Correio de Carajás

Ademir era Ademir. E ponto.

A trajetória de um homem inquieto, solitário, que era magnífico com a palavra, mas que tinha dificuldade nos relacionamentos

Mago. Um homem que parecia criar palavras ou lhes dava novos significados. Os textos das páginas anteriores, escritos por diversas vozes, expressaram quem era Ademir Braz e a importância da sua escrita. Fosse como poeta, jornalista ou escritor, deixou um legado relevante que ainda merece e precisa ser explorado por acadêmicos. No Direito, não teve expressão não representativa.

Era boêmio amante dos barzinhos, frequentador assíduo do Bar do Orlando, na Velha Marabá (não existe mais) e amava uma boa prosa com amigos. Teve vários amores e filhos. Nos últimos anos, acabou isolando-se em casa, na Folha 17, onde passou necessidades.

Familiares tentaram ajudá-lo a livrar-se do vício do álcool, mas ele resistia. Amava suas orquídeas, seu cão fiel. Por várias vezes, diversos amigos foram a sua casa para ajudá-lo. Ora os recebia, ora os evitava.

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Por fim, vivendo em um ambiente insalubre em sua residência, há cerca de dois meses, com ajuda de Vanda Américo, presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá, do prefeito Tião Miranda e de vários anônimos, a família conseguiu sua interdição junto à Justiça e Pagão foi levado para o Cipiar (Centro Integrado da Pessoa Idosa Antônio Rodrigues), onde passou a receber cuidados especiais junto com outros idosos.

Familiares o visitavam quase que diariamente, amigos também passavam por lá. Mas na última segunda-feira (04), sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e foi levado pelo SAMU para o Hospital Municipal de Marabá. No dia seguinte, após uma nova parada, ele não resistiu e faleceu por volta de 9h30.

Ademir tinha uma personalidade forte. Como jornalista, escreveu contra os interesses de poderosos. E fazia o mesmo com sua caneta de poeta.

Não estamos tentando idolatrá-lo. Tinha seus defeitos, como todos têm. Mesmo entendê-lo era difícil. Mas seu legado permanece. De palavras que precisam ser refletidas. (Ulisses Pompeu)

Linha do tempo de Ademir Braz

José Ademir Braz da Silva iniciou-se em Jornalismo na “Província do Pará”, de Belém, em 1972. Consta, inclusive do livro de Carlos Roque – “A História do Jornalismo no Pará”. É advogado formado pelo Campus da Universidade Federal do Pará em 1999, e inscrito na OAB-PA sob n° 9.702.
Foi correspondente do jornal “O Estado de S. Paulo” em Marabá, entre 1974 e 1977, período que começou a trabalhar também na Administração Pública local, como Chefe de Gabinete e/ou Assessor dos Prefeitos.

1978 – Secretário de Educação em São João do Araguaia
1979/1984 – Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do Pará
1988/89 – Redator do “Correio do Tocantins”
• Implantou e dirigiu o Departamento de Jornalismo da TV Liberal de Marabá.
1989/92 – Redator-Chefe do “Correio do Tocantins”
• Poeta, publicou seu primeiro livro de poesias “Esta terra” em 1981 pela Editora Neo-Gráfica, de Belém, edição pessoal rapidamente esgotada.
• Medalha de Ouro no III Concurso Nacional de Poesias, da Editora Brasília (DF), em 1982 – “I Antologia de Poetas Paraenses”, Ed. Shogun, Rio de Janeiro.
• Correspondente Literário da Academia Paraense de Letras.
• Compositor, em parceria com o santareno Wada Paz recebeu prêmio de “Melhor Música” no festival de Verão da MPB em Marabá, em 1986. Com Paz tem músicas nos LPs Maleáveis, Flexíveis (1987) e Ama Zona (1991).
1992 – Participação no Projeto “O Escritor na Cidade” com palestras em Belém, Santarém, Bragança, Barcarena e Ananindeua.
1993 – Melhor Letra no Festival da Canção em Bragança.
1993 – 1° Lugar no I Concurso de Poesias da Casa da Cultura de Marabá
1993 – 1º Lugar no Concurso de Fotografia da Casa da Cultura de Marabá.
1994 – III Concurso Nacional de Poesias da APE (Associação Paraense de Escritores), Belém
1994 – IX Antologia Poética Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo, Edição Comemorativa dos 100 anos do Poeta Brasileiro Cassiano Ricardo. São José dos Campos, SP.
1995 – III Concurso de Contos da Região Norte, Novos Contistas da Amazônia, Editora Universitária UFPA, Belém
1995 – 1° Lugar no I Concurso de Poesias do Campus Universitário de Marabá, categoria 3º Grau.
1995 – X Antologia Poética Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo, São José dos Campos, SP.
1996 – Melhor Letra do X Festival da Canção em Marabá.
1997 – V Concurso de Contos da Região Norte, Universidade Federal do Pará, Belém. Editor do Jornal Opinião.
Classificado entre os 20 finalistas do Concurso de Contos Guimarães Rosa, promovido pela Radio France Internationale, do qual participaram 1.584 contos de escritores da França, Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Espanha, São Tome e Príncipe, Uruguai, Japão, Canadá, Alemanha, USA, Colômbia, Bélgica, Noruega, Bolívia, Panamá, Itália, Equador, Argentina, Suíça e Brasil.
1998 – Publicação e lançamento da Antologia Tocantina, com patrocínio da Fundação Casa da Cultura de Marabá.
Correspondente do jornal Gazeta Mercantil no Pará
1999 – Recebe o Diploma de “Distinção Profissional” concedido pelo Rotary Club de Marabá, Distrito 4720, em reconhecimento por seu trabalho jornalístico.
Recebe o Prêmio Buiúna, conferido pela Associação dos Artistas Plásticos de Marabá e Secretaria Municipal de Educação.
2007 – Funda o Blog Quaradouro, onde tem liberdade para expressar sua opinião, com publicação de notícias, crônicas e poesias, com quase 1 milhão de visualizações.
2008 – Passa a integrar a Academia de Letras do Sul e Sudeste do Pará, ocupando a Cadeira de Número 07.
2015 – Publica “A Bela dos moinhos azuis”, único livro de prosa que deixou impresso.
2022 – Após resistir a AVCs, morre a 5 de julho, vítima de parada cardiorrespiratória.

 

Ademir, ainda jovem, autografando seu 1º livro, Esta Terra, para o então prefeito Bosco Jadão

“Quando eu morrer, vou voltar pro Granito”

Filho de Dona Ana Valente, Ademir Braz nasceu e cresceu na Rua Itacaiúnas. Depois, quando os neocolonizadores chegaram, colocaram o nome de Benjamim Constant. Mas nunca mudaram o nome do Granito, campo de futebol que ficava quase em frente sua casa, na Marabá Pioneira, e de onde ele tinha as lembranças mais afetivas de sua vida.

Em diversas poesias, crônicas e conversas de botequim, Pagão fazia referência ao velho campo de futebol, que para ele era mais nostálgico do que o Zinho Oliveira.

Abaixo, leia o poema em “Do lado de lá”, que ele escreveu para os “Manos do Mercadão” em 28 de julho de 2006, quando seu amigo e também poeta Aziz Mutran tentou tirar a vida.

Do lado de lá

O poeta, quando morre, não vai
pra céu, inferno ou purgatório;
volta pros seus rios e campos
de onde nunca deveria ter saído
(inda ontem mesmo vi o Azizin
querendo, por amor, pular
da caixa d’água).
Quando eu morrer,
vou voltar pro Granito,
pular da gameleira no Tacaíuna,
comer a bóia do Aristide na olaria,
juntar azedinha no Pirucaba
e cutucar a buiúna com a vara
curta de pescar mandi.
E se me zangar só um tiquim,
Vou roubar manga de cheiro
No quintal da Tomazinha.

Ademir Braz

 

FLUXOGRAMA

Não me peçam virtudes.
Essas, não as tenho.
Não como se compreende
a virtude: coerência,
rito aceito, sensatez.
Sou insensato, eis tudo.
A cada dia sou outro:
erro com a rosa dos ventos.
Não me peçam fronteiras
nem definições, fidelidades.
Meu olho sangra muros e o Ser
expõe-se ao tempo, tempestades.
Sou hoje aqui e o agora.
Outros serei amanhã e depois
de amanhã o sol revelará
a face que ainda não me sei.
Só quero viver o meu tempo,
consumir-me – sarça ardente.
Porque é inútil quem não vive
o seu tempo.

Ademir Braz

 

TREM DE FERRO

Então, meu mano, o mundo
pegou de raiva com a gente:
abriu a tranca do inferno
tirou seus monstros de ferro
cortou o verde das matas
rasgou a casca do ovo
e despejou nossa história.

Depois, os seus cavaleiros
entraram portas a dentro
cortaram nossos cabelos
comeram nosso feijão
botaram fogo na roça
e semearam colonião.

Morreu quase todo bicho
esvaiu-se todo encanto
visagem caiu no mato
– pernas, para que te quero? –
passarinho foi embora
dizer pra onde não sei;
só ficamos nós, coitados,
presos no arame farpado,
bando de bois entre bois.
Calcule nossa tragédia.

Ademir Braz