Acuou os sem-terra em seu discurso, cortou a palavra de servidora do Incra e mandou a plateia fazer silêncio várias vezes – mesmo quando o barulho não era tão grande assim. Esse é Nabhan Garcia, secretário Nacional de Assuntos Fundiários (posto que pressupõe ao de vice-ministro), que conduziu uma audiência pública nesta segunda-feira, 10, na Câmara Municipal de Marabá, para discutir a regularização fundiária na jurisdição da Superintendência Regional do Incra no Sul e Sudeste do Pará.
O evento contou, ainda, com a participação de João Rosa, da Funai; Bruno Kono, presidente do Iterpa (Instituto de Terras do Pará); secretário Regional de Governo, João Chamon Neto; senador Zequinha Marinho; do deputado federal Joaquim Passarinho, prefeitos e vereadores de vários municípios da região.
O Plenário da Câmara se dividiu entre produtores rurais e trabalhadores rurais. Coube a estes últimos, aliás, o fundão, enquanto os fazendeiros ocuparam os espaços mais à frente. Inclusive, nenhum representante de trabalhadores rurais foi à chamado a compor a mesa de trabalhos, até que os organizadores se depararam com essa realidade depois do Hino Nacional. Então, chamaram às pressas Vivian Oliveira, representando a Contraf/Fetraf.
Leia mais:Usando tom de voz de um general em tempos de guerra, Nabhan disse que “o governo não quer mais chamá-los de sem terra ou acampados”. Invasão não levará os senhores a lugar nenhum, desde que respeitem o estado democrático de direito. Nos comprometemos a entregar 600 mil títulos de propriedades na agricultura familiar. Queremos ver os sem terra como proprietários de suas áreas rurais. Os senhores precisam dos títulos, para ter ainda mais direito, com programas de agricultura e linha de crédito. Queremos um diálogo com o judiciário e representantes dos sem terra para resolver os problemas existentes. Quem não tem título de propriedade não tem acesso a nada”, rechaçou.
Segundo ele, o Estado do Pará é o grande campeão do problema agrário e anunciou que esta semana sairá o decreto que regulamenta o Programa Terra legal. “Só recebe o título quem não tiver conflito. De demagogia de farsa e mentira estamos cheios. Só iremos crescer quando tivermos uma regularização fundiário no Pará e no Brasil”, sustentou.
NABHAN, O TERRÍVEL
Por nove vezes, Nabhan pediu, de forma incisiva, silêncio para a plateia, mesmo quando o barulhão não atrapalhava tanto o evento.
Ele conduziu todo o evento. Quando a palavra foi franqueada aos presentes, que não estavam na mesa, ele tratou de tirá-la de forma dura de alguns que considerou que estavam passando do tempo. O caso mais emblemático foi a batalha verbal travada entre ele e a geógrafa Ivone Rigo, servidora do Incra há vários anos.
Com seu jeitão sisudo, ele a interpelou por duas ocasiões e chegou mesmo a ser grosseiro com a mulher. Ela tentou questionar um dilema atual relacionado ao georreferenciamento. Depois, Ivone perguntou onde está o dinheiro para custear o trabalho dos técnicos do Incra, inclusive para pagamento de combustível e diárias. “Estruture o Incra, senhor Nabhan”, foram as últimas palavras dela.
O secretário nacional simplesmente mandou cortar a palavra de Ivone e disse que, na condição de servidora, não deveria estar falando no evento, mas apenas os produtores rurais e sem terra.
SOBROU PRA ITAGUARI
João Itaguari, superintendente interino do Incra em Marabá, foi outro que recebeu puxão de orelha público do temido Nabhan. Este último, questionou por que Itaguari não estaria recebendo representantes de trabalhadores rurais em seu gabinete, conforme informado ali na reunião. Por isso, determinou que o superintendente vá atender os produtores em suas comunidades levando uma força-tarefa.
O discurso de Itaguari foi lacônico. Disse estar na esperança de conseguir os recursos necessários para implementação de políticas que levem o título de terras aos produtores, o que dá a entender que não tem dinheiro na SR-27 nem mesmo para combustível.
CONCILIAÇÃO
Zequinha Marinho, macaco velho na política, fez um discurso conciliador. O senador, que mobilizou o encontro, disse que a reunião de trabalho despertou o interesse de todos que têm um pedaço de terra e quer se regularizar. “Precisamos encarar a luta e colocar para os governos federal e estadual a urgência em avançarmos na questão fundiária no Pará”.
Marinho disse que é preciso afinar ainda mais a relação entre os governos federal e do Estado para começar a realizar a regularização fundiária. “Terra pública é terra de ninguém. Queremos viver em paz. Regularização fundiária resolve a questão ambiental, além da segurança jurídica. O projeto do governo federal é entregar 600 mil títulos e queremos ver essa promessa cumprida em todo o Pará”.
ITERPA AMIGÃO
Bruno Kono reconheceu que a solução para os desafios da regularização fundiária passa por reuniões como aquela. Segundo ele, o Estado também tem interesse em participar desse processo e ajudar na implementação de entrega de títulos. “Terra é para quem produz, e durante muito tempo o Estado concentrou essas terras, o que causa essa insegurança jurídica com os conflitos. Temos problemas estruturais, falta de condições de trabalho e dilemas de legislação. Tínhamos 26 mil processos pendentes de análise. Esse ano vamos zerar o passivo do Estado nesse sentido, graças ao investimento que o governo vem fazendo para regularizar a questão fundiária no Pará”, revelou.
Kono disse que está sendo amarrada uma estreita relação com o Incra, porque não se faz regularização fundiária sem realizar a correção dos limites das propriedades. “Sempre se pergunta se a área é do Incra ou Iterpa, por isso essa integração é tão importante, com a assinatura de um termo de cooperação que possibilita aparar as arestas”.
Ricardo Guimarães, presidente do Sindicato Rural de Marabá, foi o primeiro a expor as inquietudes dos produtores rurais, alegando que a terra tem de ter nome e CPF. “Nossa região passa pela verticalização do agronegócio, que é quem sustenta o país. Através da regularização podemos ter acesso a crédito, maquinário e implementos. “Agradeço ao senador Zequinha Marinho pela briga na pauta e ao secretário Chamon. Essa é uma reunião que deve ter um resultado, para vermos nossas metas e melhorias acontecendo”.
Wagner Machado, presidente da Amat Carajás (Associação dos Municípios do Araguaia Tocantins), disse que fala em nome dos colegas prefeitos, e ressaltou que o país é pujante com a economia e há uma enorme capacidade de produção. “Temos aqui empresários, produtores, assentados, comunidade da região, pequenos produtores rurais e precisamos avançar na legalização fundiária em todo o Brasil para melhorar ainda mais a produção nacional. Temos aqui muita gente querendo produzir e são impossibilitados por não ter um documento de terra. Os pequenos produtores não têm acesso ao crédito como deveriam”, alinhavou.
Vivian Oliveira, representando a Contraf/Fetraf, disse que os trabalhadores esperam ser assentados há muitos anos. Citou homens e mulheres que produzem como agricultores familiares e só querem um pedaço de chão para continuar produzindo. “Queremos nossos direitos respeitados.
Fernão Zancaner, vice-presidente da Faepa, prevê que com a nova mentalidade do governo será possível dar apoio para os para os produtores rurais produzirem. “Queremos incentivo à produção, e isso passa pelo título da propriedade, com a regularização das terras. Precisamos organizar a utilização e acesso à essa terra no Pará”.
Ao final da audiência, o vice-ministrodisse que todas as reclamações e pedidos feitos em Marabá serão avaliados e que uma síntese deverá ser apresentada nesta terça-feira, 11, em Brasília, em uma audiência nacional para discutir a regularização fundiária. (Ulisses Pompeu)