Correio de Carajás

Advogada marabaense consegue que tutor com TEA viaje com seu cão de apoio emocional

A marabaense e advogada Chiara recorreu à ordem judicial provisória que possibilitou o final feliz da história atípica

As rígidas e difusas regras das companhias aéreas brasileiras para o transporte de pets sempre são alvo de debate, questionamentos e em geral são inflexíveis, mesmo diante das condições especiais do animal e até do seu tutor. Mas essa lógica teve um final diferente aqui no Pará, para um tutor especial e seu cachorro de apoio emocional braquiocefálico da raça Pug. Uma liminar na Justiça garantiu que viajassem juntos, na cabine do avião, abrindo novos precedentes para casos dessa natureza.

Uma história atípica ocorrida em dezembro do ano passado, em Belém, com um vínculo para além do afetivo entre um adolescente com o Transtorno do Espectro do Autista (TEA) e um cachorrinho, que foram, a princípio, impedidos de embarcar juntos devido aos 11kg do cão, peso não permitido pela companhia aérea para viagem na cabine. O caso chamou a atenção para a precariedade da legislação brasileira no que tange os transtornos e os direitos de seus portadores, além do cuidado com os animais.

Diante da luta da família do jovem e de sua advogada marabaense, Chaira Lacerda Nepomuceno, o Correio de Carajás entrevistou a profissional, que contou em detalhes todos os desafios da família que estava se mudando da capital paraense para o Estado do Rio de Janeiro.

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Tarê é um cachorro da raça pug que além de ser o melhor amigo do jovem, também é um animal de apoio emocional.

O autismo é um transtorno que afeta a capacidade de comunicação, interação e comportamento. Ele pode se manifestar em diferentes intensidades, mas de modo geral, os autistas não reagem bem em algumas situações, como ambientes muito barulhentos ou estressantes, como é o caso de um voo. A reação a esses cenários varia de pessoa para pessoa, mas a insegurança, medo e desconforto sentidos são sempre prejudiciais tanto para o autista quanto para aqueles que com ele convivem.

No entanto, a vida dessas pessoas pode ser melhor com o auxílio de fiéis ajudantes: os cães de assistência. Esses animais, por meio de treinamento profissional, adquirem características e habilidades que proporcionam a melhoria da autonomia das pessoas com alguma deficiência ou transtorno, como o autismo e como o jovem desta reportagem. Esses animais auxiliam os donos de duas maneiras: com o apoio físico e emocional.

Os cães de assistência mais conhecidos são os cães-guia, que se tornam importantes aliados dos deficientes visuais. Por meio de treinamentos, esses animais aprendem a obedecer a comandos e proporcionam mais mobilidade e independência aos donos.

Entretanto, no caso dos que são treinados para ajudar pessoas autistas, os animais também têm um papel muito importante, pois ajudam a pessoa com TEA a desempenhar funções que podem ser consideradas um desafio, como interagir com outras pessoas em ambientes públicos, por exemplo. Além disso, a relação “humano-animal” costuma ser marcada por confiança e sentimento de segurança do autista em relação ao cachorro. A companhia do animal também pode, em muitos casos, contribuir com a diminuição da ansiedade dos autistas.

Alguns cães de serviço para autistas, inclusive, recebem treinamento que os capacita a reconhecer e interromper de maneira suave alguns comportamentos autoprejudiciais ou até ajudar a cessar colapsos emocionais. Por exemplo: em resposta a sinais de ansiedade ou agitação, algumas ações do cão como encostar-se suavemente no autista pode aliviar o sintoma.

Além das particularidades do adolescente, seu cãozinho, nominado carinhosamente como Terê, também possui uma singularidade: uma patologia de origem congênita, causada pelo cruzamento genético de raças resultantes nas características de focinho curto e crânio estendido, dificultando a passagem de ar pelas vias aéreas superiores, causando a síndrome respiratória chamada de braquicefálica: “Isso impedia que o animal viajasse da mesma forma que outros animais acima dos 10kg são transportados de avião. Javia risco de morte”, explica Chaira.

Como a opção do cão viajar no porão do avião estava fora de cogitação, a família do jovem acionou a advogada para lutar por essa causa singular e, teoricamente, recente, tendo em vista que o projeto de lei que garante às pessoas com deficiência mental, intelectual ou sensorial o direito de ingressar em locais públicos, ou privados com um cão de apoio emocional foi aprovado somente em abril do ano passado, mesmo de forma promissora e dos bons resultados das abordagens terapêuticas com animais sobre a comunicação, a interação social, a diminuição de crises de ansiedade e diversas outras melhorias no quadro clínico das pessoas com diferentes deficiências.

Chaira narra que o pai do adolescente a procurou para ajuizar uma ação, solicitando uma liminar para que o juiz permitisse que a companhia aérea embarcasse o animal da forma ideal para o caso, na cabine, fazendo seu trabalho de apoio emocional em uma conjuntura que exige amparo afetivo a alguém que, como o menino, vive um transtorno complexo: “Foi necessário, inclusive, o laudo do psiquiatra comprovando que Terê faz parte de sua terapia”, complementa.

No fim das contas, tudo correu como deveria e o jovem e seu querido pet puderam transitar da capital paraense ao Rio de Janeiro juntos. Na qualidade de animal de apoio emocional, ele inclusive pôde ir fora da caixa, como acompanhante do menino que precisa e precisava dele, em especial naquela situação.

LIMITAÇÕES

As companhias aéreas ainda não permitem tal ação porque não existe uma lei que regulamento esse tipo de situação, ao contrário do cão guia que possui uma lei que obriga a companhia a embarcar, então consequentemente a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) impossibilita tal tipo de embarque, gerando situações como essa, onde as pessoas precisam recorrer ao poder judiciário para ter tal direito.

“A área jurídica que abrange os direitos dos animais com relação a casos específicos de seus tutores ainda está em expansão, e o que pesa nesta situação é a pessoa com transtorno mental e precisa do seu apoio emocional”, diz a advogada, ressaltando que casos assim, infelizmente, mostram uma deficiência jurídica brasileira que já poderia ter evoluído neste quesito. (Thays Araujo)