“Não fui eu quem as escolheu, foram elas quem me elegeram”. O relato emocionado, feito em tom de voz embargado, é da mãe de três lindas filhas fruto de um processo muito conhecido, mas ainda amplamente envolvido em superstições. Já na Idade Antiga, a História comprova, parcela considerável dos povos milenares praticava o instituto da adoção, acolhendo crianças como descendentes naturais no seio das famílias.
A própria Bíblia descreve, aliás, a adoção de Moisés pela filha do Faraó, no Egito. É chegada a contemporaneidade e a mesma narrativa se comprova em Parauapebas, onde, há mais de duas décadas, a gerente comercial Rísia Alves dos Santos Almeida decidiu fazer sua primeira recepção.
A primeira filha dela foi Vitória, que tem 23 anos, se formou em Direito recentemente e hoje está em Marabá com o marido. Ela trabalha em um escritório de advocacia. Já é uma mulher-feita, com filhos e tudo. As outras filhas da gerente são duas gêmeas lindas, de dez anos, com diferença de idade de três minutos de uma para a outra. O nome delas é Gabriela e Daniela. “Eu sou amiga da mãe biológica, motivo pelo qual ela decidiu confiar a mim a missão de cuidar das crianças, pois havia sido abandonada pelo genitor e não tinha nenhuma condição financeira e emocional para manter as pequenas”, revela Rísia.
Leia mais:A mãe, que já é avó, conta que o plano sempre foi ter uma gestação própria, passando por tratamentos para engravidar e chegando até a fazer uma inseminação artificial, mas nada se consolidou. “Não foi possível fazer em plano natural, mas hoje eu entendo exatamente o motivo de não ter dado certo”, arrazoa Rísia. “Deus tinha o plano maior de me dar as três de uma forma toda especial, que são as três do coração”, sustenta ela.
Para acolher as gêmeas, Rísia optou por deixar tudo resolvido juridicamente, assim as chances de haver algum mal-entendido no futuro seriam menores. Ela narra que, assim que foi procurada pela genitora das crianças, buscou uma advogada para legalizar o processo. Iniciou-se, então, uma corrida entre assistentes sociais, assistentes psicopedagogos e o Juizado da Infância e Juventude. Rísia argumenta até que era a mulher mais assídua no Fórum da Comarca de Marabá (o processo não foi feito em Parauapebas), tão grande era o desejo de ter as pequenas nos braços logo.
Rísia revela que não acreditava que a mãe biológica de Gabriela e Daniela fosse manter a palavra na audiência final. Ela pressupunha que, de alguma forma, tudo poderia mudar da noite para o dia, da água para o vinho, e a genitora pudesse declinar da adoção nos minutos finais. “Mas ela manteve a palavra do início ao fim do processo e nunca interferiu em nada com relação às crianças”, narra, agradecendo a Deus pelo privilégio de ter sido abençoada com as duas vidas.
Diferentemente das mães retratadas nas novelas, aquelas que preferem não revelar ter sido a criança adotada, Rísia adotou uma postura de muita sinceridade com as pequenas, desde Vitória. Ela conta que sempre expôs toda a verdade para as filhas, de modo que não pudesse estigmatizá-las ou mesmo virá-las contra suas genitoras, tanto que as crianças têm ciência de sua origem. “Eu sou muito realista com as crianças sobre a adoção, mas explico o motivo para que elas não fiquem revoltadas com mãe biológica. Aí elas me dizem: ‘Que bom, não é, mamãe!? Deus é tão bom que escolheu a senhora como a melhor mãe do mundo’. Eu me sinto a mãe mais completa deste mundo”, transparece.
Antes de adotar Vitória e até mesmo anos depois, a mãe se queixava com Deus quanto à razão de não engravidar. Era um enigma mais complicado de entender que jogos de respostas confusas. “Eu queria muito ter filhos, sempre sonhei, assim como toda mulher. “A idade avançava e eu me perguntava mais. Eu não entendia. Orava, fazia exames, tratamentos e não engravidava. Até que a Vitória chegou e me trouxe um contentamento. Ela me completou como mãe e eu queria presenteá-la com irmãos, pois era a única na casa e não tinha com quem brincar”, declara Rísia.
Ela perdeu o marido, Edimar Ribeiro de Almeida, para uma doença renal nos rins há um ano e cinco meses. Ele era pastor e coordenava a congregação da Primeira Igreja Batista em Marabá, situada na Avenida Antônio Maia (Marabá Pioneira). Rísia afirma que, no momento da partida do amado, o amor de Deus se mostrou muito claro. Foi uma resposta divina para uma possível gestação, que antes ela não entendia. “Se nós tivéssemos tido filhos biológicos, com certeza eles teriam o mesmo problema de saúde que o meu esposo, complicação essa que é hereditária e ele contraiu com a mãe”, avalia.
Para Rísia, se ela decidisse fazer um exame de DNA com as filhas, o resultado seria positivo, dadas as afinidades e as notáveis semelhanças entre elas. “É algo tão real e verdadeiro que eu me sinto privilegiada. Deus me escolheu no meio de tantas mulheres e me abençoou com essas três obras-primas, filhas amadas, maravilhosas e perfeitas que me completam totalmente”, assegura ela. “Na verdade, quem as escolheu não fui eu, e sim elas”, admite.
Rísia não gosta da diferença que algumas famílias fazem entre filhos biológicos e adotivos. “Elas são minhas filhas e pronto. Na minha família, inclusive, ‘mãinha’ (se referindo à sua mãe) não fala que tem tantos netos sanguíneos e tantos adotivos. Para ela, todos são netos de maneira igual. Eu acho isso lindo, porque a adoção não é vista como um tabu para a nossa família”, exterioriza ela.
Neste sentido, Rísia menciona que participa de palestras e cultos em igrejas para dar o seu testemunho e contar sua história de sucesso, ou, como ela prefere dizer, ‘história de Vitória’ (fazendo alusão à primogênita). “Eu abro minha história de vida mais como um incentivo para quem quer adotar e tem medo, porque as pessoas têm muito preconceito com adoção”, penhora.
Mãe coruja passa mais tempo com as filhas na quarentena
Neste Dia das Mães atípico, Rísia conta que não poderia existir presente melhor do que a dádiva de ver as filhas com saúde e em constante progresso. Além disso, com a quarentena estabelecida a fim de evitar a proliferação do novo coronavírus, ela passou a ficar mais tempo em casa para cuidar da alegre dupla Gabriela e Daniela. “Estamos tendo mais tempo uma para a outra, porque em tempos normais costumamos terceirizar”, confessa ela.
Quando Rísia fala em terceirizar, ela está revelando que, no cotidiano, as filhas passam mais tempo na escola ou com a babá, quando estão em casa, posto que a rotina de trabalho não é nada flexível. “Eu sempre falo que a maternidade é algo que não se pode terceirizar. A maternidade é uma missão que Deus nos dá, e o que eu vejo é que, quando nós terceirizamos, nada se completa. Por mais que uma babá possa cuidar e zelar, não substitui uma mãe”, afirma.
Vitória, a filha mais velha, também está em quarentena em Marabá. Ela é mãe do pequeno Emanuel, de um ano e oito meses, e da Ana Clara, a caçula. Neste momento de pandemia, todo cuidado é pouco enquanto o mal não cessa do lado de fora. “Mas ela está gostando de passar um tempo maior em casa para cuidar dos meus netos e curtir o marido”, comenta Rísia.
Na quarentena, conta Rísia, as gêmeas e ela estão curtindo os momentos em família. “Às vezes nos estressamos com a bagunça, mas não importa. Elas dormem até tarde, eu faço os lanches delas, fazemos as atividades escolares (as aulas continuaram on-line) juntas, almoçamos juntas, vamos para a piscina, é muito divertido”, descreve ela.
Com mais tempo livre, a mãe coruja voltou até a brincar de boneca e a arrumar o quarto das filhas, tarefa que antes cabia à cuidadora por Rísia admitida. Outra coisa que as três estão fazendo é muita pipoca e sessões de filmes dos mais variados. As meninas, guiadas por um instinto adolescente que em breve hão de experimentar, também adoram ‘maratonar’ séries da Netflix. “Estou retomando muita coisa que estava ficando para trás, passando despercebido, pois na correria eu não sentia necessidade”, revela.
Rísia é autoproclamada a mãe mais realizada do mundo. Ela, além de sortuda, é abençoada por Deus, por mais que isso pareça uma grande redundância. Sua história de superação e luta pela gestação é encarada como um triunfo, tanto que foi seu marido quem nomeou a primogênita como Vitória. A história da satisfeita mãe serve como fonte de sincera inspiração para aqueles(a) cujo desejo é seguir o mesmo caminho. “É uma trilha gloriosa”, sintetiza. (Da Redação)