Quem acompanha TV aberta e/ou redes sociais pôde ver que no sábado (9) a jornalista Aline Aguiar quebrou um tabu em horário nobre ao apresentar as notícias, na bancada do Jornal Nacional, com tranças nagô. E isso me deu um insight sobre outros que vieram antes dela, como Maju Coutinho e seu poderoso black power e, principalmente, sobre as mudanças cruciais que a estética visual do jornalismo vem vivenciando nos últimos anos.
Quando fui admitida pelo Correio de Carajás ainda vivíamos um momento em que as máscaras eram obrigatórias. Ninguém sabia que eu usava um piercing na boca. Sinceramente, eu até achei bom à época, porque é um adereço que chama muita atenção e eu, infelizmente, tinha receio de que isso dispersasse meus entrevistados ou me descredibilizasse.
No momento em que o uso deixou de ser essencial, eu, sem pensar duas vezes, tirei o piercing e, no primeiro dia de “liberdade”, optei por vontade própria por abrir mão de expressar quem eu era.
Leia mais:Quem me conhece fisicamente sabe que sou uma mulher branca, de cabelos lisos e estou dentro do que é conhecido como padrão. Logo, falo de um local que nem se compara a outros tipos de pressões estéticas, como as expressões ancestrais que cabem o black e as tranças. Mas eu cresci vendo mulheres e homens apresentarem jornais de terno, cabelos padronizados, sem adereços e isso refletiu, inconscientemente, no tipo de profissional que eu achava que deveria ser.
Conversando com um amigo de profissão, a quem muito admiro, ele levantou que seguir esse padrão estético clássico no jornalismo a que cito no parágrafo anterior é, na verdade, manter a tradição que preserva normas, crenças e valores dominantes na profissão.
Só que o rumo da nova era do jornalismo, em desviar dessa imagem convencional por meio de escolhas estéticas, vai além de maneira de afirmar que o jornalista não é apenas um produto padronizado, mas um ser humano complexo. Este profissional é influenciado por suas próprias normas, crenças e valores e todos esses elementos são aspectos não negociáveis, ele bem pontuou.
Quero deixar claro aqui que, nas normas do Correio, eu e todos os outros colaboradores somos livres para usarmos o cabelo que quisermos, termos tatuagem, usar adereços. Este pensamento de como eu deveria ser veio de mim mesma. Chega a ser engraçado. Logo eu, que tenho tatuagens, já tive sidecut (lado direito da cabeça raspada) e, durante muitos anos, usei todo o tipo de piercing que é possível imaginar.
Mas onde eu quero chegar com isso? A questão da aparência dos jornalistas, incluindo cabelos, tatuagens, piercings e outros elementos estéticos, reflete uma evolução nas normas sociais e nas expectativas profissionais ao longo do tempo. Tradicionalmente, havia certa expectativa de formalidade e conservadorismo na aparência dos jornalistas, muitas vezes associada erroneamente à ideia de seriedade na cobertura de notícias, como se uma coisa estivesse diretamente ligada à outra.
Quem não vive o jornalismo não entende que estamos passando por uma revolução. À medida que a sociedade evolui e as percepções sobre a expressão individual e a diversidade crescem, as normas para a aparência profissional têm mudado. A capacidade de um jornalista realizar seu trabalho de maneira ética e competente, aos poucos, tem deixado de ser determinada por sua aparência externa.
Tatuagens, piercings, cabelos coloridos, tranças, blacks e outras expressões pessoais e até ancestrais no ambiente jornalístico representam uma quebra de tabus e uma rejeição às normas tradicionais ultrapassadas, precisam ficar para trás e estão ficando. A mídia tem sido mais inclusiva e representativa da diversidade da sociedade, como um espelho.
É claro que a aceitação de diferentes formas de expressão pessoal no jornalismo ainda depende da cultura de cada redação, da audiência-alvo e da natureza do veículo de comunicação. Mas é visível e louvável que alguns veículos vêm abraçando a diversidade e a individualidade e, sem perceber, trazendo um público mais jovem consciente e que se sinta representado por aqueles que apresentam o que é notícia nas redes sociais e na tv.
A ideia central é que o debate na área jornalística deveria se concentrar no conteúdo do trabalho, no produto jornalístico entregue ao público, ao invés de focar na aparência física do jornalista. A decisão de abandonar a estética tradicional é uma forma de reivindicar a individualidade e emancipação do jornalista, o libertando de esquemas rígidos da razão instrumental que o tratam como uma simples extensão do “produto notícia”.
Em resumo, se trata de valorizar o jornalista como um indivíduo completo, capaz de contribuir para o campo jornalístico com autenticidade e uma perspectiva pessoal única.
A questão da aparência no jornalismo reflete as mudanças mais amplas na sociedade em relação à aceitação da diversidade e à quebra de normas tradicionais. Um viva para esse passo fundamental de garantir que a avaliação de jornalistas se baseie em sua competência profissional, ética e habilidades jornalísticas, em vez de critérios superficiais relacionados à aparência pessoal.
Se eu vou voltar a usar o piercing? Não sei. Mas eu definitivamente me sinto cada dia mais livre para me expressar fisicamente como quiser, porque a competência do meu trabalho não tem nada a ver com isso.
(Thays Araujo)
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.