Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?
Eduardo Paulista abriu os olhos e se levantou naquele domingo. Ele era o típico imigrante que chegava em Marabá e se encantava com cada cantinho da cidade, por mais tosco que pudesse parecer. E só queria curtir. A referência à música da Legião Urbana é apenas por causa do nome de Eduardo mesmo.
E sua preferência para se divertir eram os rios. Logo cedo, em 1987, aprendeu a pegar jacumã só pra ir aos domingos em uma canoinha emprestada de seu Michel para o Pirucaba, onde passava o dia todo com Serena, a namorada e filha de um vizinho dele, na Rua Alto do Bode – mais conhecida hoje como Benjamin Constant.
Leia mais:Duda, como ficou conhecido entre os amigos, trabalhava como fiscal da Secretaria da Fazenda durante a semana, mas aos sábados e domingos gostava de curtir a vida – como a maioria dos jovens.
Aos 24 anos e dois deles já ambientado em Marabá, já tinha ido a tudo quanto é balneário frequentado à época, como Praia do Tucunaré, Prainha (Rio Itacaiunas), Praia do Meio, Mangueira e Pirucaba. Vavazão, Geladinho e as praias do Espírito Santo nem se falava ainda.
O fiscal estava encantado com Serena, que às vezes matava aula no final da tarde para charlar no Corcel I que ele andava. Naquele tempo a orla era apenas o cais, mesmo assim, emendavam a noite no Bacaba, no flutuante. Mas a paixão dele era mesmo o Pirucaba, para onde levou a menina pela primeira vez. E lá também foi a primeira vez que fizeram amor, atrás de uma moita, em cima de um pedral, no sol de meio dia.
E a cena se repetiu por longos dois anos. Matinê no Yara Clube? Não, aquela não era a vibe de Eduardo, que deixava os passinhos de Michael Jackson para os garotos abaixo dos 18 anos. Ele queria mais adrenalina. Cine Marrocos, sim, às vezes, mas nada de Trapalhões na telona, só se fosse coisa mais quente, como gostava de dizer.
Serena era a jovem mais invejada do Alto do Bode. Todas as outras queriam ter um namorado bonito, com trabalho e com dinheiro, como ela. Morena, um metro e setenta e um de altura, seu sonho era morar em Belém e cursar engenharia civil. Tudo isso o namorado prometeu, inclusive casar-se com ela no ano seguinte.
Prometeu, mas não cumpriu.
Com o passar do tempo, o relacionamento dos dois começou a esfriar. Eduardo Paulista mudou-se de casa e foi para uma residência na Folha 32, com a justificativa que ficava mais próxima do local de trabalho e que ele precisava viajar um pouco mais.
Dois meses depois, só via Serena aos finais de semana, e já não tinha paciência para remar a canoa e ir para o Pirucaba. Contentava-se em passar algumas poucas horas com a garota na Praça Duque de Caxias, entre um lanche e conversas dele com amigos.
No verão de 1989, Eduardo disse para a namorada que viajaria para Belém, onde passaria uma semana em treinamento na Secretaria da Fazenda. Ela passou os dias contando e esperando seu amor retornar da Capital. Três dias depois, descobriu que estava grávida e sentiu uma felicidade única em sua vida e sabia que Eduardo sentiria a mesma coisa.
No domingo à tarde decidiu ir, com duas amigas, tomar banho nos pedrais da Mangueira, que àquela época era muito frequentado, mas o acesso só era viável pela Nova Marabá.
As três foram em duas bicicletas e, claro, uma delas terminou indo na garupa. A grávida teve preferência para ir de carona.
Quando desceram da bicicleta e estavam procurando uma sombra para colocar as bikes, as três viram, ao mesmo tempo, o viajante Eduardo curtindo na água com outra mulher, que elas não conheciam.
As duas amigas tentaram consolar Serena, que começou a chorar sem parar. O próprio Duda veio pedir perdão, alegou que era apenas uma amiga, mas os braços passados no pescoço da garota denunciavam o novo romance do fiscal.
Ela saiu de lá direto para o Hospital Municipal. Passava mal e desejou perder o bebê. Não quis revelar a gravidez para o ex e preferiu que ele nunca soubesse.
O menino nasceu e ele nunca soube da existência do filho. Foi criado com ajuda da avó e do avô.
Eduardo foi embora de Marabá três anos depois e há boatos que deixou três filhos na cidade. Todos criados só pela mãe.
* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.