A noite de domingo (29) reservou um momento especial para a música em Marabá (PA). O Carajás Centro de Convenções foi palco do show “Margem”, de Adriana Calcanhoto. Não é um paradoxo dizer que a exuberância discreta da artista ficou explicitada na apresentação que durou uma hora e vinte minutos e mergulhou seus fãs em delírio puro. Mas o show não pode ser analisado como um evento isolado. O sucesso da apresentação concebida em parceria com produtores culturais locais representa um indicativo de que Marabá pode e deve ser inserida no circuito dos grandes shows nacionais de música, pois há público e local para isso na cidade.
Aliás, ao final do show, grande parte do público foi tomada pela sensação de que Marabá merece mais momentos como esse. A cidade abriga brasileiros dos mais diferentes matizes culturais, mas sempre esteve à margem das grandes apresentações de nível nacional. O público desse formato de show em Marabá sempre viu tudo enquadrado, pela tela, pela janela… Os cantores de renome que vocalizam ritmos fora do eixo sertanejo/forró/brega sempre fizeram apresentações pontuais na cidade. Mas o show de Adriana Calcanhoto certamente carrega consigo a perspectiva de se tornar um divisor de águas.
Da Análise
Leia mais:De acordo com o músico Itair Rodrigues, um dos parceiros do espetáculo, o show “Margem” apresentou uma musicalidade carregada de uma dinâmica digna de mestres. “Músicos excepcionais”, resumiu o profissional da área.
Já o professor e jornalista Magno Barros observa que o desempenho da artista, sua capacidade técnica e sensibilidade já são conhecidas, mas o trabalho profissional da produção, luz e som merecem ainda mais destaque.
“O som estava espetacular, nada como um engenheiro na sua função, som bem distribuído e com uma qualidade que nos fazia sentir cada instrumento, tudo foi muito bem projetado”, observa, acrescentando que, para atender às especificações exigidas, foi preciso trazer equipamentos de Parauapebas. “Valeu a pena. Shows como o de ontem (29) nos elevam a outro patamar”, avalia.
Além disso, o contato da artista e seus músicos com o público também foi interessante. Ela foi econômica nas palavras e nos gestos e não forçou a barra; agiu com fineza, numa comunicação orgânica, uma simpatia natural, mas sempre comedida.
Ao iniciar o show, uma de suas canções remeteu à mitologia grega da travessia de Ulisses entre Cila e Caribdes, passando pelo canto das sereias, para provocar reflexões na plateia; rememorou quatro ou cinco sucessos consagrados para manter seu vínculo nostálgico com o público.
A sutileza de sua corporeidade produziu na plateia um sentimento de incompletude, de buscar algo mais, de querer… Exemplo notório foi quando citou Marielle Franco e a Amazônia. Os temas são espinhosos pelo momento político do País, mas a cantora tocou nesses espinhos, sem ativismo nem militância política, mas com classe, com discrição, ela expôs o seu modo, se mostrou… (Chagas Filho)