Correio de Carajás

A professora que aspergia perfume nos calcanhares

Célia Regina tinha alguns costumes que você vai estranhar. Um deles era pôr perfume no calcanhar. E não exagerava na dose, apenas aspergia gotinhas atrás do pé quase de seda. Tronco um pouco torcido, frasco de cheiro na mão, despida, repetia o ritual quando estava com vontade de desnortear alguém. Homens ou mulheres. Principalmente, meninas de 20 ou 70 anos.

Havia uma explicação para os extremos na hora da escolha dos amores ternos e delicados. Foi uma senhora, setentona, que a desposou verdadeiramente como nem sonhava. Pois não imaginava existir prazer como o que experimentou. Vinte anos! Tinha se relacionado com uma fulana que somava idade para ser sua avó. E esse era um gosto que ela não se envergonhava de ter.

Mas foi a bem-casada senhora que a fez feliz pela primeira vez. E vejam, até aquele dia (foram, pelo menos, 10 encontros até a morte (súbita) da septuagenária) não havia homem que chegasse perto dos segredos da que poderia ser sua avó. E que fique anotado, não foi a senhora que cortejou primeiro. Ela foi cercada, até que cedeu aos encantos de quem tem 20 anos.

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Sim, Célia Regina parecia não perceber mais nada ao seu redor quando encontrou a velha professora que lecionara em várias escolas de Marabá. A noviça havia sido sua aluna no segundo ano do ensino médio, mas naquele tempo não imaginava que o amor lhe aguardava na aposentadoria da velha educadora.

Ex-aluna e ex-professora se uniram numa relação que ficou marcada por pequenas viagens pela redondeza. Foram juntas ao Balneário da Bica, nas praias do Caju Amigo, Tira Calcinha e Apinagés, todos em São João do Araguaia. Mas também visitaram as cachoeiras da Serra das Andorinhas, praias do Amor e do Lençol e se deliciaram mais ainda na Praia do Macaco, em Itupiranga.

Um destroço e, ao mesmo tempo, um surto de felicidade para a senhora. Era casada! Tinha três filhas, netos e uma história de professora dedicada, que ganhara notoriedade por não reprovar alunos e ir, aos sábados e domingos, às casas dos que tinham mais dificuldades para aulas de reforço gratuitas. Mas fazer o quê? A menina dos 20 anos havia lhe dado o que o marido não deu em 55 anos de casamento.

Percebia tudo. Foi a moça, que, ao se baixar para limpar migalhas de bolachas finas no porcelanato quase transparente, sentiu o perfume suave que vinha do calcanhar da professora. Uma ponta de nariz que levemente tocava as costas nuas dos pés. A septuagenária foi à lua pela primeira vez. Acreditem, o marido nunca fez comentário sequer. E já se iam 55 anos que aspergia a encantos nos calcanhares.

Era a menina, também, que se encantava com o jeito de a senhora desabotoar o sutiã. Sutílimo e, depois, segurar os seios (ainda hirtos) com delicadeza. E todos os sentidos da moça se enchiam de um prazer brando e delirante. De apertar as pernas, fechar os olhos e grunhir fino.

A senhora enlouquecia com esses e outros ínfimos. Mimos que o único homem de sua vida passava batido. Deixou-se, por exemplo, engordar e só faltava sufocá-la na alcova. Ia sempre antes, rápido, e não se preocupava em qual estação a esposa ficava a contar marias-fumaça. Uma vez, quis sentar-se abaixo do umbigo do marido, mas foi reprovada com um olhar e volveu. Era embaixo que deveria restar.

Em retribuição, a moça era beijada nas dobrinhas dos braços, pescoço, virilhas e costas dos joelhos. Às vezes, nem fornicavam, bastava deitar a perna sobre o dorso uma da outra. Adormeciam e, também, era bom.

A menina aprendeu a aspergir perfume no calcanhar. Quem fosse sensível e descobrisse, homem ou mulher, a teria para experimentar qualquer possibilidade de fazer.

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.