Correio de Carajás

Amor pede parada no semáforo da Folha 33

Nem toda segunda-feira é ruim. Nem todo semáforo atrasa a gente. Da Liberdade até o sinal da Folha 33 foram exatamente cinco paradas que Eduarda precisou fazer porque o vermelho acendeu na sua frente. Fosse em outro dia, talvez ela ficasse irritada, mas alguma coisa lhe dizia que não precisava se preocupar.

Parou sua Biz cor prata metálico próximo ao limite para não levar multa. Eu estava ali ao lado, dentro do carro, quando vi um rapaz parar sua Honda CG 160 a quatro passos da moça. Percebi que não se conheciam, mas trocaram leve sorriso e ele tirou primeiro o capacete e fez sinal para que ela lhe fornecesse o número do celular.

Ela respondeu com os mesmos gestos e temeu que o sinal abrisse antes de falar o número. Então, apressou-se e ele anotou tudo no seu aparelho.

Leia mais:

O sinal abriu. Cada um seguiu pra um lado, como se fossem folhas soltas de um livro inacabado levadas pelo vento. Mas quem vê de longe não imagina que aquela troca de olhares na Folha 33, naquela segunda véspera do Dia dos Namorados, tinha carimbo de destino.

O nome dele? Ramon. Nascido no Bairro da Paz, entregador de aplicativo, apaixonado por rock nacional, daqueles que ainda acreditam em encontrar a pessoa certa no meio da pressa. Eduarda, por sua vez, era técnica de enfermagem recém-formada, sonhadora, cheia de playlists românticas no celular e com aquele jeitinho que faz até segunda-feira parecer sábado.

À noite, quando estacionou a moto no pátio do condomínio onde mora, Eduarda viu a notificação: “Mensagem de número desconhecido”. Leu. Era ele.

— Oi, sou o do sinal. Não sei o que deu em mim, mas se eu não tentasse, ia me arrepender. Posso te chamar de sinal verde? Porque foi o que senti quando te vi.

Ela riu alto, sozinha, no portão. Teve certeza de que responder era inevitável.

E assim começaram. Nos dois dias seguintes, entre uma entrega e outra, ele mandava áudios contando histórias engraçadas de clientes, enquanto ela dividia os plantões puxados do hospital com mensagens de bom-dia, memes e promessas de café quando tudo melhorasse.

Na quarta-feira, véspera do Dia dos Namorados, ele a convidou pra um encontro no restaurante Ilha Verde para comer um Tucunaré na Manteiga, às seis e meia da tarde, quando o sol se despede de Marabá com um tom alaranjado de filme romântico.

— Se você for, prometo não atrasar nem um minuto. Se não for, entendo. Mas vou estar lá. Mesmo assim.

Ela foi. Chegou pontualmente com a Biz brilhando mais que o normal, talvez por fora, talvez por dentro. Ele já estava sentado com um refrigerante e um pratinho de entrada.

Conversaram por horas. Descobriram que ambos tinham o mesmo filme favorito: “A Vida é Bela”. Ele achava que coincidência era só coisa de novela. Ela achava que novela era só coincidência com hora marcada. O papo foi fácil, leve e doce como tacacá bem-feito.

Na despedida, ele a abraçou com carinho raro, desses que a gente nem lembra mais que existe. Não rolou beijo. Só um “até amanhã”.

Mas amanhã…

O amanhã nunca chegou como planejado.

Na manhã do dia 12 de junho, Eduarda acordou cedo e mandou mensagem:

— Feliz Dia dos Namorados, Ramon. Nem acredito que tô dizendo isso pra alguém que conheci num sinal. Você me faz acreditar no inesperado.

A mensagem não foi entregue.

Passaram horas. Tentou ligação. Caixa postal.

Ligou pro hospital, achando que poderia ser algo com o celular. Nada.

No fim da tarde, leu no grupo do bairro que um acidente grave acontecera perto da entrada da Nova Marabá. Um motociclista fora atingido por um caminhão que avançou o sinal.

Seu coração gelou.

Foi até o PS do HMM. Depois ao Hospital Regional. Confirmou o nome. Chorou sem forças. Era ele.

Dentro da mochila de Ramon, encontraram uma caixinha pequena com laço vermelho. Um chaveiro com um semáforo em miniatura. E um bilhete escrito à mão, dobrado em três partes:

“Se tudo der certo, quero te entregar isso hoje. Porque foi num sinal que te vi, e desde então, todas as luzes da minha vida ficaram verdes. Feliz Dia dos Namorados, Eduarda.”

Ela não segurou o choro. E ninguém tentou impedir.

Naquele dia, o sol se pôs mais cedo em Marabá.

E Eduarda, mesmo sem saber se aquilo era justo ou cruel, escolheu guardar o amor que não durou uma semana como quem guarda uma joia rara: com cuidado, silêncio e gratidão.

Porque às vezes, o amor da sua vida só vem pra te mostrar que ele existe.

Mesmo que dure apenas um sinal.

* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica às quintas-feiras

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.