Um áudio de 47 segundos reproduzido em grupos de WhatsApp nesta sexta-feira (1º) dava conta de um suposto rapto de adolescente que teria acontecido pela madrugada em Marabá. Como anexo à gravação de voz, fotos do crachá de um funcionário de uma agência bancária no Maranhão, apontado como raptor da moça, e de sua habilitação foram encaminhadas. No início da noite, contudo, uma reviravolta ocorreu no caso e acendeu, em meio à divergência de opiniões, um longo debate sobre o tema.
Antes de tudo, urge que um esclarecimento seja feito. De acordo com o Código Penal, rapto é o ato de sequestrar uma mulher com o intuito de possuí-la sexualmente. Diferentemente de um sequestro, que, no Direito Penal, é o crime caracterizado pela privação da liberdade de alguém. No caso específico, o homem é acusado pelo narrador do áudio de induzir a moça a fugir de casa, o que configura o crime de sonegação de incapazes.
Em um vídeo divulgado pelo homem e pela adolescente (que não terá sua identidade revelada e será chamada de Clara), após a divulgação do caso, ele desmente que tenha raptado a moça. Ela, por seu turno, afirma categoricamente ter vontade de se casar com ele. “Acontece que eu queria me casar com ele e ainda quero, mas os meus pais me impediram por conta da minha idade. Então eles tiraram o meu contato com a internet, com o celular e com outros meios de comunicação, justo nesse momento de coronavírus, de fazer e enviar as minhas atividades escolares por e-mail”, conta a garota.
Leia mais:A atitude dos pais, na avaliação de Clara, se traduzia uma privação de liberdade. “A minha única opção era sair de casa. Não era isso o que a gente queria (ela e o homem), mas fomos obrigados a fazer”, revela.
Na sequência, o homem afirma que entrou com ação na Justiça solicitando autorização para o casamento. “Assim que ela me pediu ajuda, eu procurei uma advogada e nós fomos, realmente, atrás de ver como faria. Assim que a decisão do juízo sair, a gente vai se casar”, finaliza o homem.
Tudo começou quando Clara completou 17 anos, data celebrada por ela no dia 3 de abril. Quem conta isso é o pai da moça, que aqui será chamado de Augusto (nome fictício). Segundo ele, a adolescente até passagem comprada para ir a uma comunidade religiosa católica tinha. “Até então, nesses últimos dois anos, ela era uma menina tranquila, cristã, já estava até com passagem comprada para ir a um convento. Era da igreja e da escola para casa”, afirma ele.
O pai avalia que a garota conheceu o homem em uma viagem familiar. “Porém, da noite para o dia, eu fiquei sabendo que ela conheceu um homem em uma visita que fez à minha irmã que mora em Balsas (MA). Como ela gosta muito de crianças, e esse homem tem duas na faixa etária de sete a oito anos, ela desenvolveu um afeto por ele, como qualquer adolescente que se apaixona”, expõe Augusto.
Ainda de acordo com o genitor da adolescente, o homem chegou a pedir a mão de sua filha para a mãe dela, sua ex-esposa, mesmo com a patente diferença de idade. “Ele, de má-fé, acredite, procurou a mãe dela em Imperatriz, onde ela reside, e o padrasto dela questionou muito a motivação de ele querer ter um relacionamento com ela sendo ele já um senhor”, revela.
Augusto conta que o homem propôs que ambos (ele e sua filha) tivessem um relacionamento cristão e supervisionado pelos pais, mas a iniciativa não foi bem vista pelos familiares da garota. “Ele propôs, descaradamente, ter um relacionamento como qualquer outro relacionamento cristão com ela. E que nós pudéssemos até supervisionar essa relação. Ou seja, como se diz na linguagem religiosa, seria um relacionamento ’em corte’. Só o fato de ele querer um relacionamento com ela já o torna um ser questionável, porque um homem da idade dele, se tivesse discernimento, não procuraria se relacionar com uma adolescente”, assevera o pai.
Questionado pelo CORREIO sobre as acusações de cárcere privado feitas por Clara no vídeo, o pai negou e garantiu à Reportagem ter conversas no WhatsApp com a filha em que a moça pediu para sair e ele teria autorizado. O que aconteceu, conforme o pai, foi uma regulação da garota quanto ao acesso ao celular. “Eu autorizei a minha ex-mulher a confiscar o celular dela, porque ela queria sair sem autorização. E qual é o adolescente que tem autonomia de sair para onde quiser?”, questiona. “Todo pai que tem o mínimo de bom senso quer saber para onde o filho vai e controla. É assim em toda família normal, eu não sei em outras. Mas a nossa família é assim. E nós a proibimos de sair sem nos comunicar”, continua ele.
Neste sentido, o pai pondera que a filha é ainda ‘muito ingênua’ para tomar tão importante decisão, como é o caso de um casamento. “A nossa menina é muito ingênua. Uma moça tanto afetuosa, quanto ingênua. Se ela fosse uma mulher adulta, bem resolvida, tudo bem. A diferença de idade não influenciaria em nada. Mas ela nem os estudos terminou ainda. O que nós não queríamos com ela utilizando o celular era que ele chegasse a tal ponto de manipulá-la completamente, o que aconteceu”, sustenta, com a voz embargada.
Sobre como Clara conseguiu fugir de casa sem ser percebida, Augusto narra que ela saiu na madrugada. “No dia da fuga, ela resolveu dormir comigo no meu quarto, com a intenção de pegar a chave que sempre ficava lá. Ela estava um pouco ansiosa, mas eu, cansado pelo trabalho, não percebi nada”, explica. “A família está toda transtornada com esse episódio, porque nem conhecemos esse homem”, revela o pai.
Um boletim de ocorrência foi registrado na 21ª Seccional de Polícia Civil de Marabá comunicando a fuga. Além disso, Augusto afirma que ingressou com pedido de busca e apreensão de menor na Justiça. “Estou indo ao Maranhão também para processá-lo por sonegação de incapaz, que é o ato de induzir à fuga. Nem de longe ela tem discernimento suficiente para decidir um casamento, ainda mais com um homem de comportamento doentio. Quem diz isso não sou eu, mas a ex-esposa dele”, finaliza. (Vinícius Soares e Luciana Marschall)