Entre poetas e jornalistas que já andaram por essas terras, José Ademir da Silva Braz foi o mais extraordinário deles. Isso quem afirma são aqueles a quem, em vida, ele chamou de amigos, os que o leram e que os que o pesquisaram.
Para quem, porventura, não conheceu, leu ou ouvir Ademir Braz, o Pagão, um lamento silencioso ecoa nas entranhas da cidade que ele tanto amou e referenciou em seus versos. Contudo, algumas lamúrias podem ser contidas, basta que os leigos das palavras do Pagão abram suas obras, folheiem seus escritos e naveguem nas águas de seu rio de palavras. Ou que contemplem, com olhos, ouvidos e corações a sua última entrevista, gravada em 2021 e imortalizada em um curta-documentário lançado pela Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM) na noite de quinta-feira (28).
Cunhado para emocionar, o documentário retrata a trajetória e homenageia o advogado, escritor e poeta marabaense, falecido em 2022, que contribuiu para a cultura e literatura da região de maneira expressiva.
Leia mais:O lançamento ocorreu no mesmo local onde a obra audiovisual foi gravada, no Museu Municipal Francisco Coelho, na Marabá Pioneira. Lugar onde a memória de um povo está encapsulada e preservada para as próximas gerações, assim como a existência do poeta, que em vida eternizou seus pensamentos e espírito em cada uma de suas linhas. Em prosa, poesia, crônicas e reportagens líricas.
DOS FILHOS, AS PALAVRAS
“Esta será a primeira vez que eu vou ouvir a voz do meu pai depois da morte dele”, revelou Ana de Luanda Borges Braz da Silva, pedagoga e filha de Ademir.
Com olhos coalhados de uma emoção não derramada e um sorriso que guarda memórias, Ana de Luanda conversou com a reportagem do CORREIO minutos antes do cerimonial iniciar e não resguardou palavras de afeto para se referir ao homem que tanto amou. No cerne de Ana de Luanda, Ademir era artista multifacetado, cuja existência está costurada nas paredes da história marabaense. “Para mim o documentário é um arcabouço histórico que nós temos que celebrar, manter e conservar”.
Amplamente pesquisado por acadêmicos de graduação e pós, cada estudo que surge sobre ele é um encontro, uma celebração do poeta que o Pagão foi em vida, é o que versa, saudosamente, Ana de Luanda.
E de todas as obras que o pai deixou, sua preferida é o duo “Rebanho de Pedras & Esta Terra”, livro que cresceu lendo e, quando menina, levava para a escola em dia de tarefa. E é no poema “Quintal” que ela se encontra, versos que foram escritos especialmente para a filha de Pagão.
“Às vezes, quando a saudade bate, eu pego os poemas do Rebanho de Pedra para ler e é como se ele estivesse, de alguma forma, me mandando conselhos para a vida. Então é a minha obra preferida mesmo, de verdade”, partilha.
Para Giordano Bruno Borges Braz da Silva, analista de sistemas, a última obra do pai, “Escuna Arcaica”, é tomada como preferida. “Apesar de ser curta e dele não ter visto ela ser entregue, e isso foi muito difícil, ela é minha escolhida”.
Reverberando as palavras da irmã, Giordano declama sua felicidade em participar das homenagens feitas ao pai, mas, algumas vezes, sente que é preciso mais. “Deveriam ser muitas mais, porque a importância do senhor Ademir Braz, para a sociedade, está na contribuição que ele trouxe para a cultura, advocacia e para o jornalismo, quando esteve no jornal Correio”.
Suas colunas, seus livros exaltando a cultura da terra de Francisco Coelho, a melancolia de suas letras são fragmentos que Giordano cita ao tentar traduzir o significado do genitor.
Saudosos de um pai que transformou sua vivência em poesia e prosa, os filhos sorriem e celebram suas obras e o documentário, relicários que salvaguardam a eterna existência do pai.
DOS AMIGOS, AS LEMBRANÇAS
“Ele era um cronista espetacular e se hoje eu também sou, é porque ele foi minha grande referência”, reverencia Ulisses Pompeu, jornalista e professor.
Quando menino, Pompeu foi vizinho de Pagão, mas naquela época um não tinha conhecimento do outro. Foi só muito depois, quando Ademir já dominava o mundo com suas palavras, que se tornaram conhecidos e chegaram a trabalhar no mesmo jornal, o Correio do Tocantins.
Ulisses foi convidado pela FCCM e pelo Museu para conduzir a entrevista feita com Ademir e que originou o documentário, o aprendiz celebrando o mestre. Mais um momento de identificação. Seguindo os passos do Pagão, hoje Pompeu compõe crônicas para o CORREIO, deságua no lirismo em suas reportagens e resgata histórias e memórias de Marabá. “Eu sou uma xerox malfeita dele, mas de alguma forma uma xerox”, diz, orgulhoso.
Para Vanda Américo, vereadora, a memória de Ademir Braz é fundamental para a vida cultural, a história e o acervo de Marabá. Tendo transitado por várias gerações, o poeta deixou um legado que deve ser reconhecido.
“Nós fizemos esse documentário com ele vivo (em 2021), mas não foi lançado antes por conta da pandemia. Eu fiz questão que ele viesse, conhecesse o museu, porque a irreverência do Pagão está aqui”, confabula Vanda.
Amiga pessoal de Ademir, Wânia Gomes, presidente da FCCM, conta para a reportagem do CORREIO apenas um fragmento das memórias afetivas que guarda sobre ele. “Nossas filhas nasceram com a diferença de um mês, a gente tinha toda essa relação, essa cumplicidade trocada. Então, o lançamento deste documentário me deixa ainda mais empolgada”.
O PAGÃO
José Ademir Braz da Silva iniciou-se em Jornalismo na “Província do Pará”, de Belém, em 1972. Consta, inclusive, do livro de Carlos Roque – “A História do Jornalismo no Pará”. É advogado formado pelo Campus da Universidade Federal do Pará em 1999, e inscrito na OAB-PA sob n° 9.702.
Foi correspondente do jornal “O Estado de S. Paulo” em Marabá, entre 1974 e 1977, período que começou a trabalhar também na Administração Pública local, como Chefe de Gabinete e/ou Assessor dos Prefeitos.
* 1978 – Secretário de Educação em São João do Araguaia
* 1979/1984 – Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa do Pará
* 1988/89 – Redator do “Correio do Tocantins”
* Implantou e dirigiu o Departamento de Jornalismo da TV Liberal de Marabá.
* 1989/92 – Redator-Chefe do “Correio do Tocantins”
* Poeta, publicou seu primeiro livro de poesias “Esta terra” em 1981 pela Editora Neo-Gráfica, de Belém, edição pessoal rapidamente esgotada.
* Medalha de Ouro no III Concurso Nacional de Poesias, da Editora Brasília (DF), em 1982 – “I Antologia de Poetas Paraenses”, Ed. Shogun, Rio de Janeiro.
* Correspondente Literário da Academia Paraense de Letras.
* Compositor, em parceria com o santareno Wada Paz recebeu prêmio de “Melhor Música” no festival de Verão da MPB em Marabá, em 1986. Com Paz tem músicas nos LPs Maleáveis, Flexíveis (1987) e Ama Zona (1991).
* 1992 – Participação no Projeto “O Escritor na Cidade” com palestras em Belém, Santarém, Bragança, Barcarena e Ananindeua.
* 1993 – Melhor Letra no Festival da Canção em Bragança.
* 1993 – 1° Lugar no I Concurso de Poesias da Casa da Cultura de Marabá
* 1993 – 1º Lugar no Concurso de Fotografia da Casa da Cultura de Marabá.
* 1994 – III Concurso Nacional de Poesias da APE (Associação Paraense de Escritores), Belém
* 1994 – IX Antologia Poética Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo, Edição Comemorativa dos 100 anos do Poeta Brasileiro Cassiano Ricardo. São José dos Campos, SP.
* 1995 – III Concurso de Contos da Região Norte, Novos Contistas da Amazônia, Editora Universitária UFPA, Belém
* 1995 – 1° Lugar no I Concurso de Poesias do Campus Universitário de Marabá, categoria 3º Grau.
* 1995 – X Antologia Poética Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo, São José dos Campos, SP.
* 1996 – Melhor Letra do X Festival da Canção em Marabá.
* 1997 – V Concurso de Contos da Região Norte, Universidade Federal do Pará, Belém. Editor do Jornal Opinião.
Classificado entre os 20 finalistas do Concurso de Contos Guimarães Rosa, promovido pela Radio France Internationale, do qual participaram 1.584 contos de escritores da França, Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Espanha, São Tome e Príncipe, Uruguai, Japão, Canadá, Alemanha, USA, Colômbia, Bélgica, Noruega, Bolívia, Panamá, Itália, Equador, Argentina, Suíça e Brasil.
* 1998 – Publicação e lançamento da Antologia Tocantina, com patrocínio da Fundação Casa da Cultura de Marabá.
Correspondente do jornal Gazeta Mercantil no Pará
* 1999 – Recebe o Diploma de “Distinção Profissional” concedido pelo Rotary Club de Marabá, Distrito 4720, em reconhecimento por seu trabalho jornalístico.
Recebe o Prêmio Buiúna, conferido pela Associação dos Artistas Plásticos de Marabá e Secretaria Municipal de Educação.
* 2007 – Funda o Blog Quaradouro, onde tem liberdade para expressar sua opinião, com publicação de notícias, crônicas e poesias, com quase 1 milhão de visualizações.
* 2008 – Passa a integrar a Academia de Letras do Sul e Sudeste do Pará, ocupando a Cadeira de Número 07.
* 2015 – Publica “A Bela dos moinhos azuis”, único livro de prosa que deixou impresso.
* 2022 – Após resistir a AVCs, morre a 5 de julho, vítima de parada cardiorrespiratória.
(Luciana Araújo)