Os cartuchos de calibres 12, 16, 20, 38 e 44 recolhidos nesta sexta-feira (27) na Fazenda Fortaleza, em Abel Figueiredo, sudeste do Pará, demonstram que o grupo responsável por uma invasão à propriedade durante a madrugada não estava para brincadeira.
Utilizando armamento pesado, sete homens chegaram ao local, na Vicinal Osvaldo Brito, na Gleba Mãe Maria, e abriram fogo contra a sede, na qual estavam dois funcionários e a esposa de um deles. A ação só terminou porque uma viatura da Polícia Militar se aproximou e afugentou os invasores.
A filha do proprietário, Jany Erica de Oliveira Santos, registrou boletim de ocorrência por meio da Delegacia Virtual da Polícia Civil, relatando que a ação ocorreu por volta das 4 horas. “Os funcionários relatam que acordaram com tiros, muito tiros, homens atacando a fazenda pra entrar. Me ligaram e eu liguei pra PM da cidade, eles foram atender à ocorrência”, informou, em entrevista ao Jornal Correio.
Leia mais:Jany conta que a fazenda passou por reintegração de posse recentemente, em dezembro de 2019, mas desde então o grupo que a ocupava vem realizando ameaças de nova invasão. “É bem claro que vão tomar a fazenda novamente, eles deixam claro isso”, diz, informando haver áudios de pessoas envolvidas com os ocupantes falando sobre a intenção de reocupar o local.
Estes arquivos, afirma, foram entregues para a Polícia Civil. “Estive na Deca (Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (Deca) algumas vezes, tem vários boletins de ocorrência registrados depois da reintegração, mas ainda não tinham feito o que fizeram nesta madrugada”, relatou.
A família nunca teve paz dentro da fazenda. Pouco depois da terra ser adquirida houve uma ocupação e um processo judicial passou a correr em 2007. Em 2013 houve a primeira reintegração de posse, mas logo a propriedade foi reocupada e apenas em 2019 os proprietários obtiveram a manutenção da reintegração.
“No início trabalhávamos com pecuária. Colocaram gado para fora, derrubaram a sede, invadiram com vandalismo. Na segunda vez novamente, estávamos refazendo a sede e eles entraram e derrubaram. Hoje é uma terra de apenas 44 alqueires, mas a seis quilômetros da cidade e onde dá para trabalhar tanto com pecuária quanto com a soja. Estamos tentando reorganizar nestes últimos três meses”, diz.
Conforme Jany, os ocupantes não são de movimentos organizados pela reforma agrária, mas pessoas que objetivam ocupar a terra para vendê-la. “A área é pequena e não é destinada à reforma agrária. No nosso processo o Incra se posicionou afirmando não ter interesse em desapropriar. Mesmo assim continuam perturbando, mesmo depois de ganharmos a liminar eles não aceitam a situação”, descreve.
Ela destaca ser comum na região de Abel Figueiredo, onde a produção de soja cresce a cada dia, as propriedades serem visadas para fins comerciais. “Eles invadem para comércio, são terras boas e valiosas, não são baratas. Invadem para comercializar elas. Dentro da minha terra tinha gente rica, plantadora de soja, que veio do Paraná para trabalhar com soja nesta região. Chegaram e compraram por baixo preço das mãos dos ocupantes e estavam lá plantando soja há cinco anos”, diz.
Ela acredita que os responsáveis pelo ataque desta madrugada aproveitaram a pandemia de coronavírus, que acabou limitando as atuações de órgãos públicos como os de segurança e judiciário. “Sabiam que a Deca não poderia vir, por exemplo, que o Poder Judiciário não está atuando normalmente. Para registrar a ocorrência tive que fazer na delegacia virtual”.
Jany teme pela vida dos funcionários e da família, já vai à fazenda diariamente. “Vou lá todos os dias, me preocupa que aconteça um conflito desses”. Por fim, ela conta que o pai se mudou há 20 anos para os Estados Unidos, em busca de maior qualidade de vida. Do trabalho desenvolvido lá conseguiu comprar a propriedade.
“O que temos hoje é essa fazenda de 44 alqueires que meu pai conseguiu honestamente, trabalhando e derramando o suor dele. Ele foi embora do país em busca de uma vida melhor, de algo melhor, quando conseguiu comprar essa fazenda invadiram ela”, lamenta. (Luciana Marschall)