O estado do Pará, mais precisamente, na região de integração Carajás, coleciona uma série de problemas trabalhistas que circundam as mais diversas áreas empresariais existentes. Mas, algumas delas, em particular, ganham um olhar especial do Ministério Público do Trabalho (MPT), por ser uma grande produtora agropecuária. Curiosamente, este é o cenário mais recorrente de irregularidades trabalhistas.
O procurador do MPT em Marabá, Gustavo Athaide, recebeu a Reportagem do Portal Correio de Carajás, para a qual concedeu longa entrevista, onde explicou as principais áreas de atuação da instituição, com atuação nos 41 municípios da região. Também falou sobre casos de trabalho escravo, infantil, informal e assédio moral e sexual, que serão abordados em uma sequência de reportagens pelo Portal.
Athaide cita o trabalho escravo, tema desta reportagem, como uma das demandas mais amiudadas na região, quase ultrapassando casos mais constantes, como acidentes ou adoecimentos de trabalho, por exemplo. “E posso garantir que todos os nossos casos de condições de trabalho análogas à escravidão ocorreram no ambiente rural”, afirma o procurador.
Leia mais:A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) realizou um estudo para verificar quais regiões do Brasil são as mais incidentes de denúncias de trabalho escravo, apontando a Procuradoria do Trabalho em Marabá como a campeã. “Isso é só a ponta do iceberg. São apenas as denúncias que chegam a nós”, observa Gustavo.
Confira os principais pontos abordados na entrevista:
Correio de Carajás – Como um cidadão acaba se submetendo ao trabalho escravo?
Gustavo Athaide – Há inúmeras explicações. Uma delas começa com o problema com a demarcação de terras. Muitas pessoas, com ambições de explorar terras, acabam sendo, às vezes, empossadas ilegalmente, e outras que conquistaram terras por meio da reforma agrária terminam sendo exploradas por proprietários de fazendas vizinhas. Outra maneira – levando em consideração o grande número de pessoas abaixo da linha da pobreza na região – são aqueles que precisam de emprego, mas não têm noções básicas de cidadania. Então, elas acabam sendo aliciadas por ‘gatos’, com inúmeras promessas de salário digno, moradia e a oportunidade de voltar para casa. Assim, são levadas às fazendas e outras localidades remotas na zona rural, onde a realidade é outra. São submetidas a uma permanência por dívidas, jornadas exaustivas de trabalho, condições degradantes de trabalho e moradia e, em alguns casos, os trabalhadores bebiam a mesma água que os animais da fazenda, por exemplo.
Correio de Carajás – Como o MPT toma conhecimento de casos de trabalho escravo?
Gustavo – Através de denúncias feitas das mais variadas formas. Geralmente, o próprio trabalhador, quando consegue fugir do local para onde foi levado, ou familiares que dão por falta da vítima e resolvem nos procurar. Também há blogs ligados aos direitos humanos que denunciam muitas situações, e isso nos leva a averiguar a situação.
Correio de Carajás – Pode citar um exemplo?
Gustavo – Em 2019, recebi um trabalhador que conseguiu fugir de uma determinada fazenda da região Carajás, à noite, e revelou que um amigo dele havia tentado realizar uma denúncia, porém desapareceu. As circunstâncias desse desaparecimento nos mostraram um nítido caso de assassinato, já que ele nunca mais foi encontrado. O trabalhador que fugiu procurou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que se reportou a nós. Então, eu fiz uma coleta de depoimento dele, constatei que o mesmo é analfabeto e foi aliciado por promessas. Ele conseguiu narrar o caminho até a fazenda e através de imagens de satélite, localizamos a posição geográfica dela. Imediatamente, geramos um procedimento administrativo para a formação de um grupo móvel, envolvendo outros órgãos trabalhistas, inclusive a Polícia Federal, e dentro de poucos dias realizamos a operação de resgate, onde nove pessoas foram salvas daquelas condições.
Correio de Carajás – Há alguma deficiência hoje nos órgãos trabalhistas que possa proporcionar o aumento do trabalho escravo?
Gustavo – Sim. Há uma ausência de concursos públicos para o cargo de auditor-fiscal do trabalho. Ele pertence ao extinto Ministério do Trabalho – que se tornou uma secretaria do Ministério da Economia – e por realizarem muitas inspeções, eles acabam constatando muitas situações de trabalho escravo. Com isso, vem a denúncia para o MPT, para ajuizarmos os inquéritos, assim como Termos de Ajuste de Conduta (TAC) e seguirmos os procedimentos cabíveis. Com o déficit desses profissionais, veio também uma redução das denúncias, e isso é um grave problema. (Zeus Bandeira)