Correio de Carajás

A história por trás de ‘I Will Survive’, sucesso que se tornou hino à superação

Clássico dos anos 1970, 'I Will Survive' começou humildemente como o lado B do disco/Getty images

Dos Beatles a Taylor Swift, os compositores musicais sempre usaram ganchos cativantes para encantar os seus ouvintes – algumas vezes, na forma de um refrão musical “pegajoso”; em outras, com letras incisivas.

Mas poucas canções atraem tanto o público quanto I Will Survive (“Eu vou sobreviver”, em tradução livre) – o clássico da disco music gravado por Gloria Gaynor em 1978.

Gaynor tem agora 80 anos de idade. A música é sinônimo da cantora – e o título de um recente documentário sobre sua vida: Gloria Gaynor: I Will Survive.

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“Aquela canção é a minha história”, declarou Gaynor recentemente em entrevista ao jornal britânico The Independent. E sua performance vocal rica e emotiva não deixa dúvidas a respeito.

Quando Gaynor canta os primeiros versos – “at first I was afraid, I was petrified” (“no início, eu tinha medo, eu estava petrificada”, em tradução livre) – depois da abertura melodramática ao piano, o resultado é incrivelmente sugestivo, mas levemente ilusório.

Poucos compassos depois, a cantora revela que a verdadeira mensagem da música não é de medo, mas de resistência, empoderamento e resiliência.

“But then I spent so many nights thinkin’ how you did me wrong” – “mas, então, eu passei tantas noites pensando no quanto você me fez mal” –, canta ela, com glória e fervor. “And I grew strong and I learned how to get along” (“e eu me fortaleci e aprendi a seguir adiante”).

Gloria Gaynor deu cópias do disco para os DJs promoverem I Will Survive da forma que a canção merecia.

Quando a batida começa, já estamos totalmente envolvidos na canção.

“Acho que o motivo por que esta é uma gravação tão adorada é que o ritmo da disco music é tão motivador e metronômico que ele se lança completamente depois daquela suave abertura”, afirma Oliver Keens, DJ especializado em disco music e colunista do The Independent.

A DJ Bestley – artista com profundo conhecimento de disco, house e soul music – destaca que o andamento de I Will Survive (117 batidas por minuto) é “uma ótima velocidade para extensos períodos de dança” porque eleva os batimentos cardíacos da mesma forma que um exercício leve.

A influência da música

I Will Survive não é apenas uma música disco adorada pelas pessoas. É um marco.

Em 2016, a canção foi incluída no Registro Nacional de Gravações, um catálogo de gravações sonoras “consideradas significativas, do ponto de vista cultural, histórico ou estético” pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Em 2022, o cantor britânico Harry Styles, ícone da Geração Z, cantou a música durante sua apresentação no festival Coachella, nos Estados Unidos. E Madonna, uma das grandes sobreviventes do pop, apresenta a canção na sua turnê atual intitulada Celebration, em comemoração ao conjunto da sua carreira.

Gloria Gaynor em foto em preto e branco durante apresentação
Gaynor começou a cantar na década de 1960 e o sucesso de ‘I Will Survive’ veio em 1979/ Getty images

A canção Flowers, glamouroso sucesso de Miley Cyrus, ganhou recentemente o prêmio Grammy de gravação do ano de 2023. A música não inclui formalmente trechos de I Will Survive, mas os ecos da sua rebeldia no piso de dança estão presentes.

Quando Flowers foi lançada no ano passado, Gaynor manifestou sua aprovação, pois ela “carrega a tocha do empoderamento”.

Para Bestley, as duas canções “se misturam muito bem”. Flowers e I Will Survive têm sido incluídas juntas nas suas rotinas de DJ para uso em “momentos culminantes”.

Gloria Gaynor teve outros sucessos na era da discoteca. O principal deles foi sua regravação de Never Can Say Goodbye, do grupo Jackson 5, em 1974. Mas I Will Survive, sem dúvida, é sua marca registrada.

O novo documentário sobre a vida e a carreira da cantora, Gloria Gaynor: I Will Survive, garantiu o epíteto da artista.

O filme teve um único dia de apresentação nos cinemas norte-americanos, em 13 de fevereiro. Um lançamento mais amplo é esperado para breve.

O documentário mostra as obstinadas tentativas da cantora de gravar seu primeiro álbum gospel com pouco mais de 70 anos de idade, mesmo com seu agente dizendo que “ninguém quer” que ela faça aquilo. E também destaca os muitos obstáculos pessoais que ela precisou superar ao longo da vida.

Eles incluem um problemático casamento de 26 anos com seu antigo agente, Lynwood Johnson, de quem ela se divorciou em 2005. Gaynor o descreve no filme como um “ímã que atrai mulheres”. E sem falar no assassinato da sua irmã, em 1995.

Ela também conta que foi molestada sexualmente diversas vezes na adolescência em Newark, no Estado americano de Nova Jersey: pelo parceiro da sua mãe quando tinha 12 anos e pelo primo do seu namorado, aos 17 anos de idade.

A determinação de Gaynor de se dedicar à música gospel valeu a pena. Seu álbum Testimony, de 2019, ganhou o Grammy no ano seguinte.

Desde então, ela voltou para a dance music em 2021 com a canção Can’t Stop Writing Songs About You, em colaboração com Kylie Minogue. E também concorreu na versão americana do reality show The Masked Singer.

Quando foi revelada sua identidade como a voz secreta da personagem “Sereia”, Gaynor apresentou um bis, cantando, adivinhe… I Will Survive, claro.

Gloria Gaynor começou a cantar profissionalmente em meados de 1960, na banda de jazz e R&B The Soul Satisfiers. Mas ela só atingiu o sucesso internacional depois de iniciar carreira solo e migrar para a disco music, nos anos 1970.

I Will Survive chegou ao primeiro lugar das paradas dos EUA e do Reino Unido em 1979. Foi o seu maior sucesso – e o mais duradouro.

A canção voltou aos Top 10 do Reino Unido em 1993, com a elegante releitura do remixer Phil Kelsey para a era da house music.

A versão original de Gaynor permanece definitiva até hoje, mas dezenas de artistas colocaram sua marca em I Will Survive ao longo dos anos.

Gloria Gaynor
Gaynor postou um vídeo seu lavando as mãos ao som de I Will Survive durante a pandemia. Na foto, durante apresentação em 2023/ Getty images
 

Em 1996 e 1997, três regravações muito diferentes apareceram em diversos territórios: a versão dance-pop de Diana Ross, uma balada clássica reimaginada pela cantora americana de R&B Chantay Savage e um rock alternativo metálico com a banda americana Cake.

Em 2008, Gaynor declarou que a versão da banda Cake é a sua “menos preferida”. Segundo ela, a banda californiana “usou palavrões” na letra da canção.

Madonna incluiu I Will Survive na sua turnê atual, Celebration. É um dos momentos mais marcantes do show.

A pura onipresença e o caráter clássico da versão original de Gloria Gaynor se mostraram “intimidadores” para o DJ e produtor musical Eric Kupper, que foi contratado para fazer um remix da canção em 2020.

“Eu queria trazer algo novo para a mesa sem reinventar a roda”, declarou ele à BBC.

Kupper preparou três remixes de I Will Survive, todos contendo atualizações para a música dançante contemporânea que são elegantes e respeitosas. Mas ele conta que “se arriscou mais” no seu remix eletrônico, que corta e reúne os vocais de Gaynor de formas arrojadas.

“Pode haver estigmatização de alguns DJs quando o assunto é tocar uma música muito conhecida”, explica Kupper. “Mas fiquei feliz porque eu tinha DJs alternativos entrando em contato comigo para dizer que os meus remixes, especialmente a [versão] dub, deram a eles uma razão para colocar a canção de volta nas suas rotinas.”

As origens da canção

Hoje em dia, I Will Survive está totalmente embutida na cultura pop global. Um exemplo é o clipe do tenista sérvio nº 1 do mundo, Novak Djokovic, cantando a música em um programa da TV francesa em 2007, que viralizou no início de fevereiro.

Por isso, é surpreendente observar que a canção se destinava inicialmente a ser uma gravação descartável.

Quando Gaynor gravou a música em 1978, ela estava destinada a ser o lado B do disco de outra canção popular da época, chamada Substitute – que havia feito sucesso recentemente com a banda de rock sul-africana Clout.

Gloria Gaynor
Gaynor viu potencial na letra de I Will Survive/Getty images
 

A Casablanca, gravadora de Gaynor, pediu ao compositor Freddie Perren que produzisse um remake para disco music. Ele aceitou, desde que também pudesse produzir o lado B.

Quando ele mostrou a Gaynor a letra de I Will Survive – escrita por ele em parceria com Dino Fekaris – a cantora identificou imediatamente o potencial da canção.

“Eu disse que era uma letra atemporal”, declarou ela recentemente à rede de rádio pública americana NPR.

Ela também se lembra de que disse aos colaboradores: “‘Como vocês podem colocar isso no lado B?’ Eles responderam: ‘Bem, este foi o nosso acordo.'”

Gloria Gaynor estava tão certa de que I Will Survive merecia ser promovida que ela deu a canção para o DJ Richie Kaczor, da casa noturna mais influente de Nova York, a Studio 54. “O público imediatamente adorou”, contou ela à revista Forbes em 2020.

“Eu pensei, ‘este é um sucesso. O público de Nova York não adora nada imediatamente.’ Então, entreguei ao DJ uma pilha de discos para ele dar para seus amigos DJs.”

Rapidamente, I Will Survive ficou tão popular nas pistas de dança que a gravadora fez da canção o lado A do disco, que logo subiu nas paradas.

E, enquanto I Will Survive dominava as discotecas de Nova York, Fire Island – uma região de praias a 80 km de distância, popular junto à comunidade LGBTQIA+ – também recebia a canção de braços abertos.

A música “se tornou um dos hinos do Orgulho Gay por excelência” em 1979 e “se manteve firmemente como canção favorita dos homens gay de todas as partes”, segundo a Sociedade de Preservação Histórica de Fire Island Pines.

Em 2022, mais de 40 anos depois, a revista Time Out incluiu I Will Survive no topo da sua lista de “50 canções gay para celebrar o Orgulho o ano inteiro”.

É fácil entender por que a comunidade LGBTQIA+ sempre se identificou com I Will Survive e seu inato sentido dramático.

Afinal, seus versos desafiadores como “Did you think I’d crumble? Did you think I’d lay down and die?” (“Você achou que eu fosse desmoronar? Você achou que eu iria me deitar e morrer?”) realmente tocam o coração de qualquer pessoa que esteja lutando pelo seu direito de viver a vida que deseja.

“É uma canção sobre empoderamento e autorrealização e, como a letra não menciona o gênero de quem canta, nem da pessoa a quem ela se destina, qualquer um pode se identificar com ela”, comenta Bestley.

I Will Survive pode ser neutra de gênero, mas, como sua versão mais famosa é a cantada por Gloria Gaynor, a canção também foi adotada como hino do empoderamento feminino.

É a história de alguém que se levanta acima da angústia causada pelo seu ex insensível e exclama: “I’m not that chained up little person still in love with you” (“não sou mais aquela pessoa minúscula acorrentada, ainda apaixonada por você”).

Esta qualidade universal também pode se dever ao fato de que I Will Survive é uma corajosa canção sobre um rompimento inspirada não por um revés amoroso, mas profissional. Fekaris conta que escreveu a canção depois de ter sido despedido do seu emprego como compositor da gravadora americana Motown Records.

A letra fala claramente em seguir adiante depois de um relacionamento fracassado, mas ela contém um sentido mais amplo de pura resiliência. E Gaynor acrescentou sua própria dose de infortúnio ao seu estrondoso desempenho vocal.

“[Certa vez] eu estava no palco, caí para trás sobre um monitor e acabei no hospital, paralisada da cintura para baixo”, contou ela ao jornal britânico The Daily Telegraph, em 2017. “Mas eu sabia que iria conseguir sobreviver.”

Nos filmes

I Will Survive certamente mostrou sua capacidade de adaptação ao longo dos anos. A canção apareceu em um filme sobre drag queens (Priscilla, a Rainha do Deserto, de 1994) e em uma greve fictícia dos jogadores de futebol americano da NFL (Virando o Jogo, de 2000).

Kupper acredita que seus remixes de 2020 foram “feitos em um bom momento”. Sua “mensagem de empoderamento” era oportuna para a pandemia de covid-19, quando viralizou um vídeo de Gaynor lavando as mãos ao som da canção.

Mas ele também acredita que o sucesso de I Will Survive é tão duradouro devido à alta qualidade da canção.

“É uma canção excelente, bem elaborada, tanto a música quanto a letra”, afirma ele, “e [Gaynor] canta com muita paixão.”

De fato, a voz da cantora sempre for marcada por uma incrível sinceridade. Foi por isso que, em 1983, sua versão em ritmo de disco music de I Am What I Am, do musical da Broadway A Gaiola das Loucas, também foi adotada como hino pela comunidade LGBTQIA+.

Para Keens, o “chimbal que toca em I Will Survive é um astro absoluto”. Ele compara o ritmo com “o pulso da protagonista da canção ao escapar da confusão do seu passado”.

Quer você tenha ou não vivido a situação descrita pela música, é inegável que existe algo de estimulante e que inspira empatia na canção de Gloria Gaynor.

I Will Survive é o tipo de música que você busca como apoio sempre que é preciso respirar fundo e dizer: “não, eu não – eu vou sobreviver!”

(Fonte: BBC News/Nick Levine)