio é consumido e muitos peixes morrem. Na ponta dessa pirâmide está a comunidade que vive no entorno desse rio e sofre com as sequelas dessa complicação.
Comunidades ribeirinhas, por exemplo, que dependem desses animais para complementar sua alimentação, ou sua renda – através da comercialização – são direta e negativamente impactadas pela mortandade dessa espécie, podendo ficar sem essa fonte de subsistência.
Ademais, as mudanças estruturais dentro dessas águas, têm um efeito negativo semelhante.
BARREIRAS FÍSICAS
“De maneira geral, todos os grandes rios amazônicos estão expostos às mudanças estruturais que acontecem dentro deles”, aponta o professor Keid Nolan. Como exemplo, ele cita a construção de hidrelétricas.
No último mês de março, um projeto de repovoamento do Rio Tocantins voltou à cena na cidade, através do vereador Ray Athiê. Na ocasião, ele recordou que com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, algumas espécies de peixes deixaram de seguir seu percurso normal em período de piracema, permanecendo na área abaixo da barragem.
Isso significa que, espécimes que antes eram encontrados com facilidade na região de Marabá, atualmente não são mais vistos.
“Quando você constrói um bloqueio no rio, não dá para dar a volta. A composição de peixes que dependem daquele rio, se tiver uma barreira, eles não avançam e voltam”.
Quando se fala em obstáculo físico, a construção de pontes também entra nessa equação. Em Marabá, os dois rios que abraçam a cidade atualmente são canteiros de obras de duas grandes construções. As implicações envolvidas vão além de se criar uma barreira para a passagem dos peixes.
Há o efeito do barulho causado pelas máquinas, a grande movimentação de pessoas e equipamentos nessa área, a derrubada de vegetação naquelas margens, os buracos abertos para a fixação das colunas, o deslocamento da população para outras regiões de moradia, são alguns exemplos.
“O cara que pescava perto daquele pedral ali, não vai mais poder pescar, porque as coisas estão acontecendo. Então, como ele vai sobreviver, se o ambiente em que ele trabalha está sendo movimentado?”, questiona o especialista.
Na lista de problemas, há ainda o risco da perda de espécies únicas que vivem nesta região. Keid cita que na área dos rios Tocantins e Itacaiunas, novos tipos de peixes e plantas estão sendo encontrados. Esta é uma riqueza que pode ser perdida conforme as transformações acontecem.
“Para mexer em um sistema, qualquer que seja ele, é preciso dimensionar melhor os custos para a sociedade local e como os problemas serão trabalhados após a mudança”, aconselha.
AMAZÔNIA EM NÚMEROS
Com uma área que passa dos 6 milhões de quilômetros quadrados, a bacia amazônica se estende por oito países da América do Sul, além do Brasil: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela, Suriname e Guiana Francesa.
O bioma da maior floresta tropical do mundo tem mais de 4 milhões de quilômetros quadrados em território brasileiro, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Fazendo um comparativo, se a Amazônia fosse um país, seria o sétimo maior do mundo.
Dados do World Wide Fund for Nature (WWF Brasil) indicam que a floresta abriga pelo menos 40 mil espécies vegetais, 427 mamíferos, 1.294 aves, 378 répteis, 427 anfíbios e cerca de 3 mil peixes da região.
Mas são os números das menores formas de vida que impressionam: os cientistas já descreveram entre 96.660 e 128.840 espécies de invertebrados só na parte brasileira da Amazônia.
Em sua hidrografia, a região possui o segundo rio mais extenso do mundo e o maior em volume de água, o Amazonas, com seus mais de 6 mil quilômetros de extensão. A região é formada por diversos córregos, restingas, praias, igarapés, matas inundadas e lagos de várzea.
Além do Rio Amazonas, a Bacia Amazônica é formada por diversos rios caudalosos, com destaque para o Rio Negro, Solimões, Madeira, Trombetas, Purus, Tapajós, Branco, Javari, Juruá, Xingu, Japurá e Iça. (Luciana Araújo)