Correio de Carajás

Aluna registra BO na PF por injúria racial no campus do IFPA em Marabá

Aluna do curso de Edificações veio à Redação do CORREIO DE CARAJÁS denunciar que técnica de administração a chamou de “macaca” 6 vezes

Geovanna também salienta que a universidade tem tentado criar um vínculo forçado entre ela e a acusada, no intuito de solucionar a questão “por debaixo dos panos”

A adolescente Geovanna da Silva Fontes, de 16 anos de idade, procurou a Delegacia da Polícia Federal na manhã desta terça-feira, 27, para registrar um boletim de ocorrência contra uma servidora do Campus Industrial do Instituto Federal do Pará (IFPA), localizado na Folha 22, em Marabá.

Logo após sair da Delegacia da PF, Geovanna veio à Redação do CORREIO DE CARAJÁS em companhia de sua colega Ana Márjore para divulgar o caso. Ela afirmou ter vivido uma situação de injúria racial na última segunda-feira (26), cometida pela técnica administrativa e estudantil Kellice Feitosa de Araújo, nas dependências do IFPA. A funcionária a teria tratado com rispidez e a chamado de macaca por cerca de seis vezes, ao atendê-la.

Bastante abalada com o ocorrido, a aluna do 2º ano do curso de Edificações da instituição pública espera buscar justiça perante a humilhação que afirma ter sofrido, tendo em vista que, mesmo com o conhecimento do fato, o instituto tenha se omitido e, portanto, nenhuma medida foi tomada até então para reparar os danos psicológicos causados à menina de apenas 16 anos.

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MAL-ESTAR E RACISMO

Segundo Geovanna, após ter sentido um mal-estar, foi levada pela amiga Ana Márjore e sua professora Cristiane para a coordenação. Lá, foi atendida por telefone pela enfermeira Deusa, que a medicou com um antiácido. Enquanto esperava melhorar, na companhia da colega de curso e testemunha, Kellice Feitosa teria se dirigido até a vítima questionando o que a adolescente teria comido.

Em resposta, a jovem informou que teria lanchado pizza e refrigerante, momento esse em que, de acordo com ela, a acusada passou a proferir as seguintes frases: “Mas você queria que acontecesse o quê, macaca? Sabe que passa mal todo mês, sabia que devia se cuidar para não chegar a esse ponto, macaca”. Geovanna e Ana Márjore asseguram que o termo racista foi dito cerca de seis vezes durante a fala pejorativa da funcionária.

A estudante diz ter se desesperado com a situação e, em seguida, ter ido ao banheiro para escapar da humilhação. A amiga afirma que testemunhou a vítima ter chorado até conseguir se acalmar e ir para casa.

MÃE COBRA EXPLICAÇÕES

A mãe de Geovanna, Simone Gomes da Silva, ciente do acontecido, foi até o campus, acompanhada de Ana Márjore, para pedir esclarecimentos e, segundo ela, inicialmente a instituição se posicionou dizendo que a palavra de cunho racista tenha sido usada de forma equivocada, mas, posteriormente, o discurso tenha se transformado e, conforme Kellice, o termo real utilizado teria sido “macacada”, para se referir ao erro da jovem de ter lanchado tais alimentos.

A vítima e a amiga não se conformam com as explicações: “Ela é concursada, tem acesso à informação e às redes sociais, o que a proporciona conhecimento suficiente para entender qual é o real significado desse termo quando usado contra uma pessoa preta”, alegam, acrescentando que, além disso, se sentiram desamparadas pelo IFPA, que afirma conhecer a conduta da técnica e, por isso, descartam completamente a possibilidade de um ato racista.

Geovanna também salienta que a universidade tem tentado criar um vínculo forçado entre ela e a acusada, no intuito de solucionar a questão “por debaixo dos panos”, tendo recusado, inclusive, a fornecer o nome completo da funcionária. De acordo com ela, a intenção do instituto é conciliar um pedido de desculpas e encerrar a história, algo que a adolescente considera fora de cogitação.

A estudante se mostra ciente da grande quantidade de casos como esses que acabam impunes. “Muito se fala sobre racismo, mas na maioria das vezes nada acontece com o praticante. Diante disso, espero que ela seja punida e sofra as consequências, pois um mero pedido de desculpas não irá apagar o que senti e nem evitar que outra pessoa passe pelo mesmo”, declara.

Por duas vezes, nesta terça-feira, a Reportagem do CORREIO buscou a direção do IFPA, por meio de sua assessoria de comunicação, para ouvir a versão da instituição sobre a denúncia grave, mas não houve resposta. Também solicitamos o contato da servidora Kellice Feitosa para ouvir sua versão sobre o fato, mas o instituto também não forneceu.

RESPOSTA

O Instituto Federal do Pará – Campus Marabá Industrial emitiu uma nota a respeito do ocorrido:

A instituição informa que recebeu com perplexidade a denúncia de suposto caso de injúria racial que teria ocorrido nas dependências da instituição e que a estudante em questão foi prontamente acolhida pela Direção de Ensino, que recebeu sua queixa e encaminhou a ocorrência para apuração administrativa. O IFPA ainda está levantando os fatos. Diante do ocorrido, o Campus Marabá Industrial vem a público manifestar com veemência seu total repúdio a quaisquer ações discriminatórias, preconceituosas e intolerantes. Não serão poupados esforços a fim de levantar as responsabilidades e coibir atos dessa natureza.

O Instituto desenvolve sistematicamente ações pedagógicas inclusivas e ratifica seu compromisso com a inclusão e a diversidade, adotando políticas de acesso, como as cotas raciais e sociais, e desenvolvendo ações que visam a garantir a permanência e êxito dessas
políticas. Zelamos pela promoção permanente do respeito à diversidade, não só no que se refere ao aspecto étnico-racial. Estamos sempre no combate a quaisquer outras formas de preconceito e discriminação.

SAIBA MAIS

Embora impliquem possibilidade de incidência da responsabilidade penal, os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes. O primeiro está contido no Código Penal brasileiro e o segundo, previsto na Lei n. 7.716/1989. Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Um exemplo recente de injúria racial ocorreu no episódio em que torcedores do time do Grêmio, de Porto Alegre, insultaram um goleiro de raça negra chamando-o de “macaco” durante o jogo. No caso, o Ministério Público entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que aceitou a denúncia por injúria racial, aplicando, na ocasião, medidas cautelares como o impedimento dos acusados de frequentar estádios. Após um acordo no Foro Central de Porto Alegre, a ação por injúria foi suspensa.

Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros. De acordo com o promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Thiago André Pierobom de Ávila, são mais comuns no país os casos enquadrados no artigo 20 da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

 

(Thays Araujo)

Notícia atualizada às 08h11 de 28/09/22