Correio de Carajás

Após negar, Bento XVI admite presença em reunião sobre padre denunciado por abuso sexual

Papa emérito afirmou que depoimento anterior teve 'erro na edição'; investigação independente afirmou que ele não agiu contra integrantes da Igreja acusados de pedofilia

O Papa emérito Bento XVI admitiu nesta segunda-feira que participou de uma reunião em 1980 sobre um padre alemão acusado de abuso sexual de menores, ao contrário do que disse aos autores de um relatório divulgado na semana passada que o acusa de se omitir em pelo menos quatro casos de pedofilia quando era arcebispo de Munique, entre 1977 e 1982.

Em uma carta assinada por seu secretário particular, monsenhor Georg Gänswein, divulgada pela agência católica alemã KNA e pelo portal de imprensa do Vaticano, Bento XVI afirma que “quer esclarecer que, ao contrário do que foi dito aos autores do relatório, participou da reunião de 15 de janeiro de 1980”.

As declarações dadas por Bento XVI aos autores do relatório — publicado em 20 de janeiro e encomendado ao escritório de advocacia Westpfahl Spilker Wastl (WSW) pela própria Arquidiocese de Munique— foram “factualmente incorretas”, diz a carta de hoje. Bento XVI enfatiza que isso não ocorreu por “má-fé” e que foi um “erro”, “resultado de uma omissão na edição” de suas declarações.

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Na carta, o Papa emérito de 94 anos pede “perdão por esse erro”. A carta afirma ainda que o religioso planeja emitir uma declaração detalhada em uma data posterior, já que “a  revisão completa do relatório de 1.900 páginas ainda precisa de tempo”.

O relatório afirmou que o Papa emérito se omitiu em agir contra integrantes da Igreja acusados em quatro casos de abusos sexuais de crianças e adolescentes.  No documento de 82 páginas com informações e respostas que enviou aos investigadores, Bento XVI havia negado ter ciência, quando era arcebispo, de qualquer denúncia contra integrantes da Igreja por esses abusos.

No relatório, no entanto, consta a ata de uma das reuniões,  a de 15 de janeiro de 1980, com a informação de que o então cardeal estava presente e definiu a acusação ao sacerdote como “pouco crível”.

O padre em questão é Peter Hullermann, que foi acusado em 1980 de abuso sexual grave de menores quando estava lotado no estado da Renânia do Norte-Vestfália. Em vez de puni-lo, as autoridades eclesiásticas o transferiram para a Arquidiocese de Munique, na Baviera, onde, apesar da terapia psiquiátrica, continuou com os abusos. Em 2010, ele foi finalmente forçado a se aposentar.

Na carta de hoje, Bento XVI insiste em que nenhuma decisão sobre a volta do padre a suas atividades pastorais foi tomada na reunião. “Apenas o pedido de acomodação durante sua terapia em Munique foi aceito”, disse ele.

No total, a investigação  concluiu que houve pelo menos 497 vítimas de abuso no âmbito da arquidiocese entre 1945 e 2019. A maioria era de meninos, 60% deles com idades entre 6 e 14 anos. O relatório ainda identificou 235 agressores, incluindo padres, diáconos e funcionários de escolas católicas.

O relatório afirma que Bento XVI, agora com 94  anos, fora avisado de que crianças estavam sendo abusadas quando era arcebispo, mas não tomou nenhuma medida contra os acusados. Segundo os responsáveis pela investigação, os casos em que o então arcebispo se omitiu envolviam quatro meninos.

— Em um total de quatro episódios, chegamos à conclusão de que o então arcebispo, o cardeal Ratzinger, pode ser acusado de má conduta em casos de abuso sexual — disse Martin Pusch, um dos autores do relatório, em entrevista coletiva na semana passada. — Ele ainda alega que não sabia dos casos, mas, na nossa opinião, é difícil conciliar essa alegação com a documentação que temos.

Pusch acrescentou então que a afirmação de Bento XV aos investigadores não era crível porque em dois casos os envolvidos eram padres que cometeram várias agressões, comprovadas pela Justiça. Mesmo assim, os dois clérigos permaneceram na Igreja Católica e nada foi feito, disse o advogado.

(Fonte: O Globo)