Correio de Carajás

A reinvenção do ‘velho’ Miguelito

A reinvenção do ‘velho’ Miguelito

No dia 21 deste mês de setembro, o filho mais famoso do saudoso Miguel Pernambuco completa 62 anos de idade. É Miguel Gomes Filho, popularmente conhecido como Miguelito. Há 30 anos ele ocupa cargo de vereador em Marabá e em toda eleição há pessoas que falam em renovação na Câmara e citam seu nome como um daqueles que precisam ser trocados e o denominam de fisiologista. Todavia, entra ano e sai ano e o “vovô” do Parlamento continua sendo um dos mais influentes entre os vereadores e, agora, na terceira idade, busca se reinventar. Para isso, está na reta final do curso de Direito, matriculou-se em um cursinho para passar no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e quer mais.

Miguelito, antes de tudo, é uma figura polêmica. Esta semana mesmo, ele se alterou e apontou o dedo na cara de um representante da empresa Buritirama durante reunião fechada no Gabinete do prefeito Tião Miranda, perguntou se a empresa estava querendo dar para Marabá apenas “balinhas” e disse que a esmola era uma vergonha.

Pela experiência, Miguelito presidiu a Comissão Especial de Revisão da Lei Orgânica do município de Marabá

A seguir, acompanhe a entrevista concedida por ele ao Portal Correio de Carajás durante sua passagem semanal a um salão de beleza simples, onde ele faz retoques na coloração de seus cabelos:

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Portal CORREIO – É verdade que você resignou-se por alguns anos, mas acabou cedendo à utilização do WhatsApp?

Miguelito – Verdade. Por muito tempo eu disse não. Instalei o WhatsApp este ano, mas nem sei se entrei direito, porque é tanta fofoca, porqueira, que acho que isso não é evolução, porque gera uma preocupação nas pessoas. É improdutivo, eu penso, se você entrar em dois grupos, não digo mais do que isso, você passa o dia inteiro respondendo alguma coisa, com o celular fazendo barulho, as pessoas querendo conversar. Por um lado é bom porque as pessoas querem ter com quem falar. A pessoa tá com um problema do outro lado, você acaba virando um psicólogo, psiquiatra em alguns casos. Mas no meu caso, 21 horas eu desligo o celular, coloco pra carregar e só ligo às 9 da manhã, ou seja, 12 horas de paz. Tenho um grupo da família e outro de um pessoal que estudou medicina comigo, mas todos da minha idade. 

Portal CORREIO – Você nasceu em Marabá, filho de um dos maiores comerciantes do século passado. Como foi sua infância?

Miguelito – Foi maravilhosa. A gente tomava banho praticamente todos os dias nos dois rios. Eu ia ver os bichos na mata, mas hoje em dia você tem mata e não tem bicho. E quando tem bicho, não tem mata, é uma confusão! Mudou muito, evoluiu? Não sei. Não sei se essa evolução é desenvolvimento ou não, tenho lá minhas dúvidas. Mas tive uma infância muito boa em Marabá. Naquele tempo não tinha estrada, eram só os rios. Depois veio a PA-70, que é hoje a BR-222, depois a Transamazônica, e acompanhei toda essa mudança. Eu tive uma infância espetacular, já a adolescência não, porque tive de sair da cidade aos 9 anos para estudar, em Belém. Mas sempre nas férias voltávamos pra cá.

Portal CORREIO – Por lá, na Capital, você estudou o quê?

Miguelito – Primeiro, eu me formei em administração e economia. Comecei a fazer medicina concomitantemente. Fui ser administrador do Hospital do Maradei, um amigo de Belém. Foi pela amizade que eu tinha com ele. Em 1973 fomos para a Europa juntos e aí ele virou meu amigo e me colocou lá pra ser administrador e depois tive de fazer medicina, não tinha jeito. Comecei medicina em 1979, na UFPA, mas depois eu vi que aquele não era o meu negócio, não era o que eu queria, e aí voltei pra Marabá.

Portal CORREIO – E o que o levou a ingressar na política?

Miguelito – Eu sempre fui muito amigo do Nagib (Mutran) e ele saiu candidato a deputado estadual em 1986 e acabei apoiando ele. Em 1988, candidatou-se a prefeito e disse que eu seria candidato a vereador. Entrei nessa junto com ele e os dois fomos eleitos. De cara, eu já fui presidente da Câmara Municipal, mas logo a gente brigou por uma bobagem, que até hoje eu vejo que não tinha motivo de termos brigado. Éramos muito novos, foi ruim pra ele e pra mim. Mas já passou.

Portal CORREIO – Qual você considera que tenha sido seu principal legado para o Legislativo marabaense?

Miguelito – Atuei em muitas frentes. Entre elas, fui um dos pioneiros do projeto do Estado de Carajás. Criamos a União de Vereadores do Sul do Pará, que colocou fogo nessa luta. Mas também iniciei a construção do atual prédio da Câmara Municipal. Eu acho que eu fui importante, como dizem hoje lá no Parlamento, eles me chamam de professor. Mas eu acho que ninguém é professor de nada, em política principalmente. Eu não saio da política porque eu gosto dessa coisa, da cidade de Marabá, dos meus amigos.

Hoje eu sou Político, Preto e Pobre, a história dos “três P’s”. Por exemplo, tem gente que diz: “Como é que um cara desse se elege? Tá comprando voto?”. Aí um dia eu vi que gravaram um cara pedindo dinheiro pra mim, e eu disse que eu não era banco, não sei nem que interpretação deram a isso.

Portal CORREIO – Em 30 anos militando na política marabaense, que personalidades desse meio você mais admira?

Miguelito – O Dr. Geraldo Veloso (ex-prefeito) e o Tião Miranda. O Tião é um gestor nato. Mas o Dr. Veloso é aquele cara que mudou o jeito de fazer política. Ele deu chance pro Tião, pra mim, pra todo mundo. Eu acho que o grande cara dessa história toda foi o Veloso, porque ele era um bem centralizador e acreditava em todo mundo, apesar de ser crítico de todos. Tanto que a juventude política deste município, se for reparar, floresceu no tempo do Veloso. Antes não tinha e depois dele pouco apareceu.

Portal CORREIO – E como anda sua saúde, depois do tratamento de um câncer no reto?

Miguelito – Minha saúde está muito bem. Tô bem de saúde, de família, de mulher, filho, bem de tudo. Eu sou um cara super feliz na minha vida.

Portal CORREIO – O que o levou, na casa dos 60 anos de idade, decidir a cursar direito?

Miguelito – Começou como um desafio lá em casa. Falei para os meninos que eu ainda tinha condição de estudar. Aí eles começaram a me gozar. E eu falei: Vou fazer vestibular. Fiz a primeira vez e não passei, já fui passar na segunda. Resolvi cursar e comecei a gostar. Curso de direito é algo muito fascinante, te dá vários caminhos.

Com isso, comecei a me refletir o seguinte. Quando você tá fazendo faculdade, você começa a se preocupar: Poxa, advogado, juiz e promotor, tudo no mesmo patamar. É isso que a gente aprende na faculdade. Mas sabemos que não é verdade. Infelizmente, o pobre do advogado não pode brigar com o juiz nem com o promotor, nem com ninguém. Se brigar, perde a clientela, porque existem os problemas pessoais de cada um e, às vezes, o juiz não tem muito a percepção da sociedade como um todo, porque eles são obrigados a não conviver com a sociedade. Eles se trancam, se isolam, e fica uma decisão muito insensível, sem conhecimento do geral, das coisas.

Portal CORREIO – Soubemos que você é um dos alunos mais destacados de sua turma de Direito? É o sentimento de cobrança pessoal ou de competição que fala mais alto?

Miguelito – Se você não competir, você tá ferrado. O mundo é dos mais preparados, então, não tem jeito. Eu, sinceramente, acho que tenho que ser visto como o espelho dos garotos que estudam comigo. Preciso ser espelho e não vidraça. Já sou vidraça como político, como preto, então é muita vidraça só. Também pelo fato de eu ter menos neurônios do que os meninos, eu tenho que me dedicar mais.

No Direito, você tem de ler muito, estudar muito. Eu costumo fazer isso, não quero ser melhor do que ninguém, não, só que eu não quero ser vidraça, quero ser espelho. No início, algumas pessoas maldosas falavam: “O que essa cara tá querendo ao ser advogado? Ele vai pra faculdade pra colar”. Ninguém confia mais em ninguém de certa idade. Existe uma desconfiança sempre. Eu vou pra lá pra estudar, faço meus trabalhos, sento bem na frente do professor pra não ter nenhuma dúvida. Nas provas, no mesmo lugar faço as provas. Estou numa faculdade muito boa. Já fiz cinco faculdades na minha vida. Reputo a Faculdade Carajás como uma das melhores que eu fiz. Tanto é verdade que vinte e poucos colegas fizeram agora a prova da OAB e passaram 19. É uma proporção excepcional de aprovação. Estou na melhor faculdade e pra isso preciso ser o melhor aluno. Não posso fazer graça.

(Ulisses Pompeu e Karine Sued)