Correio de Carajás

Amazonas tem seca antecipada e recorde de queimadas em agosto

Estiagem já afeta quase de 290 mil pessoas no estado, cidades têm dificuldades de receber insumos e há aumento no preço de produtos. Ao mesmo tempo, cerca de 7 mil focos de calor em agosto, superando o mesmo período do ano passado.

Seca do rio Solimões, em Tabatinga, interior do Amazonas — Foto: Reprodução/Rede Amazônica

O Amazonas vive um cenário ambiental crítico devido à combinação de seca dos rios e queimadas. Segundo dados divulgados pelo governo estadual em agosto, a seca já afeta quase 290 mil pessoas. Cidades têm dificuldades de receber insumos, há aumento no preço de produtos e comunidades indígenas e ribeirinhas podem ficar isoladas.

➡️Além disso, as queimadas têm registrado recordes no estado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No sábado (24), eram 7 mil focos registrados no mês, superando os dados de agosto de 2023.

Neste ano, segundo previsões do governo estadual, o Amazonas pode enfrentar uma seca intensa semelhante ou até pior do que a de 2023, a mais severa registrada na história do estado. Atualmente, 20 dos 62 municípios estão em situação de emergência.

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Por que isso está acontecendo?

 

Conforme o Serviço Geológico do Brasil (SGB), a antecipação da estiagem em 2024 é atribuída ao volume de chuvas abaixo da média registrado no início de maio, o que também deve antecipar o fim do período de vazante.

Em 2024, a descida dos rios teve início antes do previsto, com reduções registradas ainda na primeira quinzena de junho. Historicamente, o fenômeno começa entre a última semana de junho e as primeiras de julho.

Ao g1, o ambientalista e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Erivaldo Cavalcanti, explicou que dois fenômenos naturais têm sido determinantes para os níveis dos rios.

“O fenômeno El Niño associado a La Niña são os fatores naturais que mais influenciam na normalidade hidrológica da região, com um impacto determinante na mudança climática e a ação humana através de queimadas e desmatamentos”, apontou o especialista.

 

Os efeitos dos dois fenômenos são opostos. Enquanto o El Niño provoca seca na Região Norte e chuvas intensas no Sul do Brasil, o La Niña traz chuvas intensas para o Norte e o Nordeste e estiagem na região Sul.

Já a seca, que serve como ignição para os focos de incêndio, soma-se às queimadas ilegais. Geralmente, a estiagem acontece de agosto a outubro, mas o pico acontece em setembro, quando sentimos mais os impactos. No entanto, meteorologistas explicam que ela chegou antes do previsto, ainda em julho.

💧A estiagem nos rios

Em Manaus, o Rio Negro baixou quase dois metros apenas em agosto deste ano, atingindo um nível crítico de vazante. Na sexta-feira (23), a medição registrou 21,93 metros, de acordo com o Porto da capital, responsável pela aferição dos níveis. Na mesma data, em 2023, a marca era de 24,83 metros.

A situação é semelhante nas bacias do Alto Solimões, Médio Solimões e Médio Amazonas, segundo o monitoramento do PROA – Praticagem dos Rios Ocidentais da Amazônia, na sexta-feira (23):

  • Em Tabatinga, no Alto Solimões, o nível do Rio Solimões era de 4 centímetros;
  • Em Coari, no Médio Solimões, as águas mediam 6,46 metros;
  • Já em Itacoatiara, no Médio Amazonas, o Rio Amazonas estava em 8,22 metros.

As cidades do Alto Solimões, como Tabatinga, estão em situação mais crítica, com dificuldade para receber insumos e água potável. Em Envira, na fronteira com o Acre, a seca provocou um aumento de até 100% no preço de alguns alimentos. Já no Centro de Manaus, o valor quilo da macaxeira e da laranja aumentaram, e os feirantes temem a escassez dos produtos nos próximos dias.

A seca no estado também causa preocupação no Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), que optou por antecipar o envio das urnas eletrônicas para os municípios do interior em um mês.

🔥Recorde de queimadas

Simultaneamente, o Amazonas enfrenta um aumento significativo nas queimadas, que têm provocado novas ondas de fumaça. Em agosto, foram registrados mais de 7 mil focos de calor no estado, contra 4 mil no mesmo mês em 2023. Em julho, o estado alcançou o maior número de queimadas dos últimos 26 anos.

Apenas em agosto, um incêndio atingiu uma área de mata próximo a um estaleiro no município de Manacapuru e quase atingiu embarcações que estavam atracadas no local. Em Boca do Acre, o fogo das queimadas quase alcançou uma área residencial e em Apuí, um incêndio de grande proporção atingiu uma área de pasto.

Os principais focos de calor estão localizados na região sul do Amazonas, onde há uma significativa presença da pecuária. O Corpo de Bombeiros destaca que muitos incêndios em áreas de vegetação são causados por ação humana.

Os efeitos das queimadas também foram sentidos pela população – houve fumaça no sul do estado e em Manaus uma densa “neblina” de fumaça encobriu a cidade por quatro dias. A fumaça resultante dos incêndios chegou até a Região Sul do país.

Comunidades ameaçadas de isolamento

 

Um estudo publicado na revista Communications Earth and Environment em julho deste ano revela que mais de 2,2 mil comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas podem enfrentar isolamento durante a seca deste ano. O problema já afeta algumas das localidades.

Assinado por oito pesquisadores, o estudo aponta que a Amazônia está se tornando cada vez mais seca e sujeita a eventos extremos como secas e inundações.

A pesquisa destaca que essas condições podem interromper totalmente a navegação, afetando desproporcionalmente as comunidades rurais e levando ao isolamento de aldeias por semanas ou meses, com consequências graves como escassez de alimentos e suprimentos médicos.

O estudo identificou 3.671 localidades na bacia amazônica, incluindo 3.259 assentamentos rurais remotos, 251 cidades (com 5 capitais estaduais) e 161 aldeias, além de 2.521 aldeias indígenas. Entre essas, 1.495 localidades não indígenas e 755 aldeias indígenas no Amazonas estão mais propensas ao isolamento devido à seca.

Seca de 2023 não acabou, diz pesquisador

 

Segundo Renato Senna, pesquisador e coordenador de hidrologia do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Amazonas ainda está enfrentando os efeitos da seca do ano passado, como a deficiência de precipitação. “Esta condição só será alterada no segundo semestre de 2024”, explica ele.

O pesquisador observa que, nos últimos quatro anos, o nível das águas do Rio Negro tem oscilado entre extremos de cheias e vazantes. Em 2021, foi registrada a maior cheia já medida, atingindo a cota máxima de 30,02 metros. Em 2023, ocorreu a maior vazante em 120 anos de medição, com o nível chegando a 12,70 metros.

Renato Senna aponta que dois fatores simultâneos têm contribuído para a falta de precipitação na região: o El Niño, que aquece a superfície do Oceano Pacífico e inibe a formação de nuvens e a redução das chuvas na Amazônia, e o Oceano Atlântico, que empurrou as nuvens formadas sobre a Amazônia em direção ao Hemisfério Norte.

“As previsões indicam que as águas do Oceano Pacífico deverão esfriar somente no segundo semestre de 2024, o que favorecerá a ocorrência de chuvas na Amazônia. Por outro lado, o Oceano Atlântico, no Hemisfério Norte, permanecerá aquecido. É provável que tenhamos uma temporada de furacões na região do mar do Caribe no segundo semestre de 2024, responsável por retirar umidade da Amazônia e transportá-la para o Hemisfério Norte, resultando na redução das chuvas na região amazônica”, destacou.

Um barco viaja por um trecho do rio Amazonas afetado pela seca, perto do município de Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus, em 27 de setembro de 2023. — Foto: AP Photo/Edmar Barros
Um barco viaja por um trecho do rio Amazonas afetado pela seca, perto do município de Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus, em 27 de setembro de 2023. — Foto: AP Photo/Edmar Barros

(Fonte:G1)