📅 Publicado em 24/10/2025 15h53
Você conhece a Missa Tridentina? Também chamada de Missa de São Pio V ou “Missa de Sempre”, ela é a forma litúrgica do Rito Romano codificada e tornada obrigatória pelo Papa Pio V em 1570, tendo o uso do latim como uma de suas características mais marcantes.
A obrigatoriedade dessa celebração foi extinta em 1969, quando o Papa Paulo VI, após o Concílio Vaticano II, instituiu a nova forma da missa, permitindo o uso das línguas locais. Décadas depois, em 2007, o Papa Bento XVI a liberalizou, facilitando seu uso. Contudo, em 2021, o Papa Francisco impôs novas restrições, tornando sua celebração dependente da autorização do bispo diocesano.
Mesmo com as limitações atuais, a Missa Tridentina ainda é celebrada em muitos lugares do mundo, inclusive aqui em Marabá, onde um grupo de fiéis mantém viva essa tradição.
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Em Marabá
Mensalmente, católicos se reúnem na Capela São Pedro, da Paróquia São José Operário, na Folha 30, para celebrar o rito. O grupo, que surgiu há quase sete anos, é formado por fiéis que desejam preservar as práticas e a espiritualidade da liturgia tradicional.
Em entrevista ao Correio de Carajás, o zootecnista Diego Pinheiro e o estudante João Manuel, ambos católicos, contaram mais sobre o movimento, que vem crescendo e atraindo novos adeptos ao longo dos anos.
“A Missa Tridentina não explica o divino, ela o manifesta”, resume Diego.
Segundo o zootecnista, para que o movimento conquistasse espaço em Marabá, foi necessária uma verdadeira mobilização popular. Por meio de cartas e e-mails, muitos deles escritos em italiano, o grupo pediu autorização diretamente ao Núncio Apostólico, representante da Santa Sé no Brasil. “A gente lotou o e-mail do núncio com muitas mensagens. Até que, em um dos momentos, ele nos convocou para uma reunião.”
O esforço deu resultado. Em 2016, sete pessoas se uniram com o propósito de resgatar os costumes da Missa. Atualmente, cerca de 100 fiéis participam regularmente das celebrações mensais, conduzidas pelo padre Zeno Rodrigues de Aguiar, também vigário na Paróquia Santuário Nossa Senhora de Nazaré.
Apesar da resistência de parte da comunidade católica às práticas mais antigas, Diego acredita que a tradição tem muito a oferecer. “Fica um convite para aqueles que querem viver um momento de contemplação, onde o divino não se explica, ele se mostra. É uma experiência de silêncio, de oração e de orientação total a Deus.”

De joelhos, uma promessa no Círio
Durante o Círio de Nazaré, o estudante João Manuel chamou atenção da comunidade local ao cumprir uma promessa especial: ele percorreu todo o trajeto de joelhos, como forma de gratidão pelas bênçãos recebidas – entre elas, o crescimento da Missa Tridentina em Marabá.
“Eu prometi à Nossa Senhora de Nazaré que, se o movimento continuasse crescendo, eu pagaria essa promessa. Passei 14 horas de joelhos e não senti nenhuma dor física. Essa graça eu atribuo a Santa”, relata. “Não é nenhum ato heroico, é muito mais um ato de fé.”
Durante o percurso, João rezou, fez ladainhas e dedicou o sacrifício a Jesus Cristo e à Virgem Maria. Para ele, o esforço físico é também um gesto de amor e reparação espiritual.
Liturgia tridentina
A Missa Tridentina carrega uma atmosfera profundamente contemplativa. Cada gesto, cada palavra em latim e até o silêncio têm um significado espiritual que conduz o fiel à adoração. Para os participantes do movimento em Marabá, esse é o elemento que mais distingue o rito tradicional da missa moderna.
A chamada “Missa Nova”, promulgada em 1969, introduziu uma linguagem mais participativa e acessível. Já a Missa Tridentina mantém uma estrutura simbólica e hierárquica, centrada na figura do sacerdote que, de costas para o povo e voltado para o altar, conduz a comunidade ao encontro com Deus. “Toda a Missa Tridentina é voltada do padre para Deus”, explica Diego. “O fiel permanece em oração constante, em silêncio, em verdadeira contemplação ao corpo de Cristo.”
Essa postura reflete o entendimento de que a missa é, antes de tudo, um sacrifício oferecido a Deus, e não apenas uma reunião comunitária. Por isso, todos os movimentos do padre têm um propósito: guiar os fiéis para o mistério eucarístico. “O padre está o tempo todo nos levando para o caminho de Cristo. Ele olha para Cristo e oferece toda aquela oração do fiel que está ali atrás”.
Na Missa Tridentina, segundo João Manuel, a Eucaristia é recebida de forma diferente: os fiéis se ajoelham diante do altar e recebem o Corpo de Cristo diretamente na boca, das mãos do sacerdote. “Há um extremo cuidado com a comunhão. Não se recebe nas mãos, é o sacerdote quem entrega, e de joelhos, como sinal de reverência”, relata o estudante. Os cânticos também seguem uma estética particular, marcada pela sobriedade e pela tradição.
Durante a celebração, há momentos em que o padre reza em voz quase inaudível, conhecidos como “orações secretas”. “Ele reza quase como num cochicho, porque são momentos de diálogo dele com Deus para o oferecimento do sacrifício”, conta João.
Essa dinâmica cria um ambiente no qual o fiel pode mergulhar em oração pessoal, sem distrações. Exceto o momento do Evangelho e da consagração, o fiel pode rezar o rosário ou outra oração de piedade durante a missa.
Entre os fiéis, há um sentimento comum: a emoção da Missa Tridentina é diferente, porque nasce não de estímulos externos, mas da própria presença de Cristo. Para os entrevistados, o grande diferencial entre a Missa Tridentina e a Missa Nova é a emoção. Ela vem do silêncio, da contemplação, da presença real do nosso Senhor Jesus Cristo. Não é a emoção de uma música, de uma luz ou de palavras motivacionais, é a emoção do sagrado.
Para eles, mais do que uma forma antiga de celebrar, a Missa Tridentina é uma experiência de transcendência, onde o homem se cala para que Deus fale.
