Correio de Carajás

A comida que alimenta e afaga muitos corações em Marabá

Dois restaurantes da Nova Marabá distribuem alimentos para dezenas de pessoas carentes após o horário de atendimento aos clientes. Eles agradecem com lágrimas

Todos os dias, centenas de pessoas são beneficiadas com alimentos doados por restaurantes que evitam propaganda/ Fotos:Evangelista

“Tive fome e me deste de comer; tive sede e me deste de beber… E Jesus lhes disse: ‘o que fizestes para algum deste meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o fizeste”, Mateus 25:35

Caridade. Atitude de agir com quem precisa, sem interesse e sem esperar nada em troca. Compaixão. Amor. Bondade. Benevolência. Generosidade. Humanidade.

Essa reportagem poderia ser iniciada com algum desses parágrafos acima. Ou por nenhum deles. Mas, decidimos colocar os dois para poder falar um pouco sobre essa virtude cristã.

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A aflição da fome pode não ter sido sentida nunca por alguns – ou pela maioria – dos leitores do CORREIO.  Mas, essa dor que punge o coração de vários brasileiros espalhados pelo País, sensibiliza muita gente que tem o que comer todos os dias, enquanto o irmão, do outro lado da janela, clama por um prato de comida.

Em Marabá, dezenas de pessoas recebem, quase que diariamente, um pouco de comida (poderia até chamar de afago). A marmita recebida chega como um acalanto para a dor da fome, e como esperança de que ainda existem pessoas boas nesse mundo.

Era por volta das 14h30 de quinta-feira, 8. A temperatura em Marabá passava nos 30 graus. Buscando uma sombra, várias pessoas iam chegando e se aproximando, aguardando a hora de receber um pouco de comida em dois estabelecimentos na Nova Marabá.

Eles aguardam próximo aos restaurantes todos os dias

Dentre tantos, Railson, Maria, Dulcilene, Cladevan, Joice, Raimundo e Antônio só sabiam agradecer a Deus pela oportunidade da refeição. Nessa hora, a repórter desta notícia lembrou das várias vezes que reclamou, literalmente, de barriga cheia.

“Esse homem tem um lugar no céu. Ele é abençoado demais. Vê a gente e cumprimenta. Não tem nojo. Ele abraça a gente. Às vezes, dá até uma ‘coquinha’”, diz Maria do Carmo, cheia de gratidão.

Ela e a filha, Ducilene do Carmo, 38, recebem todos os dias (exceto domingo), há mais de um ano, marmitas em um restaurante localizado na Folha 31, no Núcleo da Nova Marabá.

Mãe e Filha vão todos os dias buscar marmita de comida

Morando sozinhas em uma casa localizada na mesma Folha, Ducilene conta que a necessidade as levou para a fila da marmita. “Trabalhava como cozinheira em um supermercado. Mas, ele fechou e nunca mais arranjei emprego. A gente vive com o benefício do meu pai que faleceu. Começamos a vir aqui pegar comida todo dia. Essa atitude deles é de Deus. Eles tratam a gente muito bem. Não sinto vergonha em vir aqui”, conta, sentada na calçada enquanto esperava o horário da comida ser entregue.

Elas afirmam não sentir vergonha de pegar a comida todo dia no local. Inclusive, já presenciaram pessoas chorando de alegria ao receber o alimento.

“Senti uma felicidade e um amor muito grande quando comecei a pegar a marmita. Poucas pessoas são iguais a ele. E a comida é muito gostosa, é a mesma que ele vende. Não dá resto pra gente não. Acho até que faz um arroz pra gente quando vê que não vai dar pra todo mundo”, avalia a mãe.

Aos 46 anos, Railson Marcos de Sousa Ferreira sai andando da Folha 35, onde reside, para pegar duas marmitas, que divide com a mulher e os dois filhos.

Desempregado desde 2018, Railson Marcos afirma que decidiu ir em busca de comida quando olhou para os filhos e não tinha o que comer em casa

Desempregado desde 2018 – trabalhava como vigilante – ele relembra quando decidiu ir até o estabelecimento em busca de comida, quase um ano depois de perder o emprego. “Olhei para os meus filhos, olhei para um lado, para ao outro e não tinha mais nada em casa. Falei ‘é agora’, e vim aqui. Chorei demais. Não foi só uma vez não. Chorei várias vezes escondido lá em casa. Mas, botei a vergonha de lado e vim aqui. Logo na primeira vez senti o amor desse homem. Digo que ele é um homem de Deus”, diz, referindo-se ao proprietário do restaurante.

Durante a entrevista, Railson se emociona, e afirma que se mais empresários fizessem essa ação, o mundo seria um lugar melhor.

Morador do Bairro Araguaia, popularmente conhecido como Coca-Cola, Cladevan de Brito, 35 anos, vai a pé todos os dias para buscar a refeição.

“Me sinto privilegiado dele me ajudar”, diz Cladevan de Brito, em referência ao empresário que doa a marmita

Trabalhando como ajudante de pedreiro, ele também faz bico, cata latinha e papelão nas ruas para vender, e diz que se vira como pode. Mas, lamenta que está difícil encontrar um emprego.

“Essa marmita significa mais resistência na minha vida. Venho buscar todo dia. Isso é bom demais. Me sinto privilegiado dele me ajudar. Há quatro anos não passo fome, porque pego essa marmita e vou inteirando com o que tenho, e assim vou vivendo”, diz.

Separado e pai de um rapaz de 22 anos, Cladevan mora sozinho e conta que o filho o ajuda como pode de vez em quando.

Raimundo José, 45 anos, e Antônio Domingos, 37, moram na Folha 16, e passam todos os dias para buscar a comida. E afirma que a atitude do dono do restaurante ajuda que eles não passem fome.

A SOLIDÃO DE JOICE e JASON

Moradora de rua, Joice Ferreira, 36, é natural do Maranhão e está em Marabá há mais ou menos nove meses. Residindo em uma barraca que montou atrás de uma parada de ônibus na Folha 33, ela se emociona ao falar sobre a vida na rua.

Morada de rua, Joice Ferreira tem fé que as coisas vão melhorar

“Moro com o Jason, meu gatinho. A vida na rua é solitária. Mas, meu gatinho me consola. Sinto falta da minha mãe, do esposo que tive e do Maicon, meu filho de 21 anos. Não falo com ele. O pai levou ele pra Manaus”, diz, entre lágrimas.

Questionada sobre o que a levou para a rua, ela diz que não pode falar. Mas, afirma que Deus nunca a abandonou. “Tenho fé que as coisas vão melhorar. E venho aqui buscar comida pra mim e pro Jason. Você precisa conhecer ele”, convida.

A triste e dolorida realidade vivida por essas pessoas não é enxergada. A história e os motivos que os levaram para onde estão hoje não merecem julgamento. A fome dói. A fome adoece. A fome mata.

Que mais marmitas carregadas de amor, arroz, feijão, macarrão, carne e batata frita cheguem aos necessitados. Que a fome cesse e o coração se aqueça com a bondade do próximo.

A reportagem tentou contato com os responsáveis pelos estabelecimentos que fazem essa ação. Contudo, não quiseram gravar. Um deles apenas disse que faz o que está ao seu alcance.

Robson da Silva reza todos os dias e agradece a Deus antes de comer

“Entrego 100 marmitas por dia. Se não tem mais no buffet, mando fazer para completar. Ninguém sai sem comida. Já faço isso há mais de dez anos e é de coração. Deus me deu essa oportunidade de ajudar e ajudo”, sintetizou um dos empresários.

As histórias de todos eles remetem para uma canção de Pedro Valença: “Onde estão?”. Para ouvi-la no Youtube, acesse o link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=-A_adPGi0Bo&t=2s

 

Mesa Brasil busca onde sobra, entrega onde falta

 

O Programa Mesa Brasil Sesc surgiu em fevereiro de 2003 com o objetivo de combater a fome e o desperdício de alimentos.

A ideia é simples: busca onde sobra, entrega onde falta. Agregando valor nutricional às refeições que são servidas em milhares de entidades assistenciais, não permitindo que alimento ainda próprios para o consumo humano tenham como destino o lixo.

O Mesa Brasil faz o papel de ponte, entre empresas doadoras de alimentos excedentes e entidades sociais que precisam dos alimentos para suas refeições, em quantidade suficiente.

O programa tem a missão de contribuir para Segurança Alimentar e Nutricional dos indivíduos em situação de maior vulnerabilidade e atuar na redução do desperdício, mediante a doação de alimentos, desenvolvimento de ações educativas e promoção de solidariedade social em todo o país.

No Pará, o programa tem polos em Belém, Castanhal, Marabá e Santarém, e mensalmente atende cerca de 199 instituições por meio de doações de alimentos, material de higiene e limpeza.

De acordo com o Mesa Brasil, em Marabá, 19 empresas participam do projeto e são doadoras mensais do programa de combate à fome.

 

(Ana Mangas)