Correio de Carajás

África trava negociações da Meta Global de Adaptação na COP30 e pressiona prioridade do Brasil

Movimento africano por adiar a adoção dos indicadores da GGA desafia presidência brasileira e acende alerta sobre o futuro da adaptação climática.

Fachada da entrada principal da sede da COP30, a conferência do clima da ONU, em Belém (PA) / Foto: Mauro Pimentel

Adaptação climática COP30 domina as discussões em Belém após países africanos proporem adiar por dois anos a adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação, prioridade central do Brasil como país-sede. O movimento surpreendeu delegações, abriu um impasse político e colocou em risco a entrega mais esperada da conferência: um pacote robusto e mensurável para implementar ações de adaptação em escala global.

Na terça-feira (11), em conversas preliminares, o grupo africano defendeu que a adoção dos indicadores da GGA seja adiada por dois anos, justamente até a conferência que será sediada na Etiópia. A proposta surpreendeu delegações que esperavam fechar o tema ainda em Belém.

Um primeiro rascunho do texto, ao qual a Folha teve acesso, confirma esse movimento: trata-se de um documento repleto de alternativas, parágrafos entre colchetes e múltiplas versões para cada item em que não há consenso. As negociações com base nesse texto começam nesta quinta-feira (13).

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Por que a adaptação importa — e por que o impasse preocupa

Quase dez anos após o Acordo de Paris, o mundo ainda não conseguiu definir como medir avanços em adaptação climática — área que envolve infraestrutura urbana resiliente, preparo de regiões vulneráveis e agricultura capaz de enfrentar extremos climáticos. A ausência de métricas claras torna mais difícil monitorar se países estão realmente se preparando para os impactos inevitáveis da crise climática.

O Brasil chegou à COP30 empenhado em destravar justamente essa agenda. Nos últimos meses, o tema ganhou destaque na ONU, na pré-COP em Brasília e em reuniões multilaterais.

A disputa sobre a lista de indicadores

Originalmente, o pacote de indicadores contava com cerca de 5.000 itens. Após meses de trabalho técnico, o número caiu para 100, embora ainda não haja consenso sobre quais deles devem compor a lista final.

No ciclo preparatório realizado em Bonn, os países africanos defenderam reduzir a lista para aproximadamente 20 indicadores, posição que já mostrava divergência. Porém, nas conversas desta semana, o grupo mudou o foco: não insistiu na redução, mas passou a defender o adiamento da implementação.

O argumento central é que muitos países africanos — altamente vulneráveis e com baixo poder de investimento — não conseguiriam cumprir rapidamente a nova exigência sem financiamento adicional. Assim, preferem empurrar a decisão para o próximo ciclo da COP.

O que diz o rascunho do texto

O documento preliminar traz cinco versões alternativas para alguns trechos sobre os indicadores. Entre elas:

  • considerar apenas a lista elaborada pelo grupo técnico;

  • reconhecer a lista, mas classificá-la como incompleta;

  • “tomar nota da lista final” e iniciar uma fase piloto de dois anos — proposta que mais agrada os países africanos por postergar decisões.

Há ainda uma sugestão paralela para iniciar um “processo de dois anos” destinado a desenvolver meios de implementação dos indicadores.

Observadores reconhecem que ainda é cedo e que essa posição pode ser apenas uma estratégia para medir a reação dos demais países. Porém, delegações relatam que outros blocos — como o grupo árabe — já demonstram apoio ao adiamento, o que pode fortalecer essa linha.

Falta de consenso e temas ausentes

O rascunho não menciona:

  • o número final de indicadores;

  • demandas de movimentos negros por incluir menções a afrodescendentes, reivindicação que historicamente recebe apoio de países como o Brasil, mas nunca foi incorporada.

Os riscos de não fechar a GGA em Belém

Para especialistas, o fracasso em alcançar um acordo na COP30 seria um retrocesso significativo. Segundo Kristin Dreiling, da The Nature Conservancy, se o pacote não for adotado e o planejamento futuro não avançar, “tudo o que foi construído até aqui pode se perder”.

A lacuna de investimentos em adaptação — calculada pela ONU em até US$ 339 bilhões por ano — torna a definição de metas e indicadores ainda mais urgente. Países defendem que haja uma meta de financiamento específico só para adaptação, mas esse também é um ponto de divergência.

Alguns entendem que esse recurso já está contemplado no novo patamar global de US$ 300 bilhões anuais, definido na COP29. Outros defendem triplicar os valores destinados exclusivamente à adaptação, chegando a US$ 120 bilhões até 2030.

O que significa esse impasse para o Brasil?

A presidência brasileira investiu capital político para que a COP30 seja marcada pela implementação da adaptação climática. O adiamento defendido por países africanos, se ganhar força, dificulta esse objetivo e pode transformar Belém em apenas mais um capítulo de debates inconclusos.

Enquanto isso, organizações ambientais alertam:

“Agir pela adaptação significa poupar vidas e recursos. É fundamental que a Meta Global de Adaptação seja definida aqui na COP30”, afirma Flávia Martinelli, do WWF-Brasil.

Nas próximas horas e dias, a postura dos demais países será crucial para determinar se a COP30 conseguirá entregar uma decisão histórica ou se seguirá empacada em indefinições — justamente no tema que deveria ser o legado brasileiro.

(Fonte: Florestal Brasil)